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The New York Times tênis

Djokovic acumula tensões e só pode culpar a si mesmo por eliminação

Tenista ainda é uma obra em progresso, mas transforma em cinza muita coisa que toca

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Christopher Clarey
The New York Times

Pouco depois de chegar a Nova York, no mês passado, Novak Djokovic me disse que desejava genuinamente estar aqui para o US Open.

O cabeça de chave número um do torneio repetiu isso ao longo de sua estada, encerrada muito mais cedo do que esperava, no domingo, quando ele foi excluído da competição na quarta rodada por conduta antiesportiva, depois de jogar uma bola contra a parede do fundo da quadra em um momento de frustração e vê-la atingir na garganta uma fiscal de linha.

Não foi intencional, e não há dúvida sobre isso, mas também foi uma atitude irresponsável, que um superastro de 33 anos de idade muito acostumado a viver e a jogar sob um microscópio deveria ter aprendido a evitar muito tempo atrás.

Mas Djokovic, o elástico vencedor de 17 títulos de Grand Slam e um tenista que já provou ser o competidor mais determinado do tênis masculino quando joga sob pressão, continua a ser uma obra em progresso, capaz de charme, magnanimidade e reflexão profunda, mas também de transformar em cinza muita coisa que ele toca.

A despeito de suas tentativas sinceras de encontrar paz, criar uma união com a natureza e obedecer aos ditames de sua voz interior, Djokovic continua a ser seu pior inimigo, em muitas ocasiões. E mesmo que ele não deseje de verdade ser amado na mesma escala que seus rivais e modelos permanentes, Roger Federer e Rafael Nadal –e insiste em que não o deseja—, os últimos meses de sua vida foram complicados.

Djokovic vem tentando fazer muita coisa ao mesmo tempo: ele foi o presidente do conselho de jogadores da ATP (Associação dos Profissionais do Tênis) até o domingo anterior ao US Open, quando ele e o tenista canadense Vasek Pospisil lançaram uma nova associação de jogadores que a liderança da ATP encara com cautela e à qual Federer, Nadal e diversos outros dos principais jogadores optaram por não aderir por enquanto.

Na verdade, a despeito das afirmações de Djokovic, ele parecia ter sentimentos contraditórios sobre sua viagem de negócios aos Estados Unidos. Só decidiu vir no mês passado, depois de longas negociações com os organizadores do US Open sobre todos os aspectos de sua participação, de suas acomodações ao tamanho da equipe que poderia trazer, passando por um teste dos protocolos de quarentena.

Djokovic certamente não facilitou as coisas para os organizadores, mas pelo menos veio e então –em um momento típico de autossabotagem– não deu aos dirigentes outra escolha que não exclui-lo do torneio.

Ainda que os jornalistas esportivos (e todo mundo mais) façam bem em evitar a psicologia amadora, era fácil perceber o rompante inoportuno do domingo como um produto de toda a tensão acumulada fora das quadras.

Sentado em um sofá na casa que alugou para se hospedar durante o Western & Southern Open e o US Open, Djokovic gesticulou na direção de seu agente, Edoardo Artaldi.

Djokovic carrega seus pertences cabisbaixo
Novak Djokovic deixa a quadra após ser desclassificado do US Open - Al Bello - 6.set.20/AFP

“Eu sei que Edoardo às vezes preferiria que eu não falasse sobre certas coisas em público ou que talvez eu não lidasse tanto assim com a política do tênis”, disse Djokovic. “Mas o fato é que sei no fundo do coração que essa é a coisa certa a fazer, porque também me sinto responsável. E se sinto que tenho a oportunidade de compartilhar alguma coisa que poderia servir a alguém de maneira positiva, é isso que faço."

Djokovic disse as coisas certas, na noite de segunda-feira. Depois que a fiscal de linha que ele atingiu começou a receber agressões cruéis online, o tenista postou uma mensagem aos seus fãs no Twitter pedindo que eles “recordem que a fiscal de linha que foi atingida pela bola na noite de ontem também precisa de nosso apoio”, e que ela “não fez coisa alguma de errado”.

Pospisil e outros tenistas que trabalharam em estreito contato com Djokovic expressaram respeito por seu desejo de colocar sua reputação e energia a serviço de seus colegas.

Nas duas últimas temporadas, o tenista sérvio se envolveu em algumas importantes disputas de poder nos bastidores: ajudou a derrubar Chris Kermode, ex-presidente do conselho da ATP, em 2019, e expressou apoio a Justin Gimelstob, ex-tenista americano que era um membro importante do conselho e no ano passado se admitiu culpado de uma acusação de agressão e terminou por renunciar ao seu posto.

Agora vem a nova associação de jogadores, que Djokovic vê em parte como tentativa de ajudar tenistas em posições inferiores no ranking a elevar seu faturamento, em um esporte que tipicamente recompensa regiamente os astros, mas paga mal os atletas comuns.

Seus esforços de organização trabalhista podem terminar por lhe causar dificuldades, como a Adria Tour, outra iniciativa hipoteticamente idealista que ele organizou neste ano durante a pandemia do coronavírus e lhe causou problemas.

Nos cinco meses de paralisação do tênis profissional, Djokovic tentou ajudar os jogadores que enfrentavam complicações financeiras na região dos Bálcãs, e organizou uma série de partidas de exibição na Sérvia e Croácia, países em que o nível de contágio era baixo e as restrições eram poucas.

Os eventos foram encarados com desconfiança em todo o mundo, quando os jogadores foram vistos abraçados, dançando juntos e convivendo sem máscara com torcedores. As coisas deram seriamente errado quando Djokovic, sua mulher Jelena e diversos outros jogadores e membros de suas equipes terminaram contraindo o vírus. Um dos contagiados foi o croata Borna Coric, que está nas quartas de final do US Open.

“Em muitas ocasiões ele tem a intenção certa, mas não acerta o timing, como foi o caso da Adria Tour”, disse Daniela Hantuchova, tenista eslovaca que já esteve no top 5 do ranking feminino e conhece Djokovic desde seus primeiros anos no circuito. “Não existe problema em organizar um evento de partidas de exibição como esse, mas não quando o mundo inteiro para. O mesmo vale para as coisas da ATP. As coisas precisam certamente mudar, mas agora não é o momento."

Em termos de imagem pública, a carreira de Djokovic vem sendo uma montanha russa, se comparada aos percursos muito mais lineares de Federer e Nadal.

“Às vezes parece que a raiva dele escapa ao controle”, disse Hantuchova sobre Djokovic. “Eu gosto demais dele e respeito tudo que ele vem fazendo por nosso esporte, mas espero que aprenda a lição, mesmo que ela tenha vindo na pior hora possível, quando tudo que existia entre ele e o 18º título de Grand Slam era ele mesmo, com todo meu respeito aos demais jogadores."

Na segunda-feira, Djokovic foi multado em US$ 250 mil, o valor de sua bolsa, e mais US$ 10 mil por conduta antiesportiva e US$ 7,5 mil por não ter ido à entrevista coletiva pós-jogo, uma ninharia para um atleta que já faturou mais de US$ 140 milhões em prêmios durante a carreira.

O que machuca é a oportunidade perdida de reduzir a distância com relação a Federer, que lidera com 20 títulos de simples em torneios de Grand Slam, e Nadal, que tem 19 títulos.

Apesar de todo o talento e garra de Djokovic, o prazo que lhe resta para bater o recorde pode ser menor do que parece. A geração mais jovem está subindo, e um desses tenistas conquistará seu primeiro título de Grand Slam no domingo.

E como Djokovic sabe muito bem, ele só pode culpar a si mesmo.

Tradução de Paulo Migliacci

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