Universidade do Texas não abandonará canção com histórico racista

Música continuará como hino no campus, instituição anunciou na segunda (13)

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Maria Cramer
The New York Times

A Universidade do Texas, em Austin, anunciou que mudaria o nome de um edifício que homenageava um professor racista, erigiria uma estátua do primeiro jogador negro de futebol americano em sua equipe e encomendaria um monumento para celebrar os primeiros alunos negros a obterem seus diplomas lá.

O que não vai mudar? “The Eyes of Texas”, uma canção usada como hino no campus, cujas origens remontam aos “minstrel shows” [nos quais brancos se maquiavam ou comportavam caricatamente para imitar negros], e que os atletas das equipes da universidade desejavam ver abolida.

Os atletas da universidade apelaram aos dirigentes da instituição que procurassem uma canção “sem vestígios de racismo” para substituir o hino, cuja letra foi inspirada em parte pelas palavras do general confederado Robert Lee.

“‘The Eyes of Texas’, em sua forma atual, continuará a ser nosso hino”, disse Jay Hartzell, reitor interino da universidade, em comunicado divulgado na segunda-feira.

“Em minha opinião, podemos retomar e redefinir o que essa canção representa ao assumir e reconhecer sua história de uma maneira aberta e transparente”, ele acrescentou. “Juntos temos o poder de definir o que os Olhos do Texas esperam de nós, o que eles exigem de nós, e a que padrões eles agora nos submetem."

Substituir o hino era parte da longa lista de exigências que os atletas apresentaram. Eles disseram que, se elas não fossem atendidas, deixariam de ajudar a instituição a recrutar novos esportistas e não participariam mais de eventos para doadores.

Na segunda-feira, depois que o comunicado foi divulgado, muitos atletas se declararam gratos pelas medidas que a universidade decidiu tomar.

Caden Sterns, que joga na defesa do Longhorns, o time de futebol americano da universidade, agradeceu aos administradores via Twitter.

O running back Jamaal Charles (com a bola), do Texas Longhorns, equipe de futebol americano da University of Texas
O running back Jamaal Charles (com a bola), do Texas Longhorns, equipe de futebol americano da University of Texas - Al Messerschmidt-15.set.07/AFP

“Ótimo dia para ser um Longhorn”, ele escreveu, acrescentando: “Vamos promover mais mudanças positivas no campus”.

“Esses foram passos iniciais excelentes”, escreveu Asjia O’Neal, que joga pela equipe de vôlei da universidade, acrescentando que se sentia “orgulhosa por fazer parte dessa mudança”.

As origens de “The Eyes of Texas” remontam a Lee, e a canção costumava ser cantada em “minstrel shows” no começo do século 20.

A conexão de Lee com a canção remonta a William Prather, reitor da Universidade do Texas de 1899 a 1905. Na década de 1860, Prather era aluno do Washington College, em Lexinton, Virgínia, quando Lee era o reitor da instituição.

Lee sempre concluía suas declarações aos alunos e professores da instituição dizendo que “os olhos do sul estão voltados para vocês”, de acordo com historiadores.

Quando Prather se tornou reitor da Universidade do Texas, ele invocou a frase e a alterou para “os olhos do Texas estão voltados para vocês”.

Estudantes escreveram uma letra satírica contendo a expressão e passaram a cantá-la sobre a melodia de “I’ve Been Working on the Railroad”.

Um quarteto de cantores da universidade interpretou a canção em público pela primeira vez por volta de 1903, em um “minstrel show” na Hancock Opera House de Austin. Até onde se sabe, os cantores brancos estavam maquiados para caricaturar os negros.

Edmund Gordon, professor no departamento de estudos africanos e da diáspora africana da Universidade do Texas, que estudou e documentou a história racial do campus, disse apoiar a decisão de manter a canção, como parte da missão da universidade de “fomentar o ensino, o aprendizado e a pesquisa em benefício de mudanças positivas em nossa sociedade”.

Ele acrescentou que manter a canção e explicar suas origens servia como “um constante lembrete à nossa comunidade de que nosso passado teve aspectos problemáticos e que podem continuar a impactar o presente”.

No mês passado, os atletas da universidade apelaram ao departamento de esportes que tomasse medidas que incluiriam a criação de uma exposição permanente sobre a história dos atletas negros da instituição em seu Hall da Fama; a doação de parte da receita anual do departamento de atletismo a organizações negras, entre as quais o grupo Black Lives Matter; e a mudança de nome de alguns edifícios do campus, entre os quais um que homenageava Robert Lee Moore, um professor de matemática que se recusava a admitir estudantes negros em suas aulas mesmo depois que a universidade pôs fim à segregação racial.

A universidade acatou este último pedido, e o edifício agora se chamará Physics, Math and Astronomy Building.

A direção da universidade acrescentou que “ofereceria explicações históricas, no edifício, sobre os motivos para que antigos líderes da universidade tenham escolhido batizar o local em homenagem ao professor Moore”.

Dirigentes da universidade informaram que erigiriam uma estátua de Julius Whittier, que se tornou jogador do Longhorns em 1970, como o primeiro atleta negro da equipe, no Darrell K. Royal-Texas Memorial Stadium.

O Joe Jamail Field, que foi batizado em homenagem a um bilionário texano, mudará de nome para honrar dois jogadores negros de futebol americano, Earl Campbell e Ricky Williams, antigos integrantes do Longhorn e ganhadores do Heisman Trophy, que premia o melhor jogador de futebol americano universitário a cada temporada. A mudança foi sugerida pela família de Jamail, de acordo com a universidade.

A universidade também anunciou que usaria parte da receita do departamento de esportes para investir em programas de recrutamento de estudantes negros e de outros grupos com representação baixa em suas fileiras, nas áreas de Dallas, Houston e San Antonio.

A universidade votou por adotar um plano para recrutar e reter professores “que tragam mais diversidade às nossas missões de pesquisa e ensino”, e por expandir uma comissão que supervisiona a força policial do campus a fim de incluir mais representantes da comunidade e “uma gama maior de estudantes”.

Tradução de Paulo Migliacci

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