Novo presidente do Cruzeiro diz que clube saiu da página policial

Sérgio Santos Rodrigues, 37, vê dificuldade de arrecadação como maior problema

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Belo Horizonte e São Paulo

Assumir um clube com uma dívida de R$ 803 milhões, rebaixado à Série B às vésperas do seu centenário, punido pela Fifa com perda de pontos, sob investigação policial e do Ministério Público, está longe dos sonhos de quem planejava chegar ao posto de presidente há mais de dez anos.

Ainda assim, o advogado e novo mandatário do Cruzeiro, Sérgio Santos Rodrigues, 37, disse em entrevista à Folha que só deixa de dormir por euforia para colocar em prática propostas que tinha guardadas havia muito tempo.

"Alguns colegas falavam que, com o futebol, tomavam tarja preta para dormir. Sou o contrário, não durmo de euforia pensando no que a gente pode fazer amanhã", afirma Rodrigues. "Chega sexta-feira, eu já penso que tem que chegar segunda logo."

Ele foi eleito no dia 21 de maio para completar o mandato de Wagner Pires de Sá, que renunciou ao cargo em dezembro. Terá sete meses na cadeira, mas já com a meta de reeleição no pleito em outubro.

Depois de nove anos trabalhando dentro do clube como assessor jurídico e diretor de futebol, em 2017 já havia disputado a presidência e perdeu para o próprio Sá. Agora, venceu com quase 80% dos votos diante de Ronaldo Granata.

Nas duas primeiras semanas de trabalho, Rodrigues precisou pagar dívida de quase R$ 11 milhões, referente à compra do atacante Willian, sob pena de a Fifa retirar mais seis pontos do time na Série B (os primeiros seis foram perdidos por falta de pagamento do empréstimo do volante Denílson), e rescindiu os contratos de Edílson e Robinho.

O Cruzeiro vive a pior crise da sua história. O que o fez querer a presidência neste momento? Trazer as soluções que a gente acha que são necessárias para construir um novo Cruzeiro. Acho que as poucas ações que a gente já fez demonstram que envereda para o caminho certo de austeridade, de profissionalismo, de ter a grande saída que a gente colocou aqui, que era transformar o marketing comercial, comunicação, inovação, digital, em um superdepartamento, que é o motor da grande organização que a gente quer fazer, que é muito maior que um clube de futebol.

É possível conseguir essas mudanças em sete meses? Não, mas existe a possibilidade da eleição de outubro.

O senhor irá se candidatar de novo, então? Com certeza. Nosso planejamento já era esse, para fazer uma coisa sólida, de um prazo, pelo menos, médio.

Qual o tamanho do estrago que a gestão passada deixou no clube? Sem precedentes, [em aspectos] financeiros e morais. Acho que, talvez, o que mais se aproxima ao que a gente viu, no futebol brasileiro, é o Internacional, no Rio Grande do Sul, que passou por isso, com prisão de dirigentes. Mas assim, à medida que a gente vai vendo aqui, o descaso com o trato do dinheiro dos nove milhões de torcedores cruzeirenses, eu nunca tinha visto nada igual.

O senhor é próximo do ex-presidente e ex-senador Zezé Perrella, que chegou a assumir um cargo na gestão passada e saiu de maneira conturbada. Qual é a sua relação com Perrella hoje? Ele terá algum papel na sua gestão? [Sou próximo] do Zezé, do Alvimar [Perrella, irmão do ex-senador], do César Masci, do Gilvan [de Pinho Tavares]. Nenhum [papel]. Com todos esses ex-presidentes tenho bom relacionamento, me apoiaram politicamente, mas na nossa gestão está muito clara o toque de profissionalismo e tecnicismo na escolha das funções.

O que é o mais preocupante, o endividamento de quase R$ 800 milhões ou a dificuldade de ampliar receitas na Série B? A dificuldade de receita, porque o endividamento, se você pegar todos os rankings, o Cruzeiro tem uma situação muito ruim, mas há outros times nessa situação de endividamento também. O grande problema é a característica da dívida e a capacidade de captar receita. Quando a gente cai numa Série B, tem uma expectativa. Se fosse uma série A, teríamos R$ 80 milhões de faturamento só com cota de TV.

Como recuperar receitas sem entrar em campo, diante da pandemia? Temos buscado formas diferentes de monetização, que acho que começam a dar resultado. A gente conseguiu ampliar parceria com um grande patrocinador do clube. Na quinta-feira (4), anunciamos um novo patrocinador [Enccamp]. Começamos a fazer as lives, para contar as novidades do Cruzeiro, e a live que fizemos na primeira semana deu 1,2 milhão de views. Se for comparar, o show do Skank, no Mineirão, estava com 1,4 milhão. O Canal do Cruzeiro já cresceu em 12 mil assinantes nesse período. A NBA é uma referência para nós. Eu estive conversando com o CEO da NBA em fevereiro, e me chamou muito a atenção uma coisa que ele me falou, quando perguntou “o que você acha que a NBA vende?”. Eu falei: "basquete". Ele falou: "não, a gente vende conteúdo, basquete é o menor dos nossos problemas". A gente está aqui para gerar conteúdo, distribuir conteúdo e monetizar em cima dele.

O Cruzeiro dispensou Edmilson e Robinho por questões financeiras. Como está montando o elenco em meio à crise? A gente estipula [salários de] R$ 150 mil, R$ 180 mil como teto. [Ano passado] tinha de R$ 1 milhão, R$ 1,5 milhão, fora comissão técnica.

Uma das suas primeiras ações foi pagar uma multa com a Fifa para evitar perder mais seis pontos na Série B. Quantos processos o Cruzeiro tem na Fifa e o qual o montante cobrado pelos clubes? O valor varia um pouco, porque são em euro ou dólar. Pelo último levantamento que a gente fez, se somar tudo em dólar, US$ 10 milhões [R$ 51 milhões] seria o montante total, que está dividido em diversos processos, com diversos credores, com diversas datas de vencimento. O processo da Fifa é bem peculiar. Não tem um julgamento e logo a data para pagar. Cada caso é um caso. Após o julgamento vem uma carta intimando para pagar, que pode ser de 30 a 90 dias.

Tem algum com vencimento próximo? Por enquanto, não. Se chegasse hoje, teria no mínimo 30 dias para resolver.

Rodrigues, aos 37 anos, assume presidência do Cruzeiro em uma crise sem precedentes - Bruno Haddad/Cruzeiro

O Cruzeiro obteve uma liminar e não foi excluído do Profut, o que tiraria do clube descontos com juros e multas. Qual a importância de se manter no programa? Total. Temos um relatório de uma empresa de investigação, mostrando tudo que aconteceu aqui, investigação do MP que apontou organização criminosa, lavagem de dinheiro, entre outros. Acho que a pandemia, todas essas situações demonstram que o Cruzeiro merece um tratamento de exceção. A análise do balanço de grande parte dos clubes da Série A vai mostrar que o cenário não é tão diferente, a situação do Cruzeiro ficou muito em voga por causa do que a diretoria aqui fez. Mas a nossa situação real não é muito diferente das do Vasco, do Fluminense, do Atlético-MG, do Botafogo.

Como recuperar a credibilidade do clube? Já conseguimos no dia 21 de maio, foi nossa eleição que fez isso mudar. O engajamento da torcida demonstra isso, porque já está claro que nossa gestão vai ser de austeridade. Saímos da página policial e voltamos para o esporte.

Ano que vem é o centenário do clube, o que vocês planejam? Conversamos sobre trazer algum time, alguma seleção master ou a italiana, para fazer um amistoso aqui. Já estamos falando com grandes cruzeirenses para a gente fazer uma grande celebração. Padre Fábio de Melo, Gusttavo Lima, Lô Borges, Milton Nascimento, Samuel Rosa, para a gente fazer uma grande evento no Mineirão que congregue jogos, shows, a parte cultural e gastronômica.

O time feminino completou um ano em 2020 e no ano passado subiu para a Série A. Quais os planos para elas? O plano é, na medida do possível, investir. É um projeto que gostamos muito e valorizarmos. Estamos buscando mais parceiros para ele também.

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