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Encontro inesperado com Maradona me fez saber antes sobre sua saída da Copa de 1994

Jogador havia sido pego em teste antidoping no campeonato mundial nos Estados Unidos

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Noelly Russo
São Paulo

O ano era 1994. O Brasil seria tetracampeão. Antes disso, em 25 de junho, a Argentina conquistava sua segunda vitória, contra os Super Eagles, a Nigéria. Assim começava a mostrar que poderia ser um problema para o Brasil.

No dia seguinte ao da vitória, a equipe da Folha, chefiada por Melchiades Filho, se dividiu. Os jornalistas de esporte, mais experientes, ficaram com o filé mignon da cobertura e foram para o treino da Argentina. Teriam de estar atentos à boataria da noite anterior de que um jogador havia sido pego no teste antidoping. Já se sabia que Maradona havia sido testado. Logo, ele era o assunto.

À época eu era editora do caderno para jovens, o Folhateen. Desde sempre amei futebol e sonhava em cobrir uma Copa.

No dia do treino da Argentina, tudo o que eu queria era ir com os poderosos do esporte, ver e ouvir Maradona e quem sabe dar a sorte de conseguir alguma informação exclusiva. Mas fui escalada para ficar no hotel onde a equipe estava hospedada e fazer textos de apoio com torcedores, sobre o time, as expectativas e aprender gritos de torcida —ninguém faz gritos de torcida para sua seleção como os argentinos.

Cheguei cedo. Falei com um aqui, outro ali, todos com a inabalável confiança na equipe, risinhos nada disfarçados de falar para um jornal brasileiro que íamos nos dar mal.

Andando para lá e para cá no lobby, vi a porta do elevador se abrir e sair ninguém menos do que Diego Maradona. Só havia eu no momento no lobby do hotel. Olhei para ele e congelei. Ele me olhou também, esperando que eu dissesse algo.

Descongelei e fui até ele. A primeira coisa que me veio à cabeça foi perguntar meio espantada e meio brava: “Você não deveria estar treinando?”.

A resposta em seguida: “Os brasileiro conseguiram, me tiraram da Copa. A Fifa é dominada pelos brasileiros, você não sabe?”.

Estava bem espantada, pois o resultado do doping ainda não havia sido oficialmente divulgado.

Maradona sai de estádio para controle antidoping
Maradona sai de estádio para controle antidoping - Reprodução

“Você foi o jogador que testou positivo?”, perguntei achando que seria xingada.

“Sim. Foi o que eu te disse. A Fifa e os brasileiros conseguiram expulsar Maradona da Copa. Vai ter uma coletiva. Não quer ficar por aqui? De que jornal você é?”

Disse que era do Brasil, trabalhava na Folha de S.Paulo.

Sacudindo a cabeça, caminhou comigo até o local, meio improvisado, em que a coletiva ocorreria.

“Mas como pode ter certeza de que foi armação do Brasil?”, perguntei.

“Falo de maneira geral. A Fifa é do Brasil, faz tudo para beneficiar os brasileiros. É do maior interesse afastar Maradona. Agora, vamos esperar a coletiva", ele disse.

Na época os celulares era coisas gigantescas, tijolos mesmo. Eu nem tinha levado o meu. Corri à recepção do hotel e usei o telefone deles para avisar a Redação em São Paulo que o teste do Maradona no antidoping tinha dado positivo e que eu teria de passar o texto por telefone mesmo.

Eu estava numa posição muito privilegiada, no gargalo mesmo, em frente a ele, esperando que falasse. Foi gentil, pediu que eu compreendesse o momento e aguardasse a coletiva. Insisti, mas não houve jeito. Ficamos um tempinho calados.

À medida que a notícia se espalhou, colegas de todos os países começaram a chegar. Um monte de câmeras foram montadas à minha frente.

Ouvi um “senhorita, senhorita”. Um corredorzinho abriu-se, e Maradona bateu com sua mão no assento a seu lado, me convidando a sentar ali. Fui, né?

Com os fotógrafos meio aborrecidos de ter um papagaio de pirata, me toquei que não estava bom ali. A Folha sempre foi rigorosa com o protocolo entre repórteres e fonte. Agradeci e levantei. Foi dele a sugestão de que eu me postasse logo atrás dele no sofá.

Rapidinho atendi e me concentrei em escutar. Não sei mais por quanto tempo ele falou. Mas falou, como sempre, do coração. Da injustiça, do absurdo, da armação da Fifa e dos privilégios dos brasileiros. Não escondia a tristeza que sentia por tudo o que poderia ter acontecido naquele verão norte-americano e foi tirado de seus pés.

A Argentina acabou ali na Copa. Acredito que Maradona começou a acabar ali também.

A equipe de imprensa argentina encerrou a conversa. Jornalistas argentinos aplaudindo, torcedores enraivecidos gritando contra o Brasil e contra a Fifa.

Ele se levantou, acenou com a cabeça para mim e saiu, cercado por sua corte, certo de que nem a Fifa nem o Brasil iam tirar seu lugar na história.

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