Descrição de chapéu The New York Times

Ação de estrela do basquete para soltar preso mostra força de atletas mulheres

Apesar disso, muitas vezes esforços de Maya Moore e outras não recebem a devida atenção

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Kurt Streeter
The New York Times

No auge da forma, Maya Moore sacrificou sua carreira, deixando de lado sua posição como uma das estrelas do basquete, para ajudar em um esforço improvável de libertação de um prisioneiro cuja condenação ela considerava injusta.

Isso lhe custou a oportunidade de um quinto título na WNBA, a impediu de buscar uma nova medalha de ouro olímpica e privou os torcedores do espetáculo de seus arremessos perfeitos.

Em uma decisão que chocou o mundo do esporte, Moore deixou o basquete –temporariamente, ela afirmou– no começo de 2019 a fim de lutar pela libertação de Jonathan Irons, um homem do Missouri que se declarava inocente, mas estava servindo uma sentença de 50 anos de prisão por assalto a mão armada.

Na quarta-feira (1º), o sacrifício de Moore deu resultado.

Irons, 40, foi libertado de uma penitenciária no Missouri depois de passar 23 anos encarcerado. Depois de um recurso cujos custos Moore ajudou a cobrir e ao qual ela expressou apoio público, a sentença de Irons foi derrubada.

Em uma cena de comemoração chorosa no portão de entrada da penitenciária de Jefferson City, Moore e sua família por fim puderam acolher um homem que terminou por se transformar em membro da família.

“Estou entusiasmada por as pessoas estarem compreendendo que mudança real só acontece quando você se dedica a alguma coisa”, disse Moore em uma entrevista coletiva na quinta-feira. “Todos nós deveríamos agir assim, todos deveríamos nos dedicar, se tivermos qualquer tipo de poder."

Atletas de diversos esportes aderiram aos apelos por justiça social e racial, especialmente à mais recente onda, causada por ações policiais que resultaram na morte de pessoas negras.

E as mulheres do esporte, como Moore, muitas vezes estão na vanguarda desses esforços, mas não recebem o mesmo destaque que os homens, que jogam em ligas com audiências de televisão maiores e tendem a receber cobertura muito mais intensa da mídia.

“A NBA e a NFL recebem mais atenção e elogios, mas a WNBA e as mulheres do esporte tendem a estar à frente de todo mundo mais”, disse Victoria Jackson, historiadora do esporte na Universidade Estadual do Arizona. “Veja o exemplo de Maya: ela essencialmente abandonou sua carreira no auge para se dedicar de corpo e alma a uma causa."

Jogadores como LeBron James conquistaram manchetes rapidamente ao declarar apoio a Hillary Clinton na eleição presidencial de 2016; pela criação de uma escola em Akron, Ohio; e por sua disposição de contra-atacar os sabichões da mídia conservadora que dizem que ele deveria se limitar ao esporte.

Colin Kaepernick, ao se ajoelhar durante a execução do hino dos Estados Unidos antes das partidas de futebol americano, criou uma imagem indelével e continuou a ser uma poderosa força na luta por mudanças mesmo que não tenha conseguido um novo contrato na NFL depois de 2016.

Mas o papel das mulheres do esporte no movimento, o que inclui a decisão de Moore de apoiar a causa de Irons e uma campanha pela reforma da Justiça, não atraem atenção tão constante do público e terminam por ser minimizadas. As razões são variadas e incluem raça, a estatura das mulheres em nossa sociedade e a forma pela qual o esporte feminino continua a ter de lutar por atenção no cenário esportivo.

“Parte do motivo para que as mulheres atletas que se pronunciam terminem facilmente ignoradas, para que não vejamos ou ouçamos o que elas estão fazendo, é que elas mal dispõem de um microfone aberto”, disse Amira Rose Davis, professora assistente na Universidade Estadual da Pensilvânia e especialista em questões de raça, esporte e gênero.

“É muito difícil colocar esportes femininos na TV” ou em outras mídias poderosas, acrescentou Davis. “Por isso na verdade não é surpresa, neste momento, que as mulheres atletas que lideram a luta por justiça terminem frequentemente desconsideradas. E isso é uma vergonha, porque essas atletas, especialmente as atletas negras, estão sempre entre as pessoas que agem de forma mais decidida, e se dispõem a fazer os maiores sacrifícios, abrindo mão das poucas migalhas que conquistaram na busca por igualdade e justiça”.

Maya Moore no banco de trás de um carro
Maya Moore a caminho de visita na prisão, em 2019 - Nina Robinson - 1º.mar.19/The New York Times

Em uma reportagem de capa publicada em 2017 pela revista Sports Illustrated, Moore, 31, foi definida como a maior vencedora na história do basquete feminino. Era uma referência à sua vasta coleção de títulos olímpicos e no basquete profissional, e antes disso na Universidade do Connecticut e em campeonatos escolares no segundo grau. Mas mesmo uma atleta de altíssimo desempenho como ela enfrenta dificuldades constantes para se fazer ouvir.

Pouco antes de sua temporada como caloura no time da Universidade do Connecticut, Moore foi apresentada a Irons por parentes que haviam se aproximado dele por meio de contatos religiosos na penitenciária. Ela e Irons formaram um laço de irmandade e, à medida que ela foi descobrindo mais detalhes sobre o caso dele, Moore decidiu que o ajudaria a provar sua inocência.

Ela anunciou publicamente sua decisão de se afastar do basquete a fim de ajudar a libertar Irons em um curto artigo publicado no boletim noticioso online The Players’ Tribune. Demorou alguns meses para que sua decisão repercutisse na mídia esportiva e entre os torcedores. Quando ela caminhava pelas ruas de Atlanta, a cidade em que decidiu morar, pouca gente a reconhecia.

A história dela não recebeu atenção nem próxima ao que teria acontecido caso um jogador homem de estatura semelhante em seu esporte decidisse fazer coisa parecida.

Maya Moore salta, estica uma das pernas e equilibra a bola em uma das mãos, observada por atleta canadense
Maya Moore salta em direção à cesta em jogo dos EUA na Olimpíada de Londres - Mike Segar - 7.ago.12/Reuters

Davis, da Universidade Estadual da Pensilvânia, disse que “quando as pessoas escrevem sobre LeBron ou os jogadores da NBA que fazem alguma coisa pela sociedade, e sabem que precisam incluir uma menção às mulheres, elas acrescentam ‘e temos também o trabalho de Maya Moore’. Em termos bem genéricos, sem considerar com profundidade o que ela está fazendo e o sacrifício que isso requer”.

Moore não se deixa abalar. Como a maioria das mulheres do esporte, ela está acostumada a lutar contra a desatenção.

Quatro anos atrás, depois que policiais mataram Philando Castile, em um subúrbio de Minneapolis, e Alton Sterling, em Baton Rouge, Louisiana, e depois que cinco policiais foram mortos por um atirador que mostrava sinais de doença mental, em Dallas, Moore e suas colegas de time no Minnesota Lynx se envolveram em um poderoso protesto.

No aquecimento pré-jogo, elas usavam camisetas com os nomes de Castile e Sterling, o distintivo da polícia de Dallas e os lemas “justiça e prestação de contas” e “vidas negras importam”.

A decisão se provou controversa –atraindo a ira da WNBA e levando quatro policiais de Minneapolis que faziam bicos como seguranças nos jogos do Lynx a deixar o trabalho–, mas não demorou a gerar imitações e a adesão de jogadoras de toda a liga.

Semanas mais tarde, Kaepernick começou a se ajoelhar durante a execução do hino nacional. Moore e suas colegas de time chegaram primeiro.

Tradução de Paulo Migliacci

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