Empresas que buscam reforço ideal para clubes projetam alta na demanda

Serviços de estatísticas tentam reduzir riscos num mercado afetado pela pandemia

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São Paulo

“Quer testar?”, pergunta Salvador Carmona. Ele já fez esse exercício várias vezes, mas sempre com dirigentes de clubes, não com jornalistas. O objetivo é mostrar como funciona o sistema da Driblab, que analisa dados de jogadores de futebol.

No teste conduzido por Carmona, fundador da empresa espanhola, a missão é encontrar um possível substituto para Gabriel Barbosa, o Gabigol, no Flamengo.

Gabriel levanta a mão para pedir a a bola em ação pelo Flamengo contra o Barcelona do Equador, na Libertadores deste ano
Gabriel em ação pelo Flamengo contra o Barcelona do Equador, na Libertadores deste ano - Ricardo Moraes-11.mar.20/Reuters

O repórter escolhe as especificações: o novo atacante deve ter até 27 anos e jogar em ligas de América do Sul, América do Norte, China ou Portugal.

Carmona digita as informações em seu computador em Madri e cinco segundos depois surge com a resposta: “Nahuel Bustos, do Talleres, da Argentina”.

Ele oferece alternativas: Rafael Santos Borré, do River Plate (ARG); Nicolas Ibañez, do San Luis (MEX); e Carlos Vinicius, do Benfica (POR).

O resultado é baseado em análises comparativas com a produção do jogador a ser substituído. Número de partidas, gols marcados, passes, características de jogo, entre outras variáveis.

Apesar de o futebol ter ficado parado em boa parte do mundo nos últimos meses e voltar aos poucos em alguns centros, o responsável pela Driblab afirma que a paralisação provocada pela pandemia de Covid-19 fez com que a procura por seus serviços aumentasse.

As empresas não informam para quais ou quantos clubes prestam serviços. A Driblab abre exceção para dizer que, no Brasil, tem contrato com o Internacional-RS.

Sem revelar os números anteriores a esse período, Carmona afirma que atualmente recebe dez consultas por semana.

Segundo ele, o banco de dados possui 120 mil atletas em 180 competições ao redor do mundo. "Até na Copinha [Copa São Paulo de juniores]", diz.

“Por causa da pandemia, os clubes são obrigados a pensar no longo prazo. É uma oportunidade para montar estratégia e planejar os próximos três anos. No futebol, os clubes estão acostumados a pensar no próximo jogo”, afirma Omar Chaudhuri, chefe de inteligência da 21st Club, com sede em Londres, que também faz levantamento estatístico de jogadores e os armazena para montar sua base de dados.

Driblab, 21 st Club e StatsBomb, outra empresa do setor, afirmam que a demanda tem crescido. Uma hipótese é a de que vários dirigentes de clubes superaram uma resistência antiga ao uso de números para contratar jogadores.

Nahuel Bustos comemora gol pelo Talleres, da Argentina
Nahuel Bustos comemora gol pelo Talleres, da Argentina - @tallerescbaoficial no Instagram

Eles acreditam que a prevalência das estatísticas no futebol cresça e se aproxime do que é feito nos esportes americanos, em que os dados são fundamentais para decidir estratégias e reforços a longo prazo. Especialmente no beisebol, onde o antigo gerente-geral do Oakland A's (e hoje um dos donos) Billy Beane criou o conceito do Moneyball.

Trata-se da análise minuciosa e inovadora de números para encontrar jogadores que estão fora do radar das demais equipes e que têm potencial para crescer. O propósito era fazer com que o A's fossem competitivos mesmo com um orçamento menor que o dos rivais.

A observação ao vivo feita por olheiros e uma conversa pessoalmente para conhecer o atleta continuam sendo fundamentais porque oferecem componentes que não existem nas estatísticas. Mas num cenário em que isso ficou mais difícil, os números podem trazer informações valiosas.

A Driblab afirma que, apenas no período da temporada passada do futebol europeu (2018-2019), os times para os quais presta serviços na Espanha, Inglaterra, Itália e nos Estados Unidos movimentaram 568 milhões de euros (cerca de R$ 3,2 bilhões).

Agora, a expectativa é de uma queda abrupta nesse mercado. Com menos dinheiro e possibilidades de fazer contratações, as chances de errar também precisam ser menores. Ainda mais para clubes que não são ricos como os gigantes da Europa.

O serviço é feito sob medida para cada cliente de acordo com as necessidades: posições, características dos possíveis reforços e estilo de jogo que será usado.

“Os clubes passaram a ser mais proativos. Eles têm uma ideia do que fazemos, mas sempre explicamos nosso trabalho. Criamos modelos customizados para os times e para cada um montamos um algoritmo único. Eles nos dizem as necessidades e vamos atrás para atendê-las”, afirma Carmona.

Quando era estudante na Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, ele elaborou um modelo matemático para mostrar que vários jogadores da NBA tinham salários maiores do que a sua produção em quadra. Acabou contratado pela liga, onde trabalhou por oito meses no departamento de marketing e comunicação.

Os números precisam ser interpretados. O 21st Club, por exemplo, junta ligas de níveis semelhantes e compara os dados dos jogadores que nelas atuam. A partir daí, cria um algoritmo para descobrir como eles se sairiam em campeonatos nacionais considerados melhores. Chaudhuri diz que não pode explicar em detalhes, porque esse seria o pulo do gato da companhia.

“Identificamos os jogadores que podem fazer a transferência, e a meta é ter isso dentro de um contexto que ajude o nosso cliente. Digamos que foi identificado um meia no futebol dinamarquês e ele dá muitos passes. Isso é bom? É ruim? Vai ter o mesmo desempenho em outra liga? Essa é a chave”, afirma.

Às vezes, é preciso ser flexível. O teste de buscar um reforço semelhante a um atleta que está de saída não funciona sempre. O fundador da Driblab lembra de ter feito o exercício no computador para encontrar um substituto para David Silva, meia espanhol do Manchester City (ESP). O sistema encontrou apenas um nome com características parecidas: o português Bernardo Silva, da mesma equipe.

“É um jogador de característica muito particular. Esse é difícil de substituir”, conclui Carmona.

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