Descrição de chapéu The New York Times

Corredora que relatou abuso em projeto da Nike retoma sua carreira

Após se tornar voz importante do esporte, americana encontra novo patrocinador

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Talya Minsberg
The New York Times

Mary Cain não imaginava que se sentiria tão livre.

Em novembro, ela revelou a história de como se transformou da corredora mais veloz dos Estados Unidos em uma atleta física e emocionalmente debilitada, por obra do renomado treinador Alberto Salazar. Cain esperava que a história causasse algum agito dentro da comunidade dos corredores –com alguns efeitos positivos e alguns efeitos negativos.

Em lugar disso, ela causou uma intensa resposta mundial, que a impressionou. De repente, Cain tinha não só uma nova plataforma, mas também diversas oportunidades, ainda que seu desempenho nas competições mais recentes que havia disputado não bastasse para qualificá-la para os principais eventos mundiais de atletismo.

Mary Cain corre na sua vizinhança em New Suffolk, Nova York
Mary Cain corre na sua vizinhança em New Suffolk, Nova York - Karsten Moran/The New York Times

Colegas corredores revelaram histórias semelhantes, e alguns deles pediram desculpas por não terem reconhecido o que estava acontecendo com Cain bem diante de seus olhos. Ela se tornou uma voz importante em defesa da necessidade de corrigir os problemas do esporte feminino e conseguiu concluir com boa saúde sua primeira temporada completa de competições em quatro anos.

“O peso emocional que descarreguei permitia que eu simplesmente corresse, livre, e que me dedicasse totalmente a isso”, disse Cain, em entrevista por telefone de Long Island, Nova York, onde ela mora com o namorado e está treinando, desde o início da pandemia. “Eu quase consegui redescobrir a alegria de correr."

Cain agora está dando o próximo passo em sua carreira. Ela é a primeira de dois corredores profissionais, em companhia de Nick Willis, membro da equipe olímpica dos Estados Unidos, a correr com patrocínio da Tracksmith, uma companhia sediada em Boston e dedicada à corrida. A companhia está estudando uma nova forma de patrocínio, sob a qual os atletas profissionais são tratados como empregados de tempo integral.

Além de competir como atleta profissional tão logo seja seguro voltar a fazê-lo, Cain assumirá uma função como gerente comunitária da Tracksmith na cidade de Nova York, onde terá a tarefa de construir a presença da marca em uma cidade repleta de clubes de corrida.

Ao preencher os formulários de informações pessoais, durante seu processo de admissão na Tracksmith, Cain percebeu que aquela era a primeira vez que estava se descrevendo de uma maneira que não parecia unidimensional. Ela falou sobre seu orgulho de ser nova-iorquina; sobre seu cachorro, Nala; sobre seu apreço pela mitologia grega; sobre seu amor por escrever. E, é claro, sobre corrida.

É uma mudança dramática na maneira pela qual Cain se descrevia e pela qual ela foi percebida por muito tempo. Ela se classificou para as seletivas olímpicas aos 16 anos e se tornou a americana mais jovem a integrar a equipe de atletismo dos Estados Unidos em um campeonato mundial, aos 17.

Foi definida como um fenômeno adolescente, estrela em ascensão, talento único. Assinou com a Nike como corredora profissional ao concluir o segundo grau. Como descreveu em um vídeo para a seção de opinião do The New York Times, Cain em seguida sofreu “abusos emocionais e físicos praticados por um sistema criado por Alberto e endossado pela Nike”.

Salazar, que terminou excluído do atletismo por quatro anos, por violação das normas antidoping, nega ter praticado abusos contra Cain. Ele foi incluído na lista de suspensão temporária do Centro para o Esporte Seguro dos Estados Unidos, em janeiro, uma medida disciplinar que pode resultar em sua exclusão permanente do esporte.

O novo contrato de Cain é muito diferente do modelo tradicional adotado para os corredores profissionais, sob o qual a maioria dos atletas recebe pagamentos trimestrais e bonificações por participação em equipes nacionais e pela conquista de medalhas olímpicas e em campeonatos mundiais.

Mary Cain afirma que fez um forte desvio em seu caminho no esporte
Mary Cain afirma que fez um forte desvio em seu caminho no esporte - Karsten Moran/The New York Times

Eles precisam competir em um determinado número de eventos por ano, e em certos casos têm a obrigação de atingir tempos específicos. Caso tenham mau desempenho ou não consigam atingir certos marcos, seus salários podem ser reduzidos no ano seguinte.

Cain disse que já não se interessa por um sistema no qual você “é visto como um corpo e não como uma mente”.

Ela foi encorajada por outra atleta a buscar um patrocinador que permitisse que ela corra profissionalmente, mas ao mesmo tempo trabalhe de maneira criativa: a corredora olímpica e cineasta greco-americana Alexi Pappas. As duas se consideram colegas de equipe, a distância, e inspiram e encorajam uma à outra.

Pappas assinou com a Champion em 2018, dois anos depois de disputar a Olimpíada de 2016 como atleta patrocinada pela Nike.

“A maneira pela qual as pessoas consomem esporte mudou”, disse Pappas pelo telefone, de um campo de treinamento na Grécia. As pessoas não querem ver os atletas apenas nos blocos de partida e nas páginas de resultados, ela disse, e ter uma voz forte na mídia social pode elevar o valor de mercado de um atleta tanto quanto vitórias nas pistas.

Cain e Willis receberão salários a cada duas semanas, como os demais empregados da Tracksmith. Receberão os mesmos benefícios e participarão das mesmas reuniões via Zoom.

A companhia, que lida principalmente com atletas amadores, recentemente teve 138 atletas participando de uma seletiva olímpica para a maratona, todos usando um colete com sua marca. Matt Taylor, o presidente-executivo da Tracksmith, disse que, sim, Cain e Willis são atletas profissionais que competiriam com o logotipo da equipe em seus uniformes, mas que foram contratados por “adicionarem muito valor, além do de correrem rápido”.

A mentalidade da vitória a qualquer custo passou a ser esquadrinhada com mais atenção nos últimos anos. No mês passado, por exemplo, Maggie Haney, uma treinadora de elite na ginástica que foi acusada de abusos verbais contra suas comandadas e de maus tratos a atletas, foi suspensa do esporte por oito anos pela USA Gymnastics, depois de uma audiência disciplinar de uma semana de duração.

“Sinto que os atletas buscam criar esse caráter indestrutível”, disse Cain. “Mas a menos que você esteja fazendo algo escuso, ninguém ganha todo dia. Sempre vai haver fases ruins. Eu era uma pessoa que estava seguindo aquele caminho, e me sinto muito afortunada por ter conseguido fazer um desvio forte em outra direção."

Tradução de Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.