Descrição de chapéu Tóquio 2020

Por Paraolimpíada, judoca derruba o marido no corredor do prédio

Maria Núbea Lins, deficiente visual, conta com a ajuda do parceiro na pandemia

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São Paulo

Todos os dias, Maria Núbea Lins, 30, e o marido, Marcio Prada, arrastam o sofá do apartamento de 50 metros quadrados em que moram no Rio de Janeiro. O espaço é pequeno, mas eles conseguem improvisar um tatame.

Exercícios físicos e individuais não bastam para a atleta, que almeja participar em 2021 de sua primeira Paraolimpíada. Ela precisa praticar os golpes. A solução, então, é sair do apartamento, colocar parte do tatame no corredor do prédio e ignorar os olhares curiosos dos vizinhos.

"Eles [os vizinhos] até acham interessante. Nunca tinham visto isso", afirma Maria Núbea, que tem deficiência visual, à Folha.

Maria Núbea, atleta paraolímpica do judô, treina no corredor do prédio com o marido durante a pandemia
Maria Núbea, atleta paraolímpica do judô, treina no corredor do prédio com o marido durante a pandemia - Divulgação/Maria Núbea

Prada, que era seu personal trainer até o início da pandemia da Covid-19, teve de aprender a cair no meio do corredor.

"Meu marido normalmente não treina judô comigo. Eu treino com atletas de alto rendimento. Tivemos de criar uma oportunidade para continuar ativa", ela diz.

Maria Núbea é a 20ª colocada do ranking mundial até 52 kg. No começo do ano, seu planejamento era obter a vaga na Paraolimpíada em Tóquio em torneios que seriam realizados em Baku (no Azerbaijão) e Londres, mas ambos acabaram cancelados por causa do coronavírus.

Os Jogos no Japão foram adiados para 2021, e Maria Núbea ainda não sabe quando ou em que circunstâncias voltará a competir.

Com toxoplasmose congênita, ela não enxerga nada com o olho esquerdo e tem 10% da visão do direito. A ajuda do marido passou então a ser essencial.

Os treinos são filmados e enviados para o Instituto Reação e para os técnicos da seleção brasileira. Ela é atleta do instituto desde que começou no judô, há cinco anos. O Reação foi criado em 2003 por Flávio Canto, medalhista de bronze na Olimpíada de Atenas, em 2004, para promover o judô como ferramenta do desenvolvimento humano.

A judoca Rafaela Silva, medalhista de ouro nos Jogos do Rio-2016, foi formada no instituto.

O improviso nos treinos e a indefinição quanto às competições não incomodam Maria Núbea. "Na vida, a gente precisa saber se reinventar", afirma.

Foi o que fez aos 25 anos, quando decidiu abandonar a natação, esporte que iniciou aos 9 no Instituto Benjamin Constant, que oferece apoio a pessoas com deficiência visual. Mesmo considerada uma atleta de ponta nas piscinas, ela queria ser mãe.

Nicolas, seu filho, nasceu em 2014. Ainda nadadora à época, tentou conciliar a maternidade com as provas e treinos, mas em 2015 decidiu mudar de modalidade.

"Tive de começar do zero, faixa branca. Morria de medo de cair no chão. Não é fácil recomeçar assim", constata.

Quando ainda se adaptava à novidade e buscava se tornar uma atleta competitiva, Nicolas foi diagnosticado com autismo.

"Foi o momento em que o judô se tornou ainda mais importante na minha vida. Porque eu passei a lutar por mim e por ele, queria que sentisse orgulho de mim", relembra.

Maria Núbea derruba o marido no tatame improvisado no corredor do prédio onde moram
Maria Núbea derruba o marido no tatame improvisado no corredor do prédio onde moram - Divulgação/Maria Núbea

Ela começou na categoria até 60 kg. Foi campeã brasileira e pan-americana. Por questão estratégica e por acreditar que conseguiria melhores resultados, passou a lutar na faixa até 52 kg. Uma nova reinvenção, que a judoca espera que a leve à Paraolimpíada.

"Tudo na vida é motivação. Você precisa estar bem da cabeça e perceber que tudo isso [o isolamento social] é algo necessário. Deve estar preparado para tudo, porque o esporte é assim. Tem de estar pronto para perder, ganhar, ficar com a medalha de ouro ou sem nada. Faz parte. Sempre pensei assim. Então. treinar em casa, improvisar no corredor, são passos necessários no momento", constata.

Sua carga horário de treinos, que era superior a quatro horas, teve de ser reduzida a duas. Uma de manhã e outra à tarde. Está longe de ser o ideal. Ela espera pela possibilidade de as academias serem reabertas nas próximas duas semanas, embora reconheça não ser tão provável que isso ocorra, por causa do avanço da pandemia.

Existe uma preocupação com as competições internacionais, porque em alguns países, como o Azerbaijão, os judocas já voltaram a treinar normalmente. Já Maria Núbea continua se preparando para o retorno derrubando o marido no chão do corredor do prédio onde moram.

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