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Fã de Telê, técnico do Palmeiras mergulhou nos livros e virou 'Abelhudo'

Abel Ferreira dividiu carreira de jogador com estudos e foi apelidado no vestiário

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Marcus Alves
Lisboa

Em sua adolescência, Abel Ferreira passou por uma experiência que o transformou. Foi reprovado na escola e, em seguida, sua mãe o pôs para trabalhar ao lado de um de seus tios como encanador. “Não quero que ele suba em telhados. De resto, é para fazer de tudo”, avisou. Depois disso, o novo técnico do Palmeiras nunca mais voltou a desgrudar dos livros.

Começou a carreira como jogador no clube de sua terra natal, o Penafiel, e, após se destacar, foi parar no tradicional Vitória de Guimarães.

Lá, como lateral direito, manteve uma rotina algo atípica: ajudou o time a chegar a um histórico quarto lugar na Liga Portuguesa ao mesmo tempo em que dirigia muitas vezes de Guimarães até a vizinha Felgueiras para cursar graduação em educação física. Formou-se com 23 anos.

Nessa mesma altura, Abel virou “Abelhudo” no vestiário. Os colegas brincam que havia dois motivos para o jogo de palavras com o seu nome: os shorts sempre apertados, que para eles o fazia lembrar uma abelha, e a obsessão que carregava por saber a razão, ao pormenor, de cada exercício que tinha de fazer.

“Todos nós possuíamos apelidos. Esse era o dele”, relembra o ex-companheiro Rogério Matias, aos risos. “O Abel queria entender tudo que acontecia, perguntava a todo momento. Parecia dar mais importância aos estudos do que ao futebol. Mal acabavam os treinos, ia direto para a faculdade. Não tinha certeza se seria treinador ou não. Talvez, um bom professor de educação física. Mas ele foi se aperfeiçoando e deu o salto”, completa.

Essa curiosidade extrema o levou longe. Propiciou uma vida confortável que hoje lhe permite sustentar a paixão por carros clássicos e viajar para assistir a provas de automobilismo. Mais do que isso, abriu portas para que, aos 41 anos, alcançasse com o Palmeiras o maior desafio de sua carreira no banco de reservas.

No Allianz Parque, Abel terá a chance de pôr à prova toda a sua dedicação aos livros. Fã de Telê Santana, estudou a fundo a obra do ex-comandante da seleção e sabe bem o que o aguarda no Brasil. Foi treinado por Paulo Autuori e viu três de seus mentores, Jorge Jesus (Flamengo), Jesualdo Ferreira (Santos) e Augusto Inácio (Avaí), passarem, com resultados distintos, pelo país. Agora se prepara para deixar a sua marca.

Dono de personalidade forte, é o primeiro técnico da nova safra portuguesa a cruzar o oceano. Uma prova de seu prestígio no mercado é que, sempre que trocou de clube, obrigou que fizessem investimento. Para tirá-lo do Braga, sua primeira equipe, o PAOK desembolsou 2,5 milhões de euros (R$ 16,3 milhões, na cotação atual) em 2019. O Palmeiras teve de pagar 600 mil euros (R$ 3,9 milhões) aos gregos para levá-lo.

O meia Raphael Veiga (ao centro) comemora com Luiz Adriano e Wesley o primeiro gol do Palmeiras contra o Atlético-MG - Cesar Greco/Ag. Palmeiras

Essa ascensão meteórica não surpreende Leonel Pontes. Ex-tutor de Cristiano Ronaldo no Sporting, ele trabalhou por quatro temporadas com Abel em Alvalade e, depois que o lateral se aposentou precocemente por causa de uma lesão, aos 31 anos, o recebeu para estágio no Marítimo.

“Enquanto jogador, ele sempre foi muito aplicado, empenhado em fazer tudo bem, gostava de conversar sobre futebol. Perguntava por que se faz dessa forma e não de outra. No Sporting, ele tinha um grupo com Tonel, Caneira e Derlei em que debatiam os treinos. Já estava preparando o seu futuro”, conta Leonel, que aposta no sucesso do compatriota no Brasil.

“Ele trabalha muito olho no olho, é frontal, sincero. Possui um discurso forte e exigente com os atletas, mas mantendo cuidado especial com o lado humano. Não tenho dúvida de que, sob o seu comando, o Palmeiras terá um futebol agradável de ver”, acrescenta.

Na prateleira de jogos de sua ainda curta carreira, Abel possui os confrontos com o Hoffenheim de Julian Nagelsmann, hoje sensação no RB Leipzig, durante a fase de grupos da Liga Europa de 2017/18. Na ocasião, conduziu o Braga a vitórias sobre os alemães dentro e fora de casa. Sempre que precisa de inspiração, é a essas partidas que ele recorre.

Nessa mesma temporada, também guiou o time à maior pontuação de sua história na Liga Portuguesa, com 75 pontos, e catapultou nomes como Sequeira, Ricardo Horta e Paulinho, todos agora discutidos na seleção lusitana.

Não faz parte do seu feitio, contudo, se gabar por essas façanhas. Muito menos por ter lançado a revelação Francisco Trincão, negociada posteriormente com o Barcelona por 31 milhões de euros (R$ 202 milhões). Avesso aos holofotes, não abusa da autopromoção como Jesus, sendo capaz de ficar quase um ano sem dar entrevistas exclusivas, como aconteceu no PAOK.

No Palmeiras, Abel terá como principal tarefa encontrar o equilíbrio: desde o seu começo como treinador na base do Sporting, suas equipes são marcadas pelo grande poderio ofensivo, mas nunca por se mostrarem intransponíveis na defesa. É um detalhe que o incomoda e que será fundamental para, enfim, levantar o seu primeiro troféu.

“Não se pode apenas compará-lo a Jesus. Têm perfis diferentes. Todos somos frutos da experiência que vivemos. O Abel é um técnico mais novo, vem de uma geração muito promissora”, afirma Leonel.

Padrinho de um festival de cinema em sua cidade, o português terá no Palmeiras condições que nunca antes contou para tentar escrever um roteiro com final vitorioso.

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