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Djokovic fala em 'caça às bruxas' após torneio que virou foco de coronavírus

Número 1 do tênis volta a jogar nos EUA após meses de controvérsias na pandemia

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Christopher Clarey
The New York Times

Com as negociações e o voo através do Atlântico concluídos, Novak Djokovic estava sentado no sofá de uma das concessões que ele batalhou muito para obter, nesta semana: uma espaçosa casa alugada perto de Nova York, aninhada entre as árvores e distante da balbúrdia.

Djokovic havia acabado de colocar a camisa, depois de tomar sol no terraço.

“Com as árvores e a serenidade, estar em um ambiente assim é uma benção”, ele disse em uma conversa via Zoom. “E fico grato, porque vi o hotel em que a maioria dos jogadores está hospedada. Não quero parecer arrogante ou algo assim, e sei que a USTA fez o melhor que podia para fornecer acomodações e organizar tudo, organizar essas bolhas para que os jogadores pudessem vir e competir, mas é difícil para a maioria dos jogadores não poder abrir as janelas e ficar em um quarto pequeno de hotel."

Foi uma estrada acidentada e tortuosa, organizar o US Open em meio à pandemia do coronavírus. As demandas e queixas de Djokovic –públicas e privadas– não facilitaram as coisas para a Associação de Tênis dos Estados Unidos (USTA, na sigla em inglês) na montagem do torneio.

Djokovic prepara um saque
Djokovic treina no complexo do US Open - Mike Lawrence/USTA

Mas diferentemente de muitos dos demais jogadores internacionais importantes, como Rafael Nadal e Roger Federer, Djokovic veio, depois dessa parada longa e inesperada no tênis profissional.

Ele continua a liderar o ranking, e seu retrospecto em 2020 é de perfeitas 18 vitórias e zero derrota, a mesma situação em que ele estava quando o hiato causado pela pandemia começou, em março.

Mas ele não conquistou grandes vitórias durante a temporada de repouso forçada. Gerou preocupação e controvérsia ao questionar a vacinação e afirmar que a água pode ser afetada pelas emoções humanas.

E prejudicou sua credibilidade e sua marca ao organizar o Adria Tour, uma série de partidas de exibição na Sérvia e Croácia, em junho, que falhou seriamente em manter o distanciamento social e o decoro e acabou se tornando um foco de casos de coronavírus.

O tour foi cancelado antes do final, e diversos dos principais jogadores participantes e dos membros das equipes de apoio foram apanhados em exames como infectados pelo coronavírus.

Djokovic e sua mulher, Jelena, estavam entre os contaminados, e eles passaram duas semanas isolados com seus dois filhos pequenos em Belgrado, a cidade natal do casal.

“Tentamos fazer alguma coisa com boas intenções”, disse Djokovic sobre a tour. “Sim, houve algumas coisas que poderíamos ter feito diferente, claro, mas será que vão me culpar pelo resto da vida por ter cometido um erro? Quero dizer, tudo bem se for assim, aceitarei, porque é a única coisa que posso fazer. Se é justo ou não, você é quem diz, mas sei que as intenções eram certas e corretas, e eu se tivesse uma chance de fazer a Adria Tour de novo, eu a faria."

Djokovic mostrou emoções fortes e contraditórias na entrevista desta semana, contrito em alguns momentos e desafiador em outros, e disse ter empregado a longa pausa a fim de aprofundar suas conexões com sua família e sua compreensão de questões como a ecologia e a saúde.

“Creio que essa seja uma grande fase de transformação para todos nós no planeta. E talvez seja até o último alerta”, ele disse.

Djokovic disse que seus sintomas de coronavírus foram amenos, durando quatro ou cinco dias. Afirmou que não teve febre, mas sentiu fadiga e alguma perda de olfato e de paladar, assim como uma baixa de sua energia, ao voltar inicialmente aos treinos.

Mas com a preocupação crescente que existe sobre os efeitos do vírus em longo prazo, Djokovic, que favorece uma dieta de base vegetal e curas naturais quando possível, disse estar se monitorando atentamente em busca de efeitos de longo prazo.

“Eu passei por uma tomografia do peito e tudo bem, está tudo claro. Fiz diversos exames desde o exame que deu negativo para o coronavírus, e antes de vir para Nova York”, ele disse. “Fiz exames de sangue, exames de urina, exames de fezes, tudo que pude. De qualquer forma, eu estaria fazendo tudo isso por prevenção, mas agora mais que nunca, porque não sabemos com o que estamos realmente lidando."

Djokovic, viajando sem sua família, chegou a Nova York no sábado, para “me aclimatar” às restrições incomuns adotadas para o torneio, e “só para poder estar bem quando chegar a hora de colocar a bola em jogo."

Ele jogará primeiro no Western & Southern Open, um torneio masculino e feminino combinado que foi transferido de seu local usual, em Cincinnati, para as quadras do US Open, a fim de criar uma bolha que abarca dois torneios.

Ele jogará nos torneios de simples e duplas, em parceria com seu compatriota sérvio Filip Krajinovic. A primeira partida dele acontecerá no domingo ou na segunda-feira.

Os dois torneios serão jogados sem espectadores no Centro Nacional Billie Jean King de Tênis da USTA, em Queens, e os jogadores e suas equipes de apoio terão de passar por exames regulares e estão proibidos de circular fora de suas áreas de alojamento e do local do torneio sem autorização expressa dos dirigentes do US Open.

“Eu fiquei bem perto de não vir”, disse Djokovic, que disse ter decidido vir a Nova York menos de uma semana antes de sua chegada, e apenas depois que os jogadores receberam garantias dos governos europeus de que não teriam de fazer quarentena quando voltassem à Europa depois do torneio.

“Havia muitas incertezas”, ele disse. “E continuam a existir, sim, muitas coisas que não estão realmente claras."

Ele prosseguiu: “Quero jogar. É por isso que estou aqui. Não tenho medo de me colocar, pessoalmente, em uma situação de saúde arriscada ou perigosa, por mim mesmo. Se eu tivesse, o mais provável é que não estivesse aqui. Sou cauteloso, claro, e tenho de ser responsável e, é claro, respeitar as regras, regulamentos e restrições, como todo mundo. Mas as coisas são imprevisíveis. Qualquer coisa pode acontecer, na quadra de tênis ou fora dela."

Djokovic disse que sua experiência pessoal com o coronavírus não havia mudado sua posição sobre as vacinas. Ele já disse que teria uma difícil decisão a tomar caso uma vacina contra o coronavírus um dia venha a se tornar mandatória para quem deseje competir no circuito.

“Vejo que a mídia internacional tirou a coisa do contexto um pouquinho, dizendo que sou completamente contra vacinas de qualquer tipo”, ele disse. “Minha questão aqui com relação a vacinas é alguém me forçar a colocar alguma coisa no meu corpo. Isso eu não quero. Para mim, é inaceitável. Não sou contra as vacinas de qualquer tipo, por que quem sou eu para falar sobre vacinas quando existem pessoas que trabalham no campo da medicina e estão salvando vidas no mundo todo? Estou certo de que existem vacinas com efeitos colaterais moderados que ajudaram pessoas e ajudaram a deter a difusão de algumas infecções pelo planeta."

Mas Djokovic expressou preocupação com as potenciais questões geradas por uma vacina contra o coronavírus. “Como é que esperamos que isso resolva o problema se, pelo que estou lendo, o coronavírus está passando por mutações regularmente?".

Djokovic disse que a liderança da USTA inicialmente estava relutante em permitir que jogadores ficassem em casas alugadas durante o US Open. Eles acabaram cedendo, mas impuseram restrições severas. Djokovic tem de pagar não só o aluguel, mas um sistema de segurança fiscalizado e aprovado pela USTA, em parte para ajudar a aplicar os mesmos protocolos a que os demais jogadores estão sujeitos.

“Não é questão de simplesmente prometer respeito às normas. É superimportante que eu tenha feito esse investimento, porque vai fazer que eu me sinta melhor”, disse o tenista. “Vou me recuperar melhor e posso passar algum tempo ao ar livre, quando não estiver nos locais de jogo."

Ele veio acompanhado pelo máximo de três pessoas que a organização permite, mais uma concessão que Djokovic obteve da USTA, que originalmente planejava restringir os tenistas a virem acompanhados por um assistente apenas. Um dos companheiros de Djokovic é Goran Ivanisevic, que ganhou um torneio de Wimbledon e é um de seus treinadores. Ele também contraiu o coronavírus durante a Adria Tour, como aconteceu com outros jogadores e treinadores.

Para quem assistiu de longe, o acontecido parece lógico, diante da falta completa de medidas de segurança. Torcedores puderam assistir aos jogos. Máscaras não eram obrigatórias, embora recomendadas. Os jogadores trocaram abraços, “high fives” e até dançaram juntos na pista apertada de uma casa noturna de Belgrado.

“Concordo em que as coisas deveriam ter sido feitas de outro jeito na casa noturna”, disse Djokovic. “Os patrocinadores organizaram aquilo. Convidaram os jogadores. Nós estávamos nos sentindo confortáveis. Todo mundo estava feliz e se divertindo."

Djokovic disse que o tour, organizado com a ideia de ajudar os jogadores profissionais da antiga Iugoslávia com classificações mais baixas no ranking, foi realizada com a cooperação de governos e federações de tênis nacionais. Na época, os números do coronavírus eram baixos na Sérvia e Croácia, com poucas restrições sociais em vigor.

“Fizemos tudo que nos pediram, e seguimos as regras desde o primeiro dia”, disse Djokovic.

Mas o tenista disse ter percebido logo que a visão sobre o evento era diferente, no exterior. “Quando alguém da Austrália ou dos Estados Unidos via o que estava acontecendo na Sérvia, perguntava se estávamos loucos, o que essas pessoas estão fazendo?”, disse Djokovic. “Eu compreendo, de verdade."

Também houve críticas ao tour na Croácia, ao papel da federação croata de tênis na organização do evento. Mas Djokovic, que, com sua mulher, fez doações consideráveis aos esforços de combate ao coronavírus na Sérvia e na Itália, sustenta que ainda assim valeu a pena organizar o tour, pelos fundos que ele gerou dentro da região.

“Não acho que eu tenha feito qualquer coisa de mau, para ser honesto”, ele disse. “Lamento pelas pessoas que foram infectadas. Mas me sinto culpado por qualquer pessoa que tenha sido infectada daquele ponto em diante, na Sérvia, Croácia e na região? É claro que não. É uma caça às bruxas, para ser honesto. Como se pode culpar um indivíduo por tudo?”.

Djokovic tem 33 anos, mas este será o primeiro dos 61 torneios de Grand Slam jogados em sua longa e ilustre carreira no qual seus maiores rivais –Nadal e Federer– estarão ambos ausentes.

Nadal, 34, o atual campeão do US Open, optou por priorizar a temporada em quadras de saibro que começará logo depois do Grand Slam, no calendário reconfigurado do tênis. Federer, 39, não planeja voltar a jogar em 2020, depois de passar por duas cirurgias nos joelhos este ano.

Em Nova York, os três grandes nomes do tênis masculino ficarão reduzidos a apenas um.

“É estranho, porque esses dois caras são as lendas de nosso esporte e, com ou sem torcida, sua falta será sentida, e muito”, disse Djokovic.

Mas ele insistiu em que a ausência deles e a de outros oito jogadores dos top 100 do ranking masculino, entre os quais Stan Wavrinka, campeão do torneio em 2016, não reduz a importância do evento, em sua opinião, porque uma “supermaioria” dos jogadores de ponta está presente.

Federer detém o recorde masculino, com 20 títulos de Grand Slam na categoria simples. Nadal tem 19 e Djokovic tem 17, e disse que sua busca pelo 18º era “evidentemente” um fator importante em sua decisão de atravessar o Atlântico.

“Uma das razões para que eu continue a jogar tênis profissional nesse nível é que quero chegar a novas alturas no mundo do tênis”, ele disse.

Djokovic afirmou que o recorde de Federer no Grand Slam e seu recorde de 310 semanas no topo do ranking masculino continuariam a ser suas metas. Djokovic passou 282 semanas no topo do ranking, e pode superar Federer em março.

Ele disse que se sente preparado depois da mais longa pausa em sua carreira, mas não tem certeza. E teria contemplado a possibilidade de disputar o US Open em sistema de melhor de três sets, em lugar de melhor de cinco.

“Talvez no futuro possamos ter esse diálogo. Porque circunstâncias como as atuais são muito incomuns."

A presença dele, por mais difícil que tenha sido garanti-la, é um grande estímulo para os torneios de Nova York. Ele já venceu três vezes o US Open e 5 dos últimos 7 títulos de Grand Slam. Se ele, assim como Nadal e Federer, também ficasse de fora, muita gente consideraria que o torneio perdeu o valor.

“Não posso dizer que esse é o principal motivo para eu estar aqui, mas é um deles”, disse Djokovic.

“Primeiro preciso pensar em mim, minha saúde e minha forma, e se minha equipe está bem aqui. Depois que isso está resolvido, então é claro que, como um dos líderes entre os jogadores, me sinto responsável por estar aqui. É importante que nosso esporte prossiga."

Tradução de Paulo Migliacci

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