Em ano de frustrações, jogadoras de basquete lutam contra invisibilidade

Fora da Olimpíada e sem campeonato, brasileiras tentam se manter relevantes

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São Paulo

O ano começou de maneira promissora para o basquete feminino brasileiro, que parecia ter um caminho razoável para os Jogos Olímpicos de Tóquio e vivia a expectativa de ver sua competição nacional transmitida na TV aberta.

Tudo isso ruiu rapidamente, e as jogadoras voltaram a se perceber invisíveis, um problema crônico por elas enfrentado.

Apesar dos elogios ao ainda breve trabalho do técnico José Neto na seleção, o percurso rumo a Tóquio foi interrompido em uma derrota para Porto Rico que não estava nos planos, em fevereiro, no torneio pré-olímpico.

No mês seguinte, a LBF (Liga de Basquete Feminino), que empolgava as atletas pela exibição na TV Cultura, foi paralisada após apenas três jogos –e posteriormente cancelada– pelo novo coronavírus.

O alvissareiro 2020 se tornou basicamente um ano perdido. E aquelas que lamentam a falta de atenção da mídia e dos patrocinadores desde a aposentadoria das craques Hortência e Paula, na virada do século, agora batalham para mostrar sua cara, para demonstrar que ainda existem –como têm feito pelas últimas duas décadas.

A experiente pivô Érika, 38, sabe bem o que é essa luta. Mesmo dona de uma carreira bastante vitoriosa, com múltiplos títulos brasileiros, quatro edições da Olimpíada e um troféu da WNBA (a liga feminina dos EUA) no currículo, ela relata dificuldades para obter patrocínio e observa uma diferença enorme de tratamento em relação aos homens do basquete.

“O que eu peço é visibilidade, tanto para o feminino quanto para o masculino. A gente tem o mesmo direito de ser olhada com mais carinho. O feminino está aí, batalhando há muito tempo, e ninguém olha para a gente com carinho, com os olhos que tem que olhar”, diz a carioca.

Ela levantou essa lebre em uma entrevista ao Estado de S. Paulo e ganhou eco entre companheiras e torcedoras.

Houve nas últimas semanas um movimento para que a Liga de Basquete Feminino ganhasse mais seguidores no Twitter. Eram menos de 6.000, contra 138 mil do NBB (Novo Basquete Brasil), a liga nacional masculina. O próprio perfil do NBB entrou na campanha, que fez o número de seguidores da LBF chegar a quase 14 mil.

Está longe do objetivo, mas o crescimento de mais de 100% foi comemorado. O próximo passo é convencer as empresas de que o basquete feminino vale a pena. A entrada da Gol no campeonato havia sido comemorada, com uma parceria que incluía as passagens aéreas das delegações, porém tudo voltou à estaca zero com o cancelamento da disputa.

“Foi correto cancelar a temporada. Claro que a gente queria jogar, mas estamos no pico de uma pandemia. Infelizmente, não aconteceu. Estamos unidas para ajudar o basquete feminino a evoluir, para fazer com que as empresas olhem nossa modalidade. Com talento e apoio, trazemos resultados”, afirma a armadora Débora Costa, 28.

Ela continuou recebendo seu salário do Sesi Araraquara, que está cumprindo os contratos com término previsto para agosto. Algumas equipes acertaram uma redução salarial com as atletas. Outras, ainda, interromperam os compromissos, já que o dinheiro parou de entrar, e honrar os acordos se tornou tarefa complicada.

Érika nem chegou a assinar com o Sampaio Corrêa, campeão da edição de 2019 da LBF. Ela vestiria a camisa do time maranhense em 2020 e acabou ficando sem o dinheiro que receberia pelo campeonato. Algo que não tem nela o efeito que tem em atletas sem o prestígio da multicampeã.

“Nesses meus 38 anos, graças a Deus, consegui fazer o meu pezinho de meia. Não estou sofrendo tanto quanto as meninas. Conheço todas e sei que muitas dependiam desse salário”, diz a pivô.

Érika (à dir.) tenta cercar australiana no torneio pré-olímpico que deixou o basquete feminino brasileiro fora dos Jogos de Tóquio - Guillaume Souvant - 9.fev.20/AFP

Não há, neste momento, uma cobrança das jogadoras direcionada à CBB (Confederação Brasileira de Basquete) –sob nova direção desde 2017, com apoio considerável dos atletas e das atletas da modalidade. A grande reivindicação mesmo é por visibilidade, por apoio no mundo empresarial e, francamente, por dinheiro.

“Quando há apoio, o resultado vem”, diz Karla Costa, 41, que acumula as funções de ala-armadora e gestora do Vera Cruz Campinas. “Quando se tem dinheiro, o céu o limite. A CBB e a Liga precisam continuar batalhando para trazer mais marcas, o basquete tem que estar unido nisso.”

Não é uma luta inédita. Se o cenário parece extremamente complicado, não é exatamente uma novidade para o basquete feminino brasileiro, habituado a lidar com as situações mais desconfortáveis.

“Está difícil, mas a gente sobrevive todo ano. Os clubes dependem de patrocínio para participar ou não de um campeonato. A Covid agravou a situação, mas é uma coisa pela qual a gente vem passando sempre. É uma batalha que se luta todo ano, realmente”, observa a ala Isabela Ramona, 26, que teve seu contrato rescindido pelo Sampaio Corrêa.

Isabela Ramona, do Sampaio Corrêa, em partida contra o Sesi Araraquara, pela Liga de Basquete Feminina (LBF), em 13/3/2020
A ala Isabela Ramona vê o basquete feminino brasileiro acostumado à luta pela sobrevivência - Matheus Marques - 13.mar.20/LBF

A briga é velha, como bem sabe Karla. Mas a disposição nessa luta, observa ela, é algo que se renova.

“Eu sou sempre otimista. Estive com Paula e Hortência, em um momento no qual as marcas valorizavam o basquete feminino. As gerações seguintes continuaram lutando para alcançar os melhores resultados. Às vezes, com mais recursos; às vezes, com menos. Mas sempre com muita entrega e amor.”

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