Descrição de chapéu Tóquio 2020

Gravidez não é doença, a atleta pode planejar e aproveitar, diz Tandara

Jogadora de vôlei obteve decisão trabalhista favorável em processo contra ex-time

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São Paulo

Campeã olímpica nos Jogos de Londres-2012, Tandara Alves Caixeta, 31, também tem lugar na história do esporte brasileiro como a primeira atleta a vencer uma batalha jurídica sobre direitos trabalhistas durante a maternidade.

Em junho, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) determinou que o Praia Clube (time da cidade de Uberlândia-MG e uma das potências do vôlei nacional) indenizasse a jogadora por ter reduzido seus vencimentos em 99,5% durante a gestação. Não cabe recurso.

Tandara conta que descobriu a gravidez em janeiro de 2015 e defendeu o time mineiro até a conclusão da Superliga, em abril. Em maio, na renovação do vínculo, o Praia não lhe ofereceu o contrato de direito de imagem e propôs somente o de trabalho.

Este último, porém, garantia só 0,5% dos vencimentos até outubro daquele ano, quando ela se transferiu para o Minas. Teve decisão desfavorável inicialmente e recorreu até última instância.

“Desde o começo da ação, deixei claro que não foi por raiva ou por dinheiro, mas pelo direito. Foi uma vitória importante e fica de aprendizado”, diz Tandara em entrevista à Folha. “Atleta também pode ser mãe, não tem que abdicar de um para ter o outro.”

Maria Clara nasceu no dia 13 de setembro. No fim de outubro, a atleta estava de volta às quadras para começar a treinar. Ficou fora somente da temporada com a seleção brasileira naquele ano.

A Superliga de 2015/2016 começou no dia 9 de novembro e, depois de perder mais de 15 quilos, Tandara fez a sua estreia pelo Minas no dia 5 de dezembro.

A maternidade, avalia a oposto, contribuiu para evoluir o seu jogo. “Mostra para a gente mesmo que gravidez não é doença. A atleta pode planejar, se recuperar, aproveitar ao máximo."

De volta ao Osasco pela quarta vez na carreira, ela se mostra preocupada com a crise financeira que assola o vôlei brasileiro e vive a angústia causada pelo adiamento dos Jogos de Tóquio.

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Como tem sido a volta para o time de Osasco? A minha decisão foi pelo lado pessoal e, claro, profissional. Sempre fui muito bem tratada em Osasco, desde a comissão, faxineira, prefeito, o técnico que fez parte de toda a minha formação. Conheci o Luizomar [de Moura, treinador da equipe] com 14 anos, e trabalhar com ele pelo nono ano é bem importante. Volto mais amadurecida, tranquila, mais decidida e sabendo também que tenho minha família por trás. Eles estando bem, estarei também trabalhando com mais tranquilidade.

No ano passado, quando atuava pelo Sesc-RJ, você foi vaiada em Osasco, e o seu rosto foi reproduzido em imitação de notas de dinheiro. Isso a abateu? Foi supertranquilo. Eu achei de verdade que poderiam ser totalmente desrespeitosos comigo, e não foram. Faz parte do meu trabalho, encaro de um lado positivo que, se torceram contra ou não, vão ter que torcer hoje por mim, porque faço parte do clube.

Qual é o legado da decisão favorável que você obteve no Tribunal Superior do Trabalho? Foi um marco. Desde o começo da ação, deixei claro que não foi por raiva ou por dinheiro, mas pelo direito. Foi uma vitória importante e fica de aprendizado. Atleta também pode ser mãe, não tem que abdicar de um para ter o outro. Assim como toda a classe trabalhista, também temos esse direito. Precisamos de respaldo para exercer o nosso trabalho com mais segurança.

Como a gestação mudou a sua carreira de atleta? A minha gravidez foi totalmente tranquila, fiz tudo o que poderia ter feito. Aproveitei, comi o que não poderia, engordei. Meu retorno foi muito rápido, mostrou que, como atletas, temos poder de recuperação diferenciado. Tem claramente o aspecto da motivação pela Maria Clara, mas voltei mais forte e rápida, melhor fisicamente. Meu crescimento maior foi como pessoa, como mulher, aprendi a ser paciente. Mesmo cansada, queria colocá-la para dormir, e com pressa Maria Clara não dormia. Profissionalmente, acredito que voltei melhor. Mostra para a gente mesmo que gravidez não é doença. A atleta pode planejar, se recuperar, aproveitar ao máximo. Pego como lição para minha vida inteira.

Com a pandemia, a seleção brasileira ainda não se reuniu neste ano, nem para treinar. Isso pode prejudicar o grupo na Olimpíada de 2021? Hoje treino dentro do que posso para o meu clube, é bem complicado. A gente vê a maioria treinando, seleções como Rússia, Holanda, China, Turquia, até Estados Unidos em algum momento. As meninas têm conversado, querendo se cuidar o máximo possível para não se apresentar tão mal, porque a gente sabe que vem treinando há quatro anos para um objetivo, o de jogar Tóquio-2020. Agora não sabemos quando, realmente, vamos treinar juntas. Se terá Olímpiada no ano que vem, se tem também a possibilidade de ser adiada para 2022. O coronavírus está aí, vai se perpetuar um pouco ainda. A minha opinião é que não deve voltar tudo muito rápido, que volte com cuidado, porque é um esporte coletivo e, se uma atleta for infectada, todas estão propícias a pegar e a voltar à estaca zero.

Qual a sua opinião sobre o vôlei no Brasil? A crise que assola os times da Superliga há tempos se agravou com o coronavírus. Passamos por um momento de perder times com a saída de patrocinadores. A pandemia dificultou mais, e com a moeda desvalorizada atletas deixaram o Brasil. É uma pena, porque perdemos e muito com isso. Este ano, mesmo com quarentena, a CBV [Confederação Brasileira de Voleibol] de alguma maneira economizou com a suspensão [das competições], porque evitou gastos de viagem, hospedagem, não tem atletas para manter [no CT] em Saquarema. Ano que vem tem eleição para a presidência da CBV, acredito que tem que ter um ex-atleta como vice-presidente para pensar mais nos jogadores, tentando fazer o melhor para criar uma solução para o vôlei, para que ele não morra no Brasil.

O que achou do projeto do Flamengo com o Bernardinho. Há uma possibilidade de que ele vire uma superpotência? É uma união de forças. Juntou o Sesc que, infelizmente, teve baixa de folha salarial, e o Flamengo, brigando pelo seu espaço. Além disso, com o trabalho do Bernardinho, virão muito forte. Teremos que trabalhar muito mais.

O que você pensa sobre atletas virarem notícia por não participarem de protestos antirracistas ou de cunho político? O atleta, na condição de ídolo, contribui para a sociedade quando se manifesta? A sociedade hoje nos força, e temos que nos posicionar de alguma maneira, porém [quem cobra] não está preparada para uma opinião contrária. Se é contrária, é hostilizada, nos tratam como se estivéssemos incentivando o erro. Esquecem que por trás do atleta tem o ser humano. Hoje sou muito cobrada, nos forçam [a assumir posições] principalmente quando temos um público grande. Tenho 288 mil seguidores, e eles me cobram muito. Muitas vezes não fazemos pelo fato de a pessoa não aceitar o que a gente pensa.

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