Descrição de chapéu The New York Times

Jovem com síndrome de Down se supera e conclui o triatlo Ironman

Chris Nikic, 21, completa prova na Flórida após ter ajuda da família para não desistir

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Kurt Streeter
The New York Times

O céu da Flórida já tinha escurecido, e Chris Nikic estava a ponto de desistir. Ele estava há mais de 13 horas forçando seus limites para continuar na corrida, apesar dos sacrifícios, apesar de ele não ser capaz de manter o curso ou calcular seu tempo sem ajuda.

Mas de repente o esforço pareceu ter excedido seus limites. No ar quente e úmido, ele tinha dificuldade para respirar. Seus pés queimavam ao tocar o asfalto, suas pernas pareciam feitas de concreto, e a sensação era de que os músculos de suas costas haviam passado por um triturador.

Nikic, 21, vive com seus pais em um subúrbio de Orlando, e havia começado o dia com determinação. Se ele conseguisse superar o desafio da prova –3.900 metros nadando em mar aberto, um trajeto de 180 quilômetros de bicicleta e mais 42 quilômetros de corrida—, tudo isso em menos de 17 horas, ele seria o primeiro atleta com síndrome de Down a concluir o triatlo Ironman.

Uma façanha como essa não só colocaria seu nome no livro de recordes como seria uma prova, para ele mesmo e para as pessoas que o cercam, de que Nikic era de fato capaz de realizar grandes coisas. E se ele fosse capaz de realizar grandes coisas, talvez um dia pudesse realizar seu maior sonho: viver independentemente, casar e criar uma família.

Será que ele conseguiria? A linha de chegada estava a menos de 26 quilômetros, mas sua resistência estava chegando ao fim.

Um passo à frente. Dois passos. Três...

Para compreender as dimensões do desafio que Nikic estava enfrentando durante a prova, realizada em Panama City Beach, Flórida, alguns sábados atrás, é preciso recuar à sua infância.

Aos cinco meses, ele passou por uma cirurgia cardíaca invasiva. Era uma criança tão fraca e seus problemas de equilíbrio eram tão graves que ele só começou a andar aos quatro anos. Para evitar que ele se sufocasse, sua família o alimentou com comida para bebês até os seis anos de idade. Quando aprendeu a correr, Nikic precisou de meses para descobrir como mover os braços em sincronia na posição natural de corrida, em lugar de mantê-los erguidos por sobre a cabeça.

Ele demorou anos para aprender a amarrar os sapatos.

Os pais de Nikic –Nik, que trabalha como preparador físico para executivos, e Patty, dona de casa– batalharam para dar ao filho o cuidado e a atenção de que ele precisava. O menino passou por sete escolas primárias, enquanto eles procuravam o encaixe certo para ele.

E a cada passo do caminho, os especialistas sempre falaram de Chris Nikic em termos de limites, e não de possibilidades.

“Eu sempre me senti isolado, deixado de fora, excluído”, disse Nikic em uma conversa por vídeo esta semana, descrevendo as emoções que sentia quando criança.

Ele encontrou consolo no esporte. No começo da adolescência, passou a correr provas de velocidade, e a praticar natação e jogar basquete nas "olimpíadas especiais".

Mais ou menos aos 15 anos, seus pais o levaram a um estacionamento perto de casa e o ensinaram a andar de bicicleta. Ele demorou seis meses para conseguir se manter equilibrado por mais de 30 metros, mas assim que aprendeu, o ciclismo se tornou uma de suas atividades constantes.

Depois de passar por uma série de cirurgias de ouvido que minaram sua força e o deixaram confinado em casa, ele ganhou uma determinação ainda maior de fazer mais do que no passado.

Em outubro de 2019, com a ajuda de uma equipe local de treinamento de resistência e de Dan Grieb, um treinador voluntário, ele decidiu tentar participar do Ironman. Seria o teste definitivo. Se Nikic conseguisse passar por isso, sua sensação era de que não haveria coisa alguma de que não fosse capaz.

Um vento forte varria o Golfo do México, na manhã da prova. Grieb estava na água para servir como guia, preso ao seu atleta por um cordão elástico preto cujo objetivo era oferecer segurança adicional. Eles emergiram das águas agitadas do mar depois de pouco menos de duas horas.

Grieb em seguida ajudou Nikic a se acomodar em sua bicicleta de 10 marchas e prendeu os pés dele aos pedais, para que pudessem começar o longo trajeto em duas rodas.

Eles encontraram problemas. Porque Nikic não conseguia manter equilíbrio suficiente para beber água enquanto pedalava, ele tinha de parar e descer da bicicleta quando precisava se hidratar. E ao fazê-lo por volta do quilômetro 35 da prova ciclística, ele não percebeu que tinha parado sobre um grande formigueiro. As formigas vermelhas subiram por seus tornozelos e picaram suas pernas, que ficaram inchadas.

Nikic conseguiu ir em frente mesmo assim, mas levou um tombo da bicicleta alguns quilômetros adiante, em uma descida em alta velocidade. E mesmo assim ele prosseguiu.

Aí veio a maratona, o segmento final. Tudo começou bem. Percorrendo as ruas de Panama City Beach no escuro da noite, atado a Grieb para evitar quedas e manter o rumo, ele passou por um grupo de parentes e amigos que se reuniram para torcer.

Mas quando ele chegou ao quilômetro 16 da prova, tudo mudou. Nikic perdeu tanta velocidade que mal parecia estar se movendo. Ele começou a se queixar de dores. Havia angústia em seus olhos. “Ele parecia um zumbi”, disse sua irmã, Jacky. “Era como se tivesse esgotado todas as forças."

Seus torcedores se reuniram em torno dele, para abraçá-lo e lhe dar uma injeção de ânimo.

Nik Nikic se aproximou do filho, lhe deu um braço apertado e sussurrou em seu ouvido: “Você vai deixar que a dor vença seus sonhos?”.

Chris Nikic sabia que o objetivo era não só concluir o Ironman, mas provar a si mesmo o que ele poderia realizar no futuro. Morar sozinho. Independência. Uma mulher tão bonita e gentil quanto sua mãe.

“Meus sonhos vão vencer”, ele disse ao pai. E começou a correr de novo.

Um passo à frente. Dois. Três. Um passo. Dois. Três.

Nikic encontrou seu ritmo. Nada o deteria. Ele cruzou a linha de chegada com os braços erguidos em celebração, e pouco tempo de sobra –em 16 horas, 46 minutos e nove segundos.

“Aprendi que não existem limites”, ele disse, quando conversamos, dias mais tarde. “Não vou me limitar."

Pode comemorar, Chris Nikic, por ter se mantido fiel ao seu sonho, por sua paciência, perseverança, esperança e garra. Tudo isso está em falta no nosso mundo.

Tradução de Paulo Migliacci

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