Trump falhou ao tentar usar esporte como estratégia política

Discurso contra protestos durante o hino americano se esvaziaram com o tempo

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Jeré Longman
The New York Times

Pela maior parte de sua presidência, Donald Trump invariavelmente contestava os atletas que ele sentia estarem desrespeitando o hino e a bandeira dos Estados Unidos, e a ele como presidente.

Mas a morte de George Floyd sob custódia da polícia, em Minneapolis, no dia 25 de maio de um ano eleitoral, deflagrou ondas de protesto e galvanizou os atletas a repudiar com ainda mais vigor a demanda de Trump de que eles ouvissem o hino em posição de respeito, antes dos jogos.

Os atletas se sentiram estimulados a se engajar em esforços para promover o registro de eleitores e o comparecimento às urnas, e estádios e arenas de esportes se tornaram locais de votação.

Com a aproximação da votação, Trump, talvez inesperadamente, deixou de lado a questão do hino, a mais contenciosa de suas causas esportivas. Ele tentou outra estratégia associada ao esporte: pressionar a conferência Big Ten do esporte universitário a iniciar imediatamente sua temporada de futebol americano, e depois buscou crédito indevidamente pela reversão da decisão da liga de tentar iniciar a temporada no segundo trimestre.

Mas a jogada tentada para sustentar seu apoio na região Centro-Oeste não deu resultado. Ele foi derrotado nos estados de Illinois, Michigan, Minnesota, Pensilvânia e Wisconsin, cujas universidades fazem parte da conferência Big Ten e onde o Partido Democrata costumava levar vantagem nas eleições anteriores a 2016.

“O futebol americano provou ser o esporte em que preferências políticas não fizeram diferença”, disse Joe Lockhart, antigo executivo da NFL e antigo secretário de imprensa da Casa Branca na presidência de Bill Clinton. “Republicanos e democratas não se comportam como republicanos ou democratas, e sim como torcedores do Patriots ou do Jets. Foi algo em torno do qual o país se manteve unido."

Cinco jogadores ajoelhados
Jogadores do Chicago Bears protestam durante o hino americano antes de jogo da NFL - Katelyn Mulcahy - 26.out.20/AFP

“Trump tentou causar divisão quanto a isso. Ele vence pela subtração. Em certa medida, teve algum sucesso. Mas já pelo final de junho deste ano era visível que a jogada não daria resultado para ele”.

Ao assistir ao perturbador vídeo que mostra Floyd sendo sufocado por um policial que pressiona o joelho contra seu pescoço —quatro anos depois de o então quarterback do San Francisco 49ers, Colin Kaepernick, ter começado a se ajoelhar durante a execução do hino nacional em protesto contra a injustiça racial e a violência policial—, as pessoas “passaram a compreender de uma nova maneira a indignação e os motivos para que um atleta optasse por exercer seu direito de protestar”, disse Kevin Sullivan, diretor de comunicação da Casa Branca na presidência de George W. Bush.

A morte de Floyd deflagrou uma série de ações por atletas, dirigentes esportivos e ligas, que resultaram em uma rejeição mais uniforme da postura de Trump sobre o hino, mesmo que a pressão pareça ter exercido pouco efeito sobre a eleição, em um país dividido, dizem especialistas em política.

Trump, que usou a questão do hino para inflamar sua base, recebeu mais de 72 milhões de votos –total significativamente superior ao seu voto bruto em 2016—, mas foi derrotado em sua tentativa de reeleição por Joe Biden, que recebeu mais de 77 milhões de votos.

Nos estágios finais da campanha, Trump parecia ter em geral abandonado o hino como arma política e também minimizou questões como a pandemia do coronavírus, apesar de ele mesmo ter sido contagiado. Em lugar disso, preferiu concentrar sua atenção em seu oponente político e em previsões sem qualquer base real de que, caso fosse derrotado, seria por fraude eleitoral.

“Ele tinha causas maiores a tratar em um ano eleitoral”, disse Ari Fleischer, que foi secretário de imprensa da Casa Branca no governo Bush. “O adversário dele não era a NFL. Não era Colin Kaepernick. Era Joe Biden."

Depois da morte de Floyd, no final do segundo e durante o terceiro trimestre, os atletas parecem ter decidido desconsiderar Trump completamente. No começo de agosto, LeBron James, do Los Angeles Lakers, riu e disse que ninguém sentiria falta de Trump, depois de o presidente ter afirmado que havia deixado de assistir a jogos da NBA, quando a temporada prejudicada pelo coronavírus foi retomada, por considerar “revoltante” que os jogadores se ajoelhassem durante a execução do hino nacional.

Pelo quarto trimestre, mesmo times juvenis de futebol americano estavam se ajoelhando durante a execução do hino. E a resposta de Trump, via Twitter e em seus comícios políticos, parecia às vezes ter se esvaziado, da ira política para uma espécie de dolorida resignação.

“Um dia a questão era enorme”, disse James Carville, estrategista político do Partido Democrata. “No dia seguinte, deixou de ser."

Trump olha cabisbaixo para a camiseta amarela com seu nome
Donald Trump com camiseta da seleção brasileira de futebol, dada a ele por Jair Bolsonaro em 2019 - Brendan Smialowski - 19.mar.19/AFP

Doug Sosnik, diretor político da campanha de Bill Clinton, descreveu Trump em um email como um “day trader” verbal, que, quando suas tiradas começam a perder o efeito, “se move na direção do próximo objeto reluzente que chame a atenção de seus partidários”.

O que Trump não conseguiu compreender com relação aos jogadores que escolhem se ajoelhar durante a execução do hino, disse Sosnik, é que a maioria dos americanos acredita firmemente na liberdade de expressão, e a morte de Floyd “tornou difícil para qualquer pessoa não ver os protestos como uma reação apropriada a um comportamento tão revoltante”.

Trump vem tendo rusgas com a NFL há décadas. Nos anos 1980, como proprietário de um clube na US Football League, uma tentativa de criar uma liga rival de futebol americano, ele liderou um movimento para abrir um processo antitruste contra a NFL, mas terminou embaraçado quando a vitória na causa lhe valeu uma indenização de US$ 3.

Em um comício político em setembro de 2017, Trump criticou severamente qualquer jogador que se ajoelhasse durante o hino, implorando aos donos de times da NFL que “tirassem esses [palavrão] do campo imediatamente”.

Mas em julho de 2020, ele reagiu a um período turbulento de 48 horas na NFL com o equivalente em mídia social de tirar sua bola do campo e ir embora para casa, tendo perdido a capacidade de intimidar a liga que comanda o esporte mais popular do país.

Em 3 de junho, em entrevista ao Yahoo Finance em um momento no qual muitos atletas negros estavam exigindo justiça racial, depois da morte de Floyd, o quarterback Drew Brees, do New Orleans Saints, essencialmente se alinhou a Trump, declarando que “jamais aceitarei que qualquer pessoa desrespeite a bandeira dos Estados Unidos ou o nosso país”.

O comentário dele soou como insensível para muita gente e atraiu respostas belicosas de colegas negros de equipe e outras pessoas da NFL, uma liga na qual três quartos dos atletas são negros. Um dia mais tarde, Brees pediu desculpas em uma mensagem no Instagram, dizendo que seus comentários haviam sido “insensíveis e completamente inapropriados”. Ele se retratou motivado aparentemente por uma mistura entre reflexão e a necessidade de se preservar.

Naquele momento, Roger Goodell, o comissário da NFL, também estava enfrentando intensa pressão dos jogadores negros que exigiam que ele declarasse sua rejeição ao racismo. Em um vídeo, ele encorajou protestos pacíficos e se desculpou por não ter dado atenção às preocupações sobre justiça social expressadas anteriormente.

Goodell foi severamente criticado por não mencionar o nome de Kaepernick. E Brees não colocou em risco sua carreira, como fez Kaepernick, que está fora da NFL há quatro temporadas.

Mas Harry Edwards, sociólogo que pesquisa sobre esportes, disse que era importante que os jogadores negros recebessem apoio e reconhecimento de seu sofrimento por um astro branco como Brees, e da parte de Goodell, comissário de uma liga na qual alguns proprietários de clubes importantes doaram milhões de dólares à campanha de Trump.

“É preciso coragem e caráter para declarar que você estava errado”, disse Edwards, consultor do 49ers que está envolvido em movimentos em defesa da justiça social há mais de meio século. “E isso fez com que Trump parecesse isolado."

Tradução de Paulo Migliacci

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