Descrição de chapéu Maradona (1960-2020)

'Defendi Diego e defendo até hoje', diz jornalista que cobriu doping de Maradona

Silvio Lancellotti recorda quando jogador foi suspenso da Copa de 1994 e aponta de erro de dietólogo

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São Paulo

No dia 21 de junho de 1994, Maradona anotou um golaço na vitória por 4 a 0 da Argentina sobre a Grécia pela Copa do Mundo. Na comemoração, correu até a região da tribuna de honra do estádio e gritou para uma câmera de TV.

Aos 33 anos, Maradona —que morreu nesta quarta (25) aos 60 anos— queria provar que poderia guiar sua seleção a mais uma conquista mundial, e que o tempo em que ficou suspenso do futebol por consumo de cocaína havia ficado para trás. No entanto, depois de mais uma vitória da Argentina, desta vez contra a Nigéria, o craque acabou suspenso daquele torneio por doping.

“Defendi o Diego, então, como defendo até hoje”, diz o jornalista Silvio Lancellotti, que cobriu aquela Copa para a Folha. “Dizia que ele tinha lá todos os seus defeitos, que inclusive caíra na cocaína mas que, na Copa dos Estados Unidos, não tinha jogado sobre o efeito de qualquer estimulante.”

Maradona comemorando seu gol na partida entre as seleções da Argentina e Grécia durante a Copa do Mundo de 1994, no estádio Foxboro, em Boston (EUA) - Reuters

Ele se refere a um texto, publicado neste jornal em agosto de 1994, em que reconstruiu o episódio que levou à suspensão de Maradona. Na ocasião, foi detectada na urina do jogador uma substância proibida pela Fifa, a efedrina.

Maradona, diz Lancellotti no texto, jurou que não havia tomado nada que não devia. Na relação dos medicamentos receitados ao jogador havia dois antigripais: Nastizol e Decidex, de venda livre na Argentina.

Para evitar maiores problemas à seleção sul-americana, numa reunião com a Fifa, a Associação Argentina de Futebol (AFA) decidiu retirar Maradona da Copa do Mundo. Julio Grondona, presidente da AFA, não quis se indispor com a entidade máxima do futebol à aquela altura.

Lancellotti escreveu que “a ideia de um complô contra Maradona impediu [Marcos] Franchi [então representante do jogador] de enxergar a verdade –enfim clarificada, semanas depois, de volta a Buenos Aires.”

“Dizia, e provava [a inocência de Maradona], inclusive com a citação de um produto idiota, que qualquer criança podia comprar”, diz o jornalista. “Por engano, um tal de Daniel Cerrini, que se dizia dietólogo e que integrava à trupe de trinta pessoas inúteis que o Diego havia levado pra Boston, tinha comprado a versão do produto com a efedrina que apareceria no exame do xixi.”

Em agosto, já depois da Copa, descobriu-se que Maradona ingeriu um produto emagrecedor diferente do que usava. Em vez do Ripped Fast, tomou o Ripped Fuel.

Segundo a reportagem de Lancellotti, Cerrini, o médico designado pela AFA, era o responsável pela reposição do produto. Ele comprou o Fuel —que produz a efedrina na urina— depois de não ter encontrando o Fast.

"Ele foi descuidado, mas eu também fui", Maradona disse meses depois.

Fernando Signorini, preparador físico do jogador argentino, lembrou da preparação para a Copa de 1994 em entrevista à Folha em 2019. "Todo viciado que não tem a droga sente muita vontade de tê-la. Ele tinha a necessidade da cocaína, mas não havia. O assombroso foi ver o poder de decisão que tinha quando queria chegar a um objetivo."

Um dos efeitos da efedrina é estimular o sistema nervoso central. Acelera a perda de gordura e diminui o cansaço físico. Em 1986, o volante espanhol Calderé foi flagrado no doping também por efedrina. Foi afastado por apenas uma partida e pôde continuar na Copa.

O médico da Espanha em 1986 assumiu o erro por não ter preenchido documento avisando que o jogador consumia medicamento que continha a substância. O chefe médico da AFA, Ernesto Ugalde, se negou a fazer o mesmo.

O texto de Lancellotti, de 1994, lembra que tanto Ugalde quanto o treinador da seleção, Basile, não apareceram em cena. O camisa dez da Argentina, depois da Copa, acusou Ugalde de omissão e foi processado pelo médico.

Maradona, que também era reincidente, acabou suspenso do futebol por 15 meses e encerrou sua história estrelada com a camisa alvi-celeste. Ele havia feito um esforço notável para emagrecer e chegar em condições de disputar aquele torneio com os mesmos 75 quilos que tinha na Copa de 1986.

O caso gerou divrsas teorias conspiratórias, que envolviam a CIA, a Fifa e a AFA. Depois da saída de Maradona, a Argentina ainda perdeu os dois últimos jogos que fez naquela Copa, contra Bulgária, na fase de grupos, e contra a Romênia, quando foi eliminada nas oitavas de final.

Maradona chegou a jurar “pelas filhas” que não tinha feito nada de errado em 1994. "Cortaram as minhas pernas, da minha família, das pessoas que estavam comigo. Me tiraram o sonho e creio que me tiraram do futebol definitivamente. Estou destroçado", disse na época.

Depois do episódio, sua carreira entrou em derrocada, ainda que ele tenha jogado pelo Boca Juniors até se aposentar, em 1997.

“Nos cruzamos trocentas vezes. É muito duro, muito triste, pra mim, hoje, ser jornalista, e ter que falar sobre a sua morte", afirma Lancellotti.

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