Futebol inspira torneio literário para preencher vazio de campeonatos

Contos de ficção, principalmente sobre a várzea, disputam preferência de leitores

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Porto Alegre

Los Andes, Real Frontera, Rampla Juniors e Boyacá Chicó são alguns dos 40 modestos times sul-americanos que disputam um campeonato de oito grupos, seguido de mata-mata e com final prevista para junho.

Mas as disputas não ocorrem dentro de campo. Com o vazio causado pela suspensão de competições por causa da pandemia de Covid-19, os torcedores são chamados para assumir o papel de leitores.

No 1º Torneio Mario Benedetti, o futebol é tema para ficção. Os escudos das equipes servem como pseudônimos dos autores dos contos literários que disputam uma vaga na final. Foram 246 textos inscritos e 40 selecionados.

“Escolhemos times pequenos para brincar com essa coisa de que eles não estão nos grandes torneios, na Libertadores, na Copa América, mas aqui são os protagonistas”, afirma Paulo Junior, editor do Puntero Izquierdo, site dedicado a “causos de cancha” e que promove o campeonato.

A escolha do escritor uruguaio Mario Benedetti (1920-2009) como patrono do torneio está relacionado com o próprio nome do Puntero Izquierdo. A expressão é título de um conto de Benedetti, publicado originalmente em 1954, que narra o dilema de um ponta esquerda em uma partida decisiva.

O escritor uruguaio Mario Benedetti em seu apartamento em Montevidéu
O escritor uruguaio Mario Benedetti em seu apartamento em Montevidéu - Andres Stapff - 5.fev.01/Reuters

O conto do uruguaio é dedicado a Real de Azúa (1916-1977), um intelectual do mesmo país, da chamada Geração de 45 e fanático por futebol. O clima de futebol de várzea do texto de Benedetti contagia o torneio literário.

“Ninguém está maravilhado por uma grande arena. Os textos procuram as histórias perpendiculares que cruzam o futebol, um momento fugaz. O interessante do material que recebemos é a abrangência. São contos de Uruguaiana, com um clima bem gaudério, ou de Belém, sobre Paysandu e Remo. Vieram textos de Montevidéu e até de Portugal”, conta Leo Lepri, editor do Puntero.

“Sinalizadores, rolos de papel, um cachorro retirado do campo e, finalmente, bola rolando para o Grupo A”.

Assim foi aberta a primeira fase da disputa. Entraram em ação no campo ficcional Vaca Diez, Brujas de Salamanca, Unión Maestranza, San Telmo e Atlético Grau. O vencedor do grupo foi o Vaca Diez, com 30,8% dos votos dos leitores.

Embora explorar o formato de ficção já fosse um plano dos editores, o isolamento social para evitar a proliferação da Covid-19 e a ausência de eventos esportivos impulsionaram o projeto, que pode se transformar em um torneio anual.

“Começou em uma quarentena para incentivar a escrita e leitura. É uma maneira de promover um gênero literário mais escanteado, principalmente no Brasil. Existe produção, mas muitas vezes é factual, biografias, livros sobre conquistas de títulos, algo que realmente aconteceu, enquanto a literatura ficcional é mais rara”, afirma Lepri.

“O gênero literário que se relaciona com futebol é muito marginalizado, desprezado. O Sérgio Rodrigues fala disso”, diz o editor, citando o autor de “O Drible” (2013) e colunista da Folha.

Entre os contemporâneos, Lepri destaca os argentinos Eduardo Sacheri e Hernán Casciari.

Sobre Aldyr Garcia Schlee, contista gaúcho nascido em Jaguarão, na fronteira entre Brasil e Uruguai, e criador da camiseta verde-amarela da seleção brasileira, ele define como "um gênio”.

O torcedor órfão de jogos ao vivo pode tanto ler as referências citadas quanto apreciar os contos e votar na competição. A disputa serve também para “exercitar o futebol na criatividade, na imaginação e na escrita”, conclui.

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