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Amigo de Trump, Dana White põe UFC em evidência durante pandemia

Flórida recebe neste sábado maior evento esportivo dos EUA em quase dois meses

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Kevin Draper
The New York Times

Quando Tony Ferguson e Justin Gaethje entrarem no octógono na noite deste sábado (9), em Jacksonville, Flórida, sua disputa pelo título provisório dos pesos leves será o clímax do UFC 249, o maior evento esportivo a ser realizado nos Estados Unidos em quase dois meses.

Também será um triunfo para Dana White, o belicoso presidente do Ultimate Fighting Championship (UFC). Se a decisão tivesse cabido a ele, White jamais teria suspendido a realização de torneios de MMA, e que se dane a pandemia do coronavírus.

Por duas décadas, White insistiu que seu esporte se tornaria o maior do planeta. Neste final de semana, ele desfrutará de holofotes dignos de suas ambições, pelo menos por uma noite, ou talvez por mais tempo, caso os planos do UFC para pelo menos mais três eventos em maio sigam adiante sem reveses significativos.

Mas se o UFC 249 demonstra o desejo irreprimível de White de dominar o mundo do esporte, também enfatiza algumas das dificuldades causadas por seu estilo agressivo e alguns possíveis defeitos no modelo de negócios de sua organização.

As tentativas de White de continuar a realizar combates durante a pandemia atraíram reprovação de políticos poderosos e de seus parceiros empresariais mais importantes, a Disney e a ESPN. O escrutínio reflete em parte as expectativas mais ambiciosas de respeitabilidade para uma organização encarada por muito tempo como uma curiosidade tosca.

Pela maior parte da gestão de White como presidente, a organização era controlada por magnatas dos cassinos de Las Vegas e não tinha de prestar contas a virtualmente pessoa alguma. Fundado em 1993, o UFC foi adquirido por US$ 2 milhões, em 2001, por Lorenzo e Frank Fertitta, irmãos que eram donos dos Stations Casinos e amigos de infância de White, a quem eles imediatamente colocaram no comando do negócio. Eles venderam o UFC em 2016 por cerca de US$ 4 bilhões, coroando uma transformação pela qual White merece boa parte do crédito.

A nova controladora principal do UFC, a Endeavor, é um conglomerado que promove eventos ao vivo e planejava abrir seu capital, mas seus negócios terminaram devastados pela pandemia. Executivos da Endeavor deixaram claro que consideram White como um dos principais ativos do UFC, mas o controle inflexível do presidente sobre os lutadores vem sendo contestado em um processo judicial demorado que pode transferir renda significativa aos atletas e solapar alguns dos planos grandiosos de White.

“Ele adora que as pessoas lhe digam na cara que não pode fazer alguma coisa, não há como sair por cima de uma determinada situação, não há jeito”, disse Mark Shapiro, presidente da Endeavor, sobre White. “Isso só serve para abastecê-los de energia, é como óleo diesel correndo em suas veias."

White se recusou a falar ao The New York Times para este artigo.

No começo, depois que White persuadiu os irmãos Fertitta a adquirir o UFC e colocá-lo na presidência, havia dezenas de rivais. Muitos governos estaduais e nacionais consideravam o UFC como excessivamente violento e se recusavam a aprovar a realização de lutas, e as redes de televisão também esnobavam os torneios.

Havia organizações concorrentes de MMA, com lutadores e administradores que viam White como cobiçoso, e uma mídia que celebrava o boxe como uma arte mas desdenhava o esporte de White, vendo-o como uma forma tosca de briga de rua.

Dana White, chefe do UFC - Gus Ruelas/Reuters

White é fã do boxe e antes de descobrir o MMA dava aulas da modalidade em Boston e Las Vegas. Mas quando assumiu o controle do UFC, ele buscou inspiração não no boxe, mas no mundo da luta livre.

Os boxeadores têm mais poder para ditar termos financeiros do que os lutadores de MMA, em grande parte por conta da Lei Muhammad Ali de Reforma do Boxe, adotada em 2000. A Lei Ali requer que os organizadores de lutas divulguem informações financeiras e proíbe contratos de longa duração que tendem a resultar em remuneração baixa para os astros emergentes.

O UFC em geral assina contratos longos com seus lutadores –sob os quais eles só recebem pagamento quando estiverem competindo– e os termos dos acordos ditam quando, onde e contra quem eles lutarão. A companhia contratou empresas de lobby em Washington a fim de lutar contra qualquer extensão da Lei Ali ao MMA.

Uma das grandes contradições do UFC é que, antes de White se tornar presidente, ele trabalhava como empresário de lutadores e certa vez tirou um de seus comandados, Tito Ortiz, de um torneio, exatamente o tipo de insubordinação que lhe causa acessos de raiva hoje em dia.

“Dana White, o organizador de lutas, diria que Dana White, o empresário, é um calhorda”, afirma Josh Gross, jornalista que cobre MMA para a revista The Athletic e cujas reportagens irritaram tanto a organização que ele não tem credenciais para cobrir os eventos do UFC há 15 anos, algo que seria quase impensável nos outros grandes esportes dos Estados Unidos.

White, que detinha 9% das ações do UFC quando de sua venda em 2016, faturou mais de US$ 300 milhões com o negócio. A mansão em Las Vegas na qual vive com sua mulher e filhos tem uma quadra de basquete, uma academia pessoal de ginástica, uma sala de fliperama e uma enorme piscina externa.

Quatro anos depois de receber recompensas pessoais dignas das melhores bolsas já conquistadas por um boxeador profissional, por que ele continua a trabalhar 14 horas por dia, vasculhando o planeta em busca de locais para lutas, em lugar de repousar na piscina?

“Porque é assim que ele é”, disse Shapiro. “Não sabe fazer qualquer outra coisa. Não ficaria satisfeito, não ficaria contente, se não estivesse organizando e promovendo lutas."

Sob o comando da Endeavor, o crescimento do UFC vem sendo alimentado mais claramente pelo contrato de televisão de longo prazo entre a organização e a ESPN, assinado em 2018.

A ESPN paga US$ 300 milhões anuais ao UFC para transmitir 30 eventos em seus canais de TV a cabo e serviço de streaming. A ESPN também pagou uma quantia não revelada para vender 10 eventos de pay-per-view, como o UFC 249, a cada ano.

Embora tenham colocado o UFC em patamar financeiro mais elevado em cada um de seus eventos, a Endeavor e a ESPN também representam desafios substanciais para a organização. Antes da pandemia, a Endeavor tinha US$ 4,6 bilhões em dívidas. A oferta pública inicial de ações que ela tinha planejado para o ano passado foi cancelada.

Construída primariamente em torno de eventos esportivos, de entretenimento e moda ao vivo, a Endeavor demitiu, licenciou sem remuneração ou reduziu os salários de um terço de seus 7.500 mil empregados em todo o mundo, nos últimos 30 dias, e cancelou um pagamento de dividendos do UFC no valor de US$ 300 milhões que tinha planejado. No entanto, nenhum empregado do UFC foi afetado pelas medidas, um ponto que White vem enfatizando.

O UFC 249 seria realizado originalmente em Nova York, antes que a pandemia causasse a suspensão dos eventos esportivos em todo o país. White criou um plano para realizar o evento em terras tribais na Califórnia, para contornar as ordens que proíbem a circulação de pessoas, mas o esforço fracassou depois que autoridades estaduais californianas contataram a Disney, controladora da ESPN, a fim de expressar sua preocupação. A ESPN então disse a White que não transmitiria as lutas, forçando-o a adiar o UFC 249.

Dirigentes do UFC e da Endeavor disseram que a determinação de realizar lutas durante a pandemia não se deve a pressões financeiras.

“Não estamos organizando lutas para satisfazer quaisquer contratos ou devido a qualquer situação financeira específica na Endeavor”, disse Shapiro, acrescentando que a Endeavor tinha dinheiro suficiente para manter em dia o pagamento de suas dívidas por todo este ano e mais além, bem como acesso a capital que lhe permitiria manter a solvência.

Tony Ferguson defende o cinturão diante de Justin Gaethje neste sábado - Jerry Lai - 8.jun.19/USA TODAY Sports

Ainda que as ordens de restrição de movimento estejam sendo rescindidas aos poucos em alguns estados, a maioria ainda não está autorizando eventos de entretenimento que envolvam o número de pessoas de que o UFC em geral precisa para organizar lutas. Mas em uma exceção incomum, os empregados de organizações esportivas são considerados trabalhadores essenciais na Flórida, e a comissão de boxe do estado aprovou as lutas do UFC.

No entanto, atender aos requisitos legais e de segurança que vigoram em um torneio típico é muito diferente de preparar os participantes para o combate a um vírus que se difunde via contato pessoal. E ainda que espectadores não devam ser admitidos nas lutas do sábado, o UFC se esforçou muito para informar o público sobre suas garantias à proteção contra o coronavírus dos 24 lutadores e do pessoal de produção necessário.

“Não precisamos que a disputa seja decidida pelo tribunal da opinião pública”, disse Shapiro. White se vangloriou de um documento de 30 páginas que delineia as precauções de saúde e segurança e foi apresentado às autoridades estaduais da Flórida, mas o documento não foi divulgado publicamente.

Pouco depois de o UFC cancelar seus planos para combates em terras indígenas, o principal executivo da maior rival da companhia disse estar surpreso por White se dispor assumir tamanhos riscos.

“No final das contas, se alguém adoecer, se alguém morrer em um evento realizado sob sua responsabilidade, será algo com que eles terão de viver”, disse Scott Coker, presidente da Bellator MMA, que cancelou todos os seus eventos marcados para maio e o começo de junho.

White disse que qualquer lutador que se sinta desconfortável não precisa competir durante a pandemia, mas que uma decisão nesse sentido teria consequências financeiras.

Os lutadores do UFC não recebem salários regulares. Só são pagos quando entram no octógono. E porque White controla quando eles competirão no futuro, bem como o valor das bonificações pagas pelos combates, os lutadores podem ter medo de colocar suas carreiras em risco caso não considerem seguro competir.

Ao longo dos anos, diversos lutadores, especialmente nos anos finais de suas carreiras, fizeram críticas pessoais a White. Mark Hunt, ex-lutador peso pesado que processou sem sucesso o UFC em uma disputa sobre uma bolsa de US$ 2,5 milhões, chamou White de “nanico ladrão”, em um vídeo no mês passado. White já foi acusado de intimidação pela ex-campeã do peso pena, Cristiane Justino, conhecida como Cyborg, e pelo ex-campeão de pesos pesados Brandan Schaub, que disse que White “motiva usando o medo”.

Seis anos atrás, alguns lutadores abriram um processo coletivo conta o UFC, que vem percorrendo lentamente o sistema judiciário federal americano. Os lutadores querem contratos mais curtos e uma proporção maior da receita do UFC, entre outras coisas.

Em uma audiência sobre o caso no ano passado, uma apresentação financeira da Endeavor foi incluída entre as provas e revelava que os potenciais investidores fazem perguntas frequentes sobre a remuneração dos lutadores, um custo que poderia disparar caso o UFC perca o processo.

Donald Trump aplaude discurso de Dana White em evento do Partido Republicano
Donald Trump aplaude discurso de Dana White em evento do Partido Republicano - Jim Watson - 20.fev.20/AFP

Poucos dias depois que o UFC foi vendido à Endeavor, White discursou na convenção nacional do Partido Republicano em apoio ao indicado do partido para a presidência, Donald Trump, uma decisão pela qual ele enfrentou oposição dentro de sua empresa.

“Eu disse que aquilo era uma má ideia e que não queríamos nos envolver em política”, disse Lawrence Epstein, vice-presidente de operações do UFC. “Queremos que todo mundo seja fã do UFC."

O primeiro evento do UFC na gestão de White foi realizado no Trump Taj Mahal, de Atlantic City, em 2001, quando o esporte ainda era proibido em muitos estados. White queria mostrar lealdade ao seu velho amigo, e pouco importavam as consequências. “Ele é um cara que vive de acordo com seu código pessoal”, disse Epstein.

Em novembro, o presidente Trump assistiu ao UFC 244 de um camarote imaculado no Madison Square Garden e entrou no ginásio acompanhado por White. Durante a pandemia, White faz parte do painel apontado por Trump para discutir como reaquecer a economia.

Um executivo esportivo que siga os moldes tradicionais das ligas de esportes profissionais dos Estados Unidos não teria discursado em uma convenção política ou forçado um parceiro televisivo à embaraçosa decisão de ameaçar cancelar a transmissão de um evento dias antes da data marcada para sua realização.

Dana White, para o bem e para o mal, não é um desses executivos. Nunca foi e nunca será.

Mas, na opinião das pessoas que importam, ele é o futuro do UFC.

“Inequivocamente, jamais teríamos comprado o UFC se Dana não tivesse concordado com antecedência em ficar no posto”, disse Shapiro. Ele não quis falar sobre a assinatura de uma extensão de contrato por White, que pode ter acontecido recentemente, mas disse que esperava que o executivo “continuasse a ser o presidente do UFC por muito tempo no futuro”.

Tradução de Paulo Migliacci

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