Venda de clube da Premier League motiva nova batalha no Oriente Médio

Empresa de TV do Qatar quer impedir que grupo da Arábia Saudita assuma Newcastle

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Tariq Panja
Londres | The New York Times

A guerra de prepostos entre a Arábia Saudita e o Qatar chegou à Premier League da Inglaterra, com uma companhia qatari de televisão buscando bloquear a tomada de controle do Newcastle United por um grupo que conta com apoio saudita.

A empresa, beIN Media Group, detém os direitos de transmissão dos jogos da Premier League no Oriente Médio e enviou uma carta aos 20 clubes da liga e ao seu presidente-executivo, desencorajando-os de permitir que a venda seja realizada.

O grupo beIN acusa a Arábia Saudita de apoiar uma operação de pirataria multibilionária que solapa seus valiosos direitos televisivos, ao capturar e retransmitir o sinal de suas transmissões.

Os dois ricos países estão envolvidos em diversas disputas políticas e econômicas, o que alimenta a tensão no Oriente Médio. As relações entre eles se amargaram em 2017, quando a Arábia Saudita liderou um boicote regional ao Qatar, acusando o emirado, um rico produtor de gás natural, de apoiar o terrorismo, e criticando o relacionamento entre seu governo e o Irã.

As cartas, assinadas pelo presidente-executivo da beIN, Yousef Al-Obaidly, podem fazer da Premier League um novo campo de batalha entre os dois países.

A operação de pirataria, conhecida como beoutQ, que investigadores independentes vincularam à Arábia Saudita, é a maior na história do esporte, e os maiores eventos esportivos do planeta são alvo de transmissões não autorizadas.

A beIN, maior compradora mundial de direitos de transmissão esportivos, detém os direitos sobre a maioria desses eventos. A operação de pirataria envolve transmissões pela Arabsat, uma operadora regional de TV via satélite na qual a Arábia Saudita é investidora, e o sinal básico da beIN foi identificado sob um logotipo da beoutQ.

“Por que isso é importante? Não só o potencial comprador do Newcastle United causou grandes danos às receitas comerciais de seu clube e da Premier League, como o legado desse serviço ilegal continuará a afetá-los no futuro”, afirmou Obaidy na carta aos clubes. “Quando a temporada da Premier League recomeçar, nos próximos meses, todo o conteúdo televisivo da liga continuará a estar disponível fácil e ilegalmente."

Em setembro, uma investigação financiada pela Fifa, duas de suas confederações e um grupo das principais ligas europeias de futebol, entre as quais a Premier League, concluiu “inquestionavelmente” que a Arabsat havia desempenhado papel vital na operação de pirataria. Os esforços de combater a operação judicialmente fracassaram porque escritórios de advocacia na Arábia Saudita se recusaram a representar as organizações afetadas.

Compra do Newcastle está no centro da disputa entre países do Oriente Médio
Compra do Newcastle está no centro da disputa entre países do Oriente Médio - Scott Heppell/Reuters

Até a disputa, a Arábia Saudita era de longe o maior mercado da beIN no Oriente Médio e no norte da África. Agora, é o único país do mundo em que conteúdo da Premier League está acessível apenas por meios ilegais: ou pela beIN, que foi impedida de transmitir para o país em 2017, ou por serviços de TV ilegais, entre os quais o beoutQ.

Pouco foi revelado publicamente sobre a venda do Newcastle, mas as reportagens sobre uma transação iminente se intensificaram na semana passada. O The Wall Street Journal foi o primeiro a revelar as negociações entre o impopular proprietário do clube, Mike Ashley, e um grupo no qual o Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita é supostamente o maior investidor.

Continua a existir ceticismo sobre a transação por conta do envolvimento da empresária inglesa Amanda Staveley e sua consultoria, PCP Capital Partners, que, segundo boatos que circulam já há alguns anos, estavam perto de adquirir o Newcastle.

Em janeiro de 2018, durante uma onda anterior de especulações que vinculava Staveley à compra, assessores próximos de Ashley divulgaram um comunicado no qual diziam que “não havia acordo e nem mesmo negociação com Amanda Staveley e o PCP”.

“As tentativas de chegar a um acordo com Amanda Staveley e o PCP se provaram exaustivas, frustrantes e uma completa perda de tempo”, os consultores afirmaram na época.

Desta vez, as negociações estão sendo levadas mais a sério, por conta de documentos recentemente encaminhados ao registro comercial do Reino Unido que vinculam Staveley a uma holding por meio do qual Ashley, um bilionário do varejo, controla o Newcastle.

Não houve comentário da parte de Staveley, do Newcastle ou da Premier League, que avalia potenciais novos investidores por meio de um procedimento conhecido como “teste de proprietários e diretores”.

“Na medida em que as reportagens sobre a aquisição do NUFC são corretas, consideramos essencial que a Premier League investigue plenamente o potencial comprador do clube, incluindo todos os seus diretores, executivos e outros representantes do fundo de investimento da Arábia Saudita ou outras entidades sauditas envolvidas na, ou provendo financiamento para a, aquisição”, escreveu Obaidy em uma carta separada ao presidente-executivo da Premier League, Richard Masters.

“Parecem existir diversos motivos para que uma investigação esteja sendo solicitada” por outras partes, a carta prosseguia. “Nossa solicitação se baseia puramente no roubo presente e passado dos direitos ide propriedade intelectual da liga e de seus clubes integrantes."

Já houve muito escrutínio e muita discussão pública, por conta do possível envolvimento do Estado saudita em uma liga cujos proprietários de clubes já incluem o irmão do príncipe herdeiro de Abu Dhabi e um oligarca russo próximo ao presidente Vladimir Putin.

Organizações de defesa dos direitos humanos criticaram a potencial venda ao fundo de investimento estatal do reino; Kate Allen, diretora da Anistia Internacional no Reino Unido, também escreveu uma carta a Masters, o presidente-executivo da Premier League.

“A menos que a Premier League pare para contemplar seriamente a situação dos direitos humanos na Arábia Saudita, ela corre o risco de se tornar uma fachada”, escreveu Allen, aconselhando Masters a não permitir que a liga seja usada para o que ela descreveu como “lavagem esportiva” pela Arábia Saudita.

“Como isso pode ser positivo para a reputação e a imagem da Premier League?", escreveu Allen.

Organizações de defesa dos direitos humanos já tinham feito críticas semelhantes aos interesses do Qatar no futebol, entre os quais o controle do clube Paris Saint-Germain e o direito a organizar a Copa do Mundo de 2022.

Para a maioria dos torcedores do Newcastle, a perspectiva de um proprietário rico como substituto de Ashley, uma figura muito impopular junto à torcida há anos, é bem-vinda. Os torcedores estão usando a mídia social para expressar apoio à ideia, e alguns alteraram seus perfis a fim de incluir a bandeira saudita ou fotos do príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman.

Tradução de Paulo Migliacci

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