Descrição de chapéu Futebol Internacional

Série do Tottenham funciona como guia para entender José Mourinho

Treinador português é o personagem que franquia da Amazon não teve em obras anteriores

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São Paulo

A demissão do argentino Mauricio Pochettino pelo Tottenham aconteceu em 21 de novembro de 2019. A temporada na Europa estava no quarto dos seus dez meses. Mas na série "All Or Nothing: Tottenham Hotspur", a queda do técnico é mostrada aos 22 minutos do primeiro dos nove episódios.

A rápida saída de cena de Pochettino serve para potencializar a imagem e o carisma do seu substituto. O português José Mourinho é tão protagonista da série sobre a temporada 2019/20 do time inglês que ela poderia levar o seu nome.

"Futebol é um trabalho especial, mas eu não gosto de chamar de trabalho. Pode parecer que não o amamos", disse o treinador durante as filmagens.

Ele colaborou tanto que fez o clube sondar com a Premier League sobre a possibilidade de usar um microfone no banco de reservas durante os jogos. O pedido foi negado.

"All or Nothing" (tudo ou nada, em inglês) se tornou uma franquia do serviço de streaming Amazon Prime. Já foram acompanhados os bastidores de cinco times da NFL (a liga profissional de futebol americano); de uma equipe futebol americano universitário; dos All Blacks, a seleção de rúgbi da Nova Zelândia; do Brasil na conquista da Copa América do ano passado; e do Manchester City, no título inglês de 2018.

Nenhuma das séries anteriores teve um personagem como José Mourinho.

Embora a proposta seja mostrar detalhes desconhecidos da campanha do time, há limites. Quase nada sobre tática é abordado. Talvez por isso o documentário com o Manchester City, que também foca o seu treinador, Pep Guardiola, tenha tão pouco a mostrar. O clube venceu o Campeonato Inglês com facilidade naquele ano. Sem abordar de forma minuciosa aspectos de posicionamento e movimentação durante as partidas, o espanhol pareceu ter pouco a dizer.

"Classe não se compra", afirmou Mourinho, então técnico do Manchester United, maior rival do City, indignado sobre aparecer como vilão, a imagem do antifutebol no "All or Nothing" de 2018.

Nem todos gostam da fórmula da Amazon. Jurgen Klopp, atual vencedor da Premier League com o Liverpool, disse que jamais permitiria câmeras para gravar a intimidade dos seus jogadores no vestiário e no centro de treinamento. Para ele, são locais sagrados.

Se Mourinho já pensou igual, isso ficou no passado. Os nove episódios são um guia do estilo do português e das tentativas de moldar o elenco à sua imagem, repletos de frases de efeito sobre como ele vê o esporte.

"Isso não é sobre jogar futebol, é sobre vencer. Se você não vence, o sentimento é vazio. Eu odeio perder. O futebol é sobre tentar vencer", ele diz logo na chegada.

Em outros momentos, critica o elenco pelo comportamento pacífico em campo. "A história do futebol mostra que o time de rapazes legais nunca vence. O jogo é uma guerra. Não sejam estúpidos."

Há instantes em que os puristas do futebol ofensivo poderão se sentir ofendidos com a visão pragmática de Mourinho, cansado dos erros defensivos do Tottenham.

"Nós queremos ganhar, mas qualquer resultado em que não levamos gols é um bom resultado. O melhor caminho para vencer é não levar gols. Nós precisamos ter prazer em jogar para não sofrer gols da mesma forma que temos prazer em marcar gols", explica.

Ele não se importa nem mesmo quando o meia Delle Ali e o zagueiro Eric Dier discutem no vestiário ou com a quase briga dentro de campo do goleiro Hugo Lloris com o atacante Son Heung-min. Mourinho gosta dos conflitos, que vão de acordo com sua visão de que os sujeitos bacanas nunca vencem.

"Para desenvolver um time, para desenvolver um estilo de jogo, temos de usar os momentos difíceis para empurrar uns aos outros, para culpar uns aos outros, para ter um confronto. Aconteceu, pode acontecer [de novo] e eu gosto que aconteça."

Para forçar a competitividade, ele adota uma vez apenas e como recurso extremo, treinamento pouco usado no futebol atual: o coletivo de 11 contra 11, titulares contra reservas. É quando Dier dá entrada forte em Son e o faz sair de campo carregado e com a canela sangrando. Mourinho vê o sul-coreano estirado na maca na sala de fisioterapia e lhe pergunta se está lesionado ou com dor.

"Uma coisa é contusão. Outra é dor. Parar dor, temos analgésicos", diz.

As várias lesões sofridas em peças ofensivas fundamentais para o Tottenham, a falta de opções no elenco, as eliminações nas copas nacionais, na Champions League e a tentativa infrutífera de terminar a Premier League entre os quatro primeiros são o pano de fundo.

É uma briga frustrante para o Mourinho, que venceu ligas nacionais na Inglaterra, Itália, Espanha e em Portugal e foi campeão europeu por Porto (POR) e Internazionale (ITA). Mas da qual ele não abre mão.

"Eu não pertenço à arquibancada, às tribunas, aos estúdios de TV e nem ao meu sofá. Eu perteço a isso aqui", declara, olhando para o campo de treinos.

As conversas particulares (ou nem tanto, já que eram filmadas) com Harry Kane, Dele Alli e, principalmente, Danny Rose, são outros pontos altos de uma narrativa que perde força com a paralisação do futebol por causa da pandemia.

José Mourinho após a vitória do Tottenham Hotspur sobre o Maccabi Haifa, pela Liga Europa
José Mourinho após a vitória do Tottenham Hotspur sobre o Maccabi Haifa, pela Liga Europa - Adam Davy-1.out.20/Reuters

É impossível afirmar se há encenação ou não nas falas de Mourinho, mas a presença de alguém como ele, amigo dos seus jogadores e também vilão em outras situações, é fundamental para uma série como "All or Nothing".

"Meu cachorro morreu ontem. Então estou dizendo isso aqui que não estou chateado com vocês, não estou chateado com o último jogo. O técnico de vocês está chateado porque o cão da família morreu em 24 de dezembro", avisa o português antes de uma análise tática em grupo.

Em determinados momentos, a série não consegue fugir de uma aparente peça de propaganda. Mostra que o estádio recém-inaugurado (a um custo equivalente a R$ 7,5 bilhões) virou hospital de campanha para o combate ao coronavírus ao mesmo tempo em que ignora o fato de que o time planejou pôr dezenas de funcionários em licença remunerada pelo governo —recuou após críticas.

Mas sempre que a produção se torna maçante, José Mourinho aparece para animar a festa.

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