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Lei que permite aos EUA investigar e punir doping fora do país gera embates

À espera da sanção de Trump, medida recebe críticas de entidades como Wada e COI

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Matthew Futterman
The New York Times

Uma nova legislação que ampliaria a capacidade das autoridades dos Estados Unidos para processar pessoas envolvidas em doping está gerando críticas de um quadrante inesperado: as organizações internacionais de combate ao doping.

Os proponentes da medida, conhecida como Lei Rodchenkov, dizem que ela servirá como dissuasão ao doping e fornecerá uma arma importante na batalha pelo esporte limpo, porque fortaleceria os esforços da promotoria para acusar de crimes federais redes de violadores das regras antidoping, que incluem treinadores, preparadores físicos, cientistas e autoridades esportivas que facilitam a prática, mesmo que as atividades de doping não tenham acontecido nos Estados Unidos.

A lei não se aplicaria aos atletas porque é dirigida a grandes conspirações organizadas para facilitar o doping, e não se destina a combater violações simples. Mas a lei trata como vítimas os atletas derrotados por competidores que mais tarde sejam expostos como beneficiários de doping. Isso permite que eles recebam indenizações como parte de condenações ou acordos extrajudiciais envolvendo as pessoas que tenham fomentado os esquemas.

O projeto de lei, que conta com amplo apoio dos dois grandes partidos políticos americanos, está aguardando a assinatura do presidente Donald Trump, mas não se sabe quando ele o fará.

Ninguém espera que os Estados Unidos comecem a solicitar a extradição de facilitadores do doping por países como a Rússia, cujos serviços estatais de inteligência participaram de trapaças antidoping sistemáticas durante a olimpíada de Inverno de Sochi, em 2014, e em outros eventos.

No entanto, ser alvo de acusações formais pode tornar arriscado para os envolvidos viajar fora de seus países ou participar de competições, e pode impedi-los de utilizar instituições financeiras americanas. Esses fatores dão à lei um alcance que vai além dos limites geográficos e geopolíticos do sistema de justiça criminal dos Estados Unidos, dizem os proponentes da lei.

O projeto de lei, que já tinha sido aprovado pela Câmara dos Deputados americana e foi aprovado pelo Senado na segunda-feira, leva o nome de Grigory Rodchenkov, antigo diretor do laboratório antidoping da Rússia que ajudou a montar o sistema que permitiu que atletas russos empregassem substâncias de melhora de desempenho sem serem apanhados.

Rodchenkov fugiu da Rússia depois da Olimpíada de Sochi, durante a qual as autoridades russas trocavam amostras de urina contendo doping por amostras puras armazenadas previamente. Ele expôs um dos maiores esquemas de doping na história do esporte, e agora vive nos Estados Unidos, em local não revelado.

Mas em lugar de conquistar apoio de todas as grandes organizações esportivas que condenam há muito tempo o uso de doping, a Lei Rodchenkov se tornou a mais recente disputa em uma longa guerra que opõe os dirigentes do combate ao doping nos Estados Unidos e seus aliados no governo e na polícia e Justiça às autoridades esportivas e dirigentes das organizações antidoping internacionais.

“Esse é um dia monumental na luta pelo esporte limpo em todo o mundo”, disse Travis Tygart, presidente-executivo da Agência Antidoping dos Estados Unidos, que fez muito lobby pela aprovação da lei, no dia em que o Congresso votou em seu favor.

Técnico de laboratório antidoping de Moscou, que está no centro de uma escândalo que abalou o esporte internacional nos últimos anos
Técnico de laboratório antidoping de Moscou, que está no centro de uma escândalo que abalou o esporte internacional nos últimos anos - 23.set.09/AFP

A Wada (Agência Mundial Antidoping), que age como líder mundial no combate ao uso de drogas no esporte, se opôs à Lei Rodchenkov, e o mesmo vale para o COI (Comitê Olímpico Internacional), o principal beneficiário dos esforços da Wada, e outras organizações esportivas internacionais importantes.

Enquanto o projeto de lei abria caminho no Congresso, Witold Banka, presidente da Wada, disse que se os Estados Unidos agissem sozinhos ao criminalizar o doping internacional, comprometeriam os esforços da Wada para manter um mesmo conjunto de regras que se aplique aos esportes em toda parte. “Essa harmonização de regras tem posição central no programa mundial de combate ao doping”, disse Banka.

Depois que o Congresso aprovou a medida, Banka e a Wada foram além e disseram que a lei poderia resultar em discriminação contra atletas de certos países. Além disso, a lei se aplica apenas a esquemas conectados a organizações que sejam signatárias do código da Wada, que estabelece padrões internacionais de teste, investigação, trabalho laboratorial, isenções, substâncias proibidas, proteção de privacidade e fiscalização.

A cláusula exclui os esportes universitários e a maior parte das ligas e associações esportivas profissionais sediadas na América do Norte, entre as quais NBA, NFL, Major League Baseball e NHL, exceto nos casos em que atletas dessas organizações estejam participando de competições internacionais.

Porque as regras quanto a drogas são parte dos contratos coletivos de trabalho das ligas de esporte profissional da América do Norte, as penalidades por violações antidoping nessas organizações são muito menos severas do que as que existem no esporte internacional.

Atletas profissionais que sejam apanhados em exames antidoping nas ligas norte-americanas em geral são suspensos por parte de uma temporada. As violações internacionais em geral geram suspensões de pelo menos dois anos. E as ligas de esportes profissionais tampouco são signatárias do código da Wada, algo que gerou críticas tanto da parte da Wada quanto da parte do COI.

“A Wada também deseja compreender por que essa legislação exclui vastas áreas do esporte americano, especialmente as ligas profissionais e todos os esportes universitários”, a organização afirmou em declaração divulgada quando da aprovação da lei. “Se as regras não são boas o suficiente para os esportes dos Estados Unidos, por que devem ser aplicadas ao restante do mundo?”.

A Wada também previu que a Lei Rodchenkov pode complicar a vida dos denunciantes, que teoricamente podem ficar expostos a processo caso tenham participado dos esquemas antes de denunciá-los.

Os defensores da lei afirmam que essa crítica é inválida, porque o projeto oferece proteção sob o programa federal de testemunhas para os denunciantes e estipula um processo para que lidem com as ramificações legais de suas ações.

Eles também dizem que as críticas à lei por ela incluir apenas signatários do código da Wada são uma manobra para desviar a atenção, porque os estatutos criminais existentes de fraude, conspiração e distribuição ilegal de drogas já permitem que as agências legais dos Estados Unidos operem contra aqueles que facilitam e permitem o doping nas ligas esportivas profissionais e universitárias.

Em declaração, o COI aplaudiu a estratégia de fazer das redes de doping alvo de ação, mas ecoou as críticas de outras organizações sobre a sobreposição de autoridades e as isenções para as ligas profissionais e universitárias de esportes dos Estados Unidos.

A esperança, dizem defensores da nova lei, é que ela ajude a fazer da Olimpíada de Los Angeles, em 2028, a mais limpa da história, porque as consequências de viajar aos Estados Unidos podem ser substanciais para pessoas envolvidas em operações de doping em qualquer lugar.

Jim Walden, um advogado que representa Rodchenkov, disse que a aprovação da lei representava “o nascer de um novo dia” para os atletas dedicados a competir sem doping. “Isso terá efeito dissuasório imediato em todo o mundo."

Tradução de Paulo Migliacci

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