Descrição de chapéu The New York Times

Hotel mostra que 'bolha' de Roland Garros não é uma bolha

Repórter relata o que viu ao se hospedar no local onde também estão os tenistas

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Karen Crouse
Paris | The New York Times

O saguão estava quase vazio no hotel Pullman Paris Tour Eiffel quando a tenista americana Coco Gauff entrou apressada pela porta da frente, acompanhada por seus pais, no domingo (27), depois de sua vitória na primeira rodada de Roland Garros.

Eram quase 22h, o horário em que o restaurante do hotel, como todos os demais da cidade, tem de fechar, em cumprimento das restrições impostas por conta da alta no número de casos de coronavírus na França.

Situado na base da Torre Eiffel, perto do rio Sena, o hotel se tornou parte do que os organizadores do torneio definem como “bolha”, um termo que vem sendo adotado casualmente no mundo do esporte para definir o objetivo, muito difícil de atingir, de criar um ambiente controlado capaz de impedir a difusão do vírus.

Mas diferentemente do que aconteceu no US Open, outro torneio recente de Grand Slam, em Nova York, a biosfera do tênis em Paris também acolhe pessoas de fora do esporte —pessoas que não precisarão ser examinadas em busca do vírus ao chegar nem terão de passar por novos exames ou seguir qualquer dos protocolos do torneio durante sua estadia.

No Pullman, cerca de metade dos 430 quartos, cujas diárias começam em US$ 335, estão disponíveis para hóspedes como o piloto da American Airlines que dividiu ar e espaço com os jogadores antes de pilotar um Boeing 777 de volta para Dallas, na segunda-feira.

No final de semana, os hóspedes não relacionados ao torneio incluíram esta repórter, que ficou no hotel por uma noite para observar como funcionavam os protocolos adotados para proteger os jogadores.

O que descobri foi uma bagunça. Seguranças patrulham o saguão para impedir que o fluxo de pessoas se aproxime demais dos jogadores, e as áreas segregadas para refeições estavam demarcadas claramente, e bem protegidas. Mas bastava entrar nos elevadores apertados e a proteção desaparecia. Dividi elevadores com jogadores ao subir para e descer do meu quarto. Fiquei no mesmo andar em que o lounge dos tenistas havia sido instalado, e esbarrei em alguns visitantes não autorizados saindo depois do horário de fechamento.

Para as pessoas que comandam as organizações do tênis, golfe e outros esportes universitários e profissionais, os planos de proteção criados para satisfazer as as autoridades locais de saúde em muitos casos parecem bem diferentes quando colocados em prática.

“Não é uma bolha”, disse o americano Sam Querrey, que disse que um termo mais preciso seria “ambiente controlado”.

Para criar um casulo impermeável perfeito, ele acrescentou, seria preciso um grande resort, com tamanho suficiente para abrigar os jogadores, equipes de apoio, dirigentes do torneio e pessoal do hotel —todos aqueles que provavelmente estarão em contato com qualquer pessoa cujo ambiente de trabalho pelas duas próximas semanas seja Roland Garros.

“Por isso, na prática é impossível, creio, criar uma verdadeira bolha, uma bolha 100%, onde ninguém possa entrar ou sair”, disse Querrey depois de sua derrota na primeira rodada para Andrey Rublev.

Esse é certamente o caso aqui, onde a mistura entre jogadores cuja presença depende de passarem por múltiplos exames para detectar o vírus e membros potencialmente infectados da audiência em um ambiente muito propício ao contágio confere novo significado à expressão “noite livre no sábado”.

O domingo no Pullman parecia sereno, mas o tenista britânico mais bem classificado no ranking, Dan Evans, estava incomodado com o que viu no dia anterior, em uma das seções mais movimentadas da cidade.

“Havia muita gente em nosso hotel”, ele disse, depois de perder para Kei Nishikori em cinco sets na primeira rodada. “Para mim, não é algo que eu queira ver em uma situação como essa. Se não temos autorização para sair, então o público não deveria ter autorização para entrar no hotel."

Em lugar de consenso, os líderes do tênis têm agendas conflitantes. Porque Roland Garros é sua maior fonte de receita, a Federação Francesa de Tênis estava desesperada para realizar o evento, a fim de receber o pagamento pelos direitos televisivos e faturar pelo menos um pouco com a venda de ingressos.

Céu em tons de azul e rosa e quadras de saibro
Quadras de Roland Garros ao cair da noite em Paris - Martin Bureau/AFP

A federação negociou um acordo com o Pullman, e com um segundo hotel nas imediações, para hospedar os jogadores e suas equipes de apoio. Mas optou por não arcar com o custo de reservar todos os quartos desses hotéis, o que garantiria um perímetro selado.

Porque o Pullman vinha encontrando dificuldades para ocupar mais de 60 quartos por noite, desde sua reabertura em junho, a administração do hotel não teve escolha, disse um porta-voz do estabelecimento, senão continuar a aceitar reservas durante Roland Garros.

Para acomodar a todos, medidas adicionais, como a criação de áreas separadas para refeições, foram criadas a fim de separar os tenistas do demais hóspedes, do mesmo jeito que as roupas brancas são separadas das demais nas lavagens.

Não existe esse tipo de divisão entre os empregados do hotel, por exemplo a pessoa que estava trabalhando no turno da manhã no restaurante e atendendo a hóspedes que não estavam na bolha do tênis, um dia depois de ter servido Rafael Nadal na área reservada aos tenistas um piso abaixo.

Nadal, que está defendendo seu título de simples masculino, é uma presença vistosa no saguão, onde um telão de vídeo mostra os melhores lances das finais masculina e feminina do ano passado.

Entrar no saguão no momento em que o telão mostra Nadal cercado de torcedores em um espaço apertado na quadra Philippe Chatrier, com os adolescentes que recolhem bolas na quadra formando um corredor para que ele passe, é confrontar a realidade de como o torneio deste ano difere do normal.

“Não é fácil ficar preso na bolha”, disse o canadense Vasek Pospisil, acrescentando que “não há nem como conseguir ar fresco. Mas as coisas são o que são”.

Se Gauff estava faminta na noite de domingo, depois de sua vitória inesperada sobre Johanna Konta na primeira rodada, ela poderia ter se servido de um lanche na área de refeições exclusiva dos jogadores, mas não teria acesso a qualquer dos lugares populares que servem os crepes e croissants que alimentam seu amor por Paris, porque isso teria envolvido contato com as pessoas que estão fora da bolha.

As restrições fazem sentido em teoria, mas no momento em que jogadores interagem com hóspedes que não passaram por testes —ou, como no meu caso, que foram testados mas depois visitaram locais de possível contágio espalhados pela cidade—, a integridade do ambiente é comprometida.

Circunstâncias semelhantes prevalecem na organização de mídia do evento, porque os jogadores concedem entrevistas em cenários pequenos, a redes de TV que pagaram milhões para transmitir o torneio, mas não usam máscaras e nem respeitam o distanciamento social ao falar.

Os jogadores não são cegos. Eles percebem as brechas nas defesas da federação francesa contra o vírus. “Fico meio nervosa com a situação de segurança”, disse Victoria Azarenka, que já liderou o ranking do tênis feminino e conquistou dois títulos de Grand Slam.

Azarenka se hospedou em uma casa particular no US Open, e pagou para que a segurança monitorasse seus movimentos de forma a garantir que ela estava respeitando a quarentena, nos momentos em que não estava treinando ou jogando.

Serena Williams, outra antiga líder do ranking, fez o mesmo. Os planos de Williams para evitar a bagunça do hotel e ficar em um apartamento que ela tem em Paris foram vetados pelos dirigentes do torneio.

Outros jogadores que vivem em Paris também foram forçados a se hospedar em um dos hotéis se quisessem jogar.

Como o britânico Evans, Williams não via lógica em não permitir que jogadores saíssem da bolha e ao mesmo tempo permitir que pessoas que não passaram por exames entrassem nela, o que na prática estava acontecendo.

Ela pode não ter gostado da regra, mas a alternativa era ainda menos atraente: ficar de fora de um torneio de Grand Slam que ela venceu três vezes, quando ela está a um ano do seu 40º aniversário e a um título do recorde de 24 vitórias em simples de Grand Slam estabelecido por Margaret Court.

“Não posso abrir mão”, disse Williams, que acrescenta ter criado uma “bolha pessoal” e estar fazendo todo o possível para torná-la impenetrável. “Muito melhor do que ficar em casa”, ela disse.

A americana, porém, precisou desistir do torneio nesta quarta (30), antes da segunda rodada, por conta de uma lesão.

Tradução de Paulo Migliacci

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