Centro da Covid-19 na Itália, Bérgamo se reencontra com a Atalanta

Time da cidade, que vivia seu melhor momento, entra em campo na volta da Série A

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São Paulo

“Finalmente casa”, escreveu Roberto Spagnolo, diretor esportivo da Atalanta, em sua conta no Instagram. A imagem a ilustrar o post era dos jogadores em treinamento no Azzurri D’Italia, estádio da equipe. Representava uma contagem regressiva para o clube e para a cidade de Bérgamo.

O time entra em campo neste domingo (21) para enfrentar o Sassuolo, às 14h30 (de Brasília), na retomada do Campeonato Italiano, paralisado em março por causa da pandemia da Covid-19. O primeiro jogo do reinício acontece neste sábado (20), quando o Torino recebe o Parma, no mes mo horário. As partidas do torneio não estão sendo exibidas no Brasil.

“O lado esportivo será o menor entre os desafios dessa retomada”, afirma o zagueiro brasileiro Rafael Tolói, revelado pelo Goiás e na Atalanta desde 2015. “Sabemos que ainda pode haver riscos, mas o clube e a federação estão nos dando suporte.”

A data e o horário do treino não foram divulgados para evitar que torcedores fossem ao estádio. A Atalanta é um dos símbolos de Bérgamo e motivo de orgulho da cidade nos últimos anos, quando começou uma fase que é a melhor da história da agremiação.

Por outro lado, nenhuma cidade italiana foi tão atingida pelo vírus. Testes realizados em maio por amostragem indicaram que mais da metade das 120 mil pessoas da população local têm anticorpos contra a Covid-19, o que significa terem sido infectados. O município tem 13.600 casos registrados até hoje e mais de 3.000 mortes, segundo os dados oficiais.

O Instituto Nacional de Estatísticas divulgou que o número de mortos em Bérgamo cresceu 568% em março e abril deste ano em comparação com a média de 2015 a 2019.

O brasileiro Rafael Tolói, da Atalanta, (à dir.) disputa bola com Benjamin Mendy, do Manchester City, em partida entre as duas equipes pela Champions League
O brasileiro Rafael Tolói, da Atalanta, (à dir.), disputa bola com Benjamin Mendy, do Manchester City, em partida entre as duas equipes pela Champions League - David Blusden - 22.out.19/Action Plus/DiaEsportivo/Folhapress

A cidade foi considerada a capital do coronavírus na Itália, um dos países mais afetados pela doença. A partida da Atalanta contra o Valencia, pela Champions League, realizada em Milão, em 19 de fevereiro, foi chamada pelo prefeito Giorgio Gori de “bomba biológica”, responsável pelo contágio de milhares de pessoas.

“Antes da viagem a Valencia [para o jogo de volta] ficamos dois dias concentrados no centro esportivo do clube, que fica próximo a um hospital. Foram duas noites que não consegui dormir direito porque o barulho de ambulâncias era constante. Quando voltamos da Espanha, Bérgamo era uma cidade no meio de uma guerra”, afirma o meia-atacante argentino Alejandro Papu Gómez, 32.

Em entrevista ao diário italiano La Gazzetta dello Sport, o técnico Gian Piero Gasperini disse ter sido contaminado pela Covid-19, mas agora está bem.

“Todos vamos adiante. Queremos entender de verdade o que aconteceu, porque aqui [Bérgamo] foi o centro do mal. Cada vez que penso nisso me parece absurdo. Nosso pico histórico de felicidade esportiva coincidiu com a maior dor da história da cidade. Hoje me sinto ainda mais bergamasco”, disse o treinador, usando a palavra para definir quem nasce em Bérgamo, na região da Lombardia. Gasperini é de Grugliasco, no Piemonte.

O histórico de felicidade esportiva citado por ele se justifica. A equipe, que jamais foi campeã nacional, ocupa a quarta posição na Série A. Pela primeira vez, disputa a Champions League e, depois de perder os três primeiros jogos na fase de grupos, venceu os três seguintes e se classificou para o mata-mata, algo que jamais havia acontecido na história do torneio.

Está nas quartas de final e seu adversário ainda será definido pela Uefa em sorteio. A competição será retomada no mês de agosto, em Lisboa.

“Temos de voltar a campo e apresentar o bom futebol de antes da paralisação. Tivemos uma preparação intensa, porque teremos uma sequência de jogos que não será fácil. Vamos nos cuidar e que consigamos eliminar esse vírus o quanto antes. Foi quando o futebol parou que deu para perceber a gravidade dessa pandemia”, completa Tolói, titular de Gasperini e peça-chave do time que está entre os oito melhores da Europa.

Mesmo com as arquibancadas vazias, o consenso entre Spagnolo, Tolói, Papu Gomez e Gasperini é que a Atalanta tem um papel a cumprir em Bérgamo. O time pode ajudar a cidade a esquecer os hospitais abarrotados, os contêineres refrigerados para guardar os corpos e as famílias que não puderam se despedir dos mortos.

“A Atalanta pode ajudar todos a recomeçar em Bérgamo. O elenco está conectado ao sofrimento das pessoas e vai levar isso a campo. É algo que vamos ter talvez mais na Champions do que na Série A, porque essa cidade merece uma alegria fora do comum”, conclui Gasperini.

Multidão vestida em azul e preta com cachecóis e cartazes
Torcedores da Atalanta no jogo da Champions League contra o Valencia, em Milão - Miguel Medina - 19.fev.20/AFP
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