Sessentões, Maradona e Morumbi tiveram encontro único e inusitado

Com craque argentino popstar e fora de forma em São Paulo, quem brilhou foi Raí

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São Paulo

Com 60 anos completados em outubro, Diego Armando Maradona e o estádio do Morumbi se encontraram apenas uma vez em suas histórias futebolísticas.

O encontro dos sessentões ocorreu em março de 1993, quando ambos tinham 32 anos de vida. No dia 27 de março daquele ano, Maradona veio ao Brasil para enfrentar o São Paulo, comandado por Telê Santana, quando defendia as cores do Sevilla (ESP).

No amistoso contra a equipe andaluza, o time paulista receberia as faixas de seu primeiro campeonato mundial, conquistado três meses antes, em gramados japoneses, na histórica vitória contra o poderoso Barcelona.

Para entender a lógica desse amistoso, é preciso voltar um pouco mais no tempo. Em março de 1991, após uma vitória do Napoli sobre o Bari, pelo Campeonato Italiano, o craque argentino testou positivo para cocaína. O flagrante de doping provocou uma pesada punição a Maradona, que ficou 15 meses afastado do futebol.

Em julho de 1992, quando a sanção imposta pela Fifa acabou, Maradona não desejava mais defender o time do Napoli. Pesava o fato de o craque estar completamente desmotivado para atuar em alta performance.

Apesar de ter ainda muita bola nos pés, ele não queria mais a responsabilidade de jogar num time de ponta do futebol. Passava longe de suas ambições sofrer com cobranças de torcida, diretoria e imprensa.

Somente depois de um longo e tenebroso imbróglio com a diretoria do Napoli é que Maradona foi parar no Sevilla. No comando da equipe espanhola estava um velho conhecido: Carlos “El Narigón” Bilardo.

As diminutas ambições do time, somada à presença do técnico, que o levou a conquistar o Mundial do México, em 1986, foram decisivas para que Maradona optasse pelo retorno ao futebol espanhol.

Na negociação com o Sevilla, a Diarma, empresa do argentino, ficou com o direito de organizar e explorar comercialmente os direitos de TV de alguns amistosos da equipe. Diferentemente do que ocorre hoje, amistosos entre sul americanos e europeus eram corriqueiros e parte do calendário dos clubes.

A chegada do jogador a São Paulo foi digna de um popstar. No aeroporto, o assédio de um batalhão de jornalistas deixou o craque tão desorientado que ele perdeu o ônibus da própria delegação do Sevilla. Para chegar até o então hotel Brasilton, na rua Martins Fontes, na região central de São Paulo, Maradona teve de tomar um táxi.

Fernando Santos, fotógrafo da Folha à época, conta que depois de se acomodar, ceder mais entrevistas, o craque argentino arriscou dar umas voltas, caminhando à pé até a rua da Consolação. “Eu não perdi a oportunidade e fui junto. Dado momento, ele se virou pra mim e disse: ’Basta! Quédate tranquilo. Ahora vete’. Como eu já tinha material suficiente para o jornal, acatei o pedido dele."

Na entrada do restaurante o Brasão, junto do hotel, Fernando teve a sensibilidade de fotografar Maradona com um outro Diego. Este um jovem argentino de 22 anos, que também defendia as cores do Sevilla.

Completamente desconhecido dos torcedores brasileiros, mas não alheio à lente de Fernando, o promissor talento portenho em poucos anos também se tornaria uma estrela do futebol mundial. O garoto sorridente nas fotos ao lado de Maradona era Diego Simeone.

Diego Maradona ao lado do jovem Diego Simeone, 22, na entrada do restaurante O Braseiro - Fernando Santos - 26.mar.1993/Folhapress

Maradona exaltou as qualidade de Raí e Cafu: “O Raí é um jogador muito técnico. Já o Cafu me impressionou pela velocidade”. Ele havia enfrentado recentemente os dois são paulinos durante um amistoso entre Brasil e Argentina.

A partida realizada em 18 de fevereiro daquele ano marcava não somente a celebração do centenário da AFA (Associação do Futebol Argentino), como também o retorno de Maradona à sua seleção após o período de exceção imposto pela punição. Neste jogo, Maradona viu um arrasador Cafu, que rompeu a defesa e criou a jogada do gol de empate brasileiro, no 1 a 1 disputado no Monumental de Nuñez.

O astro argentino também se rendeu ao técnico Telê Santana. “Outro ponto positivo é a presença do Telê no banco. É ele que garante o time estar bem montado”, disse o camisa 10.

Maradona já era um velho conhecido do técnico brasileiro. Ele estava em campo na derrota argentina para o Brasil por 3 a 1, na Copa de 1982.

O lateral brasileiro Cafu persegue Diego Maradona durante o amistoso entre Argentina e Brasil - Carlos Sarraf - 18.fev.1993/Reuters

Antes da partida no Morumbi, Bilardo afirmou à Folha que o meia estava apenas com 65% de sua capacidade física e que tinha o foco nas Eliminatórias para a Copa de 1994.

Com a bola rolando, a fala de Bilardo se mostrou verdadeira. Maradona teve apenas lampejos de seu talento. Realmente fora de forma, o argentino levou o público brasileiro ao delírio quando interrompeu uma jogada tricolor com as mãos. Todos lembraram imediatamente da clássica "mano de Dios".

Seu grande lance de perigo foi apenas na metade do segundo tempo, quando numa jogada na grande área, recebeu a bola, girou o corpo e bateu rápido de canhota no canto esquerdo de Zetti, que nada pode fazer, senão acompanhar com os olhos a bola bater na trave.

Quem teve um momento digno do Pibe foi Palhinha. Num lançamento milimétrico, de longa distância, o franzino atacante deixou Raí na cara do gol para marcar o primeiro gol são-paulino.

No fim da partida, quando a iluminação do estádio já estava acesa, Raí fez mais um, fruto de uma cobrança de pênalti sofrido por Cafu. O jogo terminou 2 a 0. Após o fim do amistoso no Morumbi, Maradona foi cumprimentar Telê e ofereceu uma camiseta ao técnico.

"Foi um resultado justo. O São Paulo é um time muito forte", disse o argentino. "São Paulo e Milan mostram a beleza do futebol. Não é possível dizer quem é melhor porque as equipes ainda não se enfrentaram."

As fichas e reportagens da época contam que o público registrado foi de 47 mil pagantes. Mas eu estive no Morumbi naquela tarde de sábado e garanto que o estádio estava completamente lotado. Talvez, a gratuidade de ingressos para crianças, mulheres e aposentados, oferecidas pelos organizadores, tenha feito a diferença nas arquibancadas.

Eu mesmo, surpreendentemente, ganhei o ingresso de um amigo são paulino bem pão-duro. Mas, diante da possibilidade única de ver Maradona de perto, nem perguntei como ele conseguiu aquela entrada.

A despeito de não ser torcedor do tricolor paulista, valeu para ver a inesquecível equipe de Telê, e ainda mais Diego Armando Maradona. Pois, como dizem os versos da canção da torcida napolitana: “Mamãe, sabe por que bate o meu coração? Eu vi Maradona, apaixonado estou. Mamãe, eu vi Maradona”.

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