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Final do Brasileiro coroa retomada do Kindermann após assassinato de técnico

Em parceria com o Avaí, time busca título nacional feminino 5 anos depois de tragédia

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São Paulo

Ser finalista do Campeonato Brasileiro Feminino é um marco de recuperação para o Avaí-Kindermann. O adversário do Corinthians na decisão do principal torneio nacional quase teve sua história abreviada em 2015, quando uma tragédia levou os donos do clube a suspenderem suas atividades por tempo indeterminado.

Neste domingo (22), catarinenses e paulistas fazem o jogo de ida, às 20h, no estádio da Ressacada, em Florianópolis. A partida será exibida por Band, ESPN e no perfil @BRFeminino no Twitter. O duelo de volta está marcado para o dia 6 de dezembro, às 20h, na Neo Química Arena.

Há cinco anos, antes da parceria com o Avaí, o Kindermann viveu o assassinato do técnico Josué Henrique Kaercher. Ele foi morto a tiros por Carlos José Correa, ex-treinador de outra das equipes comandadas pela família Kindermann, o Pantera Negra. Segundo a Polícia Civil, a motivação foi vingança, após uma demissão por justa causa.

O crime ocorreu em um hotel que também pertence ao grupo familiar, no centro da cidade de Caçador (SC), sede do time e localizada a cerca de 400 km de Florianópolis.

Correa entrou armado no local, rendeu um funcionário na recepção e ordenou que outras cinco pessoas que trabalhavam na empresa fossem levadas a um escritório.

Uma delas foi Josué, que teria tentado acalmar Correa e acabou baleado no peito. Ele chegou a ser levado para um hospital, mas não resistiu ao ferimento.

Salézio Kindermann, 78, fundador e até hoje presidente da agremiação, também estava entre os rendidos. Ele conta à Folha que a tragédia poderia ter sido ainda maior. "Eu tinha 73 anos na época e, não sei como, mas voei de trás da mesa e tirei a arma da mão dele."

Segundo Salézio, Correa gritou que iria acabar com a história do clube. "Ele apontou a arma para mim, mirou, engatilhou, aí não sei porque virou e atirou no Josué", afirma. "O Josué era como um filho pra mim."

No escritório, estavam também alguns parentes do presidente. O trauma levou a família a suspender as atividades esportivas por tempo indeterminado. Correa foi condenado, preso e morreu em maio deste ano, após sofrer um AVC na cadeia.

"Eles precisavam desse período de reconstrução psicológica", diz a zagueira Tuani, 29. A atual capitã do time também estava no Kindermann naquela época e afirma que todo o elenco ficou abalado com o ocorrido. "Além de ser nosso treinador, o Josué era um amigo, como um pai."

O treinador rodou o país jogando como zagueiro, mas gostava mesmo de viver na cidade onde até 2014 defendia o Caçador Atlético Clube.

"Aí surgiu a proposta [do Kindermann] de virar treinador. O ano de 2015 foi o primeiro dele. Foi direto do profissional para treinar o time feminino", lembra Julio Kaercher, irmão de Josué e que o ajudava na carreira.

Naquela temporada, o Kindermann havia conquistado o primeiro título nacional de sua história, a Copa do Brasil, ao vencer a Ferroviária na decisão. Em 2016, disputaria sua primeira Libertadores, o que acabou não acontecendo.

Salézio também estava empolgado com as perspectivas, mas depois da tragédia foi convencido por sua família a dar um tempo do futebol, o que o deixou muito abalado. "Isso aqui é minha vida, eu me senti um lixo na época."

A pausa durou cerca de um ano. Em 2017, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) mudou a forma de disputa do Campeonato Brasileiro Feminino e criou a Série A-2. Na elite, estariam os oito melhores times do ranking da entidade. O Kindermann, mesmo após um ano sem jogar, era o oitavo colocado.

"Minha família viu que eu iria morrer se não voltasse ao futebol", conta o presidente, que então decidiu que era hora de a equipe retomar as atividades. Mas antes foi buscar o apoio da família de Josué.

No fim de 2016, Julio recebeu uma ligação do dirigente. "Ele falou: ‘estou pensando em voltar, mas por respeito à sua familia, gostaria de saber sua opinião'. No primeiro momento eu já falei: ‘acho que tem que voltar’. Como tinha uma ligação muito forte com meu irmão, tentei pensar o que ele pensaria."

"Eu disse a eles que queria voltar porque achava que o Josué iria gostar, e eles me apoiaram. O futebol também era a vida dele", recorda Salézio.

Em 2017, o Kindermann alcançou as quartas de final do Campeonato Brasileiro, fase na qual acabou eliminado pelo Rio Preto. No fim do ano, veio a conquista do Campeonato Catarinense, o 9º dos 11 que acumula em sua história.

Convidada a retornar ao time após ir para a Ferroviária, Tuani fez parte das campanhas vitoriosas nos estaduais de 2017, 2018 e 2019. Para ela, que morou nos alojamentos da agremiação, essa é a sua segunda casa.

"Eu gosto muito da cidade e do clube. E aqui eu tive a possibilidade de fazer uma faculdade, pela parceria do Kindermann com uma universidade", diz a atleta. "Poder estudar era um sonho meu e da minha avó. Ela sempre quis ver uma das netas dela formada."

Tuani está no último semestre do curso de Educação Física na Uniarp (Universidade Alto Vale do Rio do Peixe). "Todas as meninas do Kindermann têm bolsa de estudos e carteira assinada. As meninas que não tinham a chance de fazer uma faculdade saem daqui graduadas", orgulha-se Salézio.

No ano passado, o dirigente firmou uma nova parceria, com o Avaí. O time de Caçador foi procurado pelo de Florianópolis após a CBF instituir a obrigatoriedade de os clubes da Série A masculina terem equipe feminina.

Dessa união nasceu o Avaí-Kindermann. A equipe que neste ano disputa a Série B masculina fornece uniformes e apoio financeiro ao time do interior. O título do Brasileiro poderá ser o maior fruto dessa parceria, após um vice em 2014.

O elenco treinada por Jorge Barcellos teve três atletas chamadas na última convocação da seleção brasileira, pela técnica sueca Pia Sundhage: a goleira Bárbara, 32, e as meias Duda, 24, e Júlia Bianchi, 23.

"Batalhamos por quatro anos na reestruturação do clube e fomos aos poucos. Nós estamos acostumados com o imediatismo, mas com o tempo foi provado que dá para avançar, e ainda mais apostando nas pessoas certas. Fomos os facilitadores, mas quem executa são as jogadoras, elas que merecem todos os elogios", diz Barcellos, desde 2017 no cargo.

Salézio brinca que seria imbatível se tivesse o orçamento dos grandes clubes paulistas, mas que mesmo assim conseguiu chegar mais longe que São Paulo (que eliminou nas semifinais), Palmeiras e Santos. "Agora falta o Corinthians."

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