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Hacker que expôs clubes deixa prisão e quer ser visto como colaborador

Pandemia contribuiu para que português fosse para regime domiciliar

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São Paulo

Trancado em um pequeno apartamento de um quarto nos arredores de Lisboa, sem acesso à internet e vigiado a todo momento por policiais, Rui Pinto é uma das raras pessoas beneficiadas pela pandemia de coronavírus.

O surto o ajudou a se livrar do período de um ano na prisão da polícia judiciária da capital portuguesa, um centro de segurança máxima reservado para criminosos considerados de alta periculosidade.

Rui Pinto (ao centro) é escoltado por policiais ao chegar à corte de Justiça em Budapeste, na Hungria
Rui Pinto (ao centro) é escoltado por policiais ao chegar à corte de Justiça em Budapeste, na Hungria - Ferenc Isza-5.mar.19/AFP

Formado em história, Pinto é interessado em programação de computadores desde os nove anos, quando morava com os pais na Vila Nova de Gaia, um centro produtor do vinho do Porto. Foi de lá que ele abriu em 2015 o site que o tornaria conhecido e detestado por dirigentes e empresas de agenciamento de atletas: o Football Leaks.

Ao invadir computadores de clubes de futebol, presidentes, agentes e associações nacionais, Pinto extraiu milhões de documentos, depois publicados em seu site ou repassados à imprensa. Acusado de extorsão e roubo de informações confidenciais, ele foi preso na Hungria no ano passado e extraditado para Portugal, onde aguarda julgamento. Sua pena pode chegar a 30 anos de prisão.

No último dia 8, a juíza Claudia Pina, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, atendeu ao pedido da defesa do hacker e o colocou em prisão domiciliar. Foi instalado em um apartamento escolhido pela polícia judicial da cidade.

“[O acusado está] apresentando agora um sentido crítico e uma disponibilidade para colaborar com a Justiça. Neste momento, as fronteiras encontram-se sujeitas a elevados controles devido à pandemia, o que por si reduz o perigo de fuga”, escreveu a juíza no despacho.

“Surgiu também um incidente neste caso. O juiz a quem foi distribuído o processo foi apontado pela mídia como um fervoroso adepto do Benfica, que é considerado publicamente o principal prejudicado pelas revelações do Football Leaks. A defesa tem analisado a documentação publicada pela mídia e irá, a curto prazo, decidir o que vai fazer no processo”, disse à Folha o advogado português Francisco Teixeira da Mota, um dos encarregados da defesa e especialista em liberdade de expressão.

Pinto hackeou milhares de e-mails do Benfica, que passou a ser investigado pela Justiça do país por sonegação de impostos e evasão de divisas. Com o Braga aconteceu o mesmo, assim como com a Gestifute, empresa do agente Jorge Mendes, um dos mais poderosos do futebol mundial. As três investigações têm como base os documentos vazados pelo Football Leaks.

Com e-mails hackeados por Pinto, a revista Sábado publicou que o Porto e seu presidente, Jorge Nuno de Lima Pinto da Costa, eram alvo da Justiça do país por supostos crimes de fraude fiscal e lavagem de dinheiro referentes às transferências do goleiro espanhol Iker Casillas e dos colombianos Radamel Falcao e James Rodríguez.

Por causa das informações descobertas pelo hacker, seus advogados desejam que ele seja considerado um colaborador da Justiça (usam a expressão inglesa “whistleblower”), não um criminoso. Outro dos advogados dele é o francês William Bourdon, que também defendeu o americano Edward Snowden, famoso por tornar públicas informações dos sistemas de segurança dos Estados Unidos e que hoje está asilado na Rússia.

“Temos procurado desde o início fazer com que a atuação de Rui Pinto seja entendida no âmbito das revelações por ele efetuadas da prática de graves crimes, como os revelados pelo Football Leaks. Neste sentido, deve ser valorizada sua atuação como whistleblower”, defende Teixeira da Mota.

Otimista, Bourdon acredita que seu cliente será libertado em troca de sua contribuição com a Justiça portuguesa. “Creio que em setembro, quando ele se apresentar diante do juiz, já estará livre. Os ventos estão mudando em Portugal”, declarou.

Para a revista alemã Der Spiegel, Pinto enviou 70 milhões de documentos ou, em linguagem mais familiar a um hacker, 3.4 terabytes em arquivos.

O material obtido pelo português causou embaraço a Cristiano Ronaldo. O fisco espanhol usou o rastro deixado pelo Football Leaks para investigá-lo por sonegação. Isso fez o atacante, então no Real Madrid (ESP), ter de pagar 18,8 milhões de euros (R$ 113,5 milhões em valores atuais) de impostos atrasados.

O técnico José Mourinho também teve de fazer acordo com a Justiça espanhola por causa de impostos.

Documentos obtidos pelo Football Leaks estão por trás da suspensão por dois anos de competições europeias imposta ao Manchester City por não respeitar o fair play financeiro e mostrou como o atual presidente da Fifa, Gianni Infantino, então secretário da Uefa, teria agido nos bastidores para proteger o clube inglês e o Paris Saint-Germain de investigações.

Há desconfiança de que clubes portugueses e empresas como a Gestifute e a Doyen foram responsáveis por aumentar o número de acusações ao hacker. Eles foram adicionados pela Justiça como partes interessadas no processo. A Doyen acusa o português de tentar extorquir 500 mil euros (R$ 3 milhões) para não divulgar informações sobre a empresa.

Quando estava na Hungria e foi preso, Pinto era procurado internacionalmente por nove acusações. Após ser extraditado para Lisboa, o número subiu para 147.

“A acusação do Ministério Público, no fim do inquérito, ultrapassou largamente os fatos pelos quais Rui Pinto foi objeto de um mandado europeu de extradição. Existe uma queixa apresentada por ele nas instâncias europeias. As revelações do Football Leaks tornaram públicas diversas atuações criminosas, pondo em causa interesses, personalidades e empresas do mundo esportivo que tem procurado perseguir Rui Ponto das mais diversas formas”, afirma Teixeira.

Em depoimentos para autoridades fiscais da França, ele forneceu 70 milhões de documentos. A Der Spiegel chegou a dizer que seus acusadores têm medo do conteúdo de outros discos rígidos protegidos por senhas que só seriam conhecidas pelo próprio Rui Pinto. Investigadores da Bélgica e da Alemanha também desejam ouvi-lo.

Com a documentação hackeada por Rui Pinto também foram encontrados o que ficou conhecido como “Luanda Leaks”. Os papéis acusam Isabel dos Santos, filha do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos, de ter desviado US$ 3 bilhões (cerca de R$ 16,7 bilhões) do tesouro do país africano.

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