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Amigo e rival de Senna, argentino tem vida marcada por guerras

Enrique Mansilla correu contra o brasileiro nos anos 1980 e depois foi sequestrado

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São Paulo

Enrique Mansilla, 62, insiste em conversar em português, que ele fala com sotaque italiano apesar de ser argentino. Confunde algumas palavras, mas se comunica bem.

"Passei muito tempo com a torcida brasileira quando morei na Inglaterra. Entendo muito [a língua portuguesa]", afirma.

No final dos anos 1970 e início dos 1980, não convivia apenas com torcedores brasileiros, mas com pilotos também. Um em especial se destacava. Com Ayrton Senna, ele teve rivalidade, discussões, brigas e amizade que durou até a morte do tricampeão da F1, em maio de 1994.

"Houve uma vez em que ele me pegou pelo pescoço porque eu ganhei uma corrida. Ficamos muito tempo sem nos falarmos. Mas depois nos encontramos para conversar, nos abraçamos e fomos amigos", diz Quique Mansilla, hoje presidente da Copa Porsche na Argentina.

Mansilla começou a competir na Inglaterra em 1980, dois anos depois de enfim conseguir juntar dinheiro para entrar em uma escola de pilotos no país natal. Aproveitou-se de um programa que mandava para a Europa o aluno que mais se destacava e foi contratado no final daquele ano para a mesma equipe da Fórmula Ford em que estava o brasileiro Roberto Pupo Moreno.

"Passou algum tempo e apareceu o Chico Serra para apresentar um garoto. Era o Ayrton. Os brasileiros sempre ajudaram muito uns aos outros", relembra.

Mansilla diz que o conflito com Senna começou porque nas provas os dois, companheiros de equipe, disputavam posições, e seus carros costumavam se chocar de leve. Houve um acordo para evitar aquilo, mas Ayrton, segundo o argentino, não cumpriu. Na corrida seguinte, os dois se tocaram repetidas vezes, e Quique venceu.

"Ele me segurou pelo cangote porque dizia que não deveríamos bater uns nos outros. Era cara de pau", completa Mansilla, antes de cair na risada. Para evitar conflitos, a escuderia os dividiu em dois campeonatos da Fórmula Ford diferentes. Cada um ganhou o seu, e eles fizeram as pazes.

"No final de 1981 voltamos juntos para a América do Sul. Eu fui para Buenos Aires, ele para São Paulo. O Ayrton dizia que estava com problemas familiares e não sabia se iria voltar para a Inglaterra em 1982", conta o argentino.

Mansilla reconhece que todos já imaginavam o futuro de glórias de Senna. O brasileiro era mais jovem (faria 22 anos em março de 1982), mas já tinha mais experiência que a maioria dos concorrentes e era mais rápido do que quase todos. Ele voltou para a Inglaterra, venceu a Fórmula Ford 2000 e estreou na Fórmula 3.

Mas 1982 foi o ano em que a Guerra das Malvinas pôs fim ao sonho do argentino de chegar à F1.

"A guerra acabou com a minha carreira. Eu tinha patrocinadores ingleses que cortaram o contrato. Meus patrocinadores argentinos não conseguiam mandar dinheiro para mim na Inglaterra. Tive a ajuda de um patrocinador local. A McLaren me deu motores, um amigo do dono da equipe me deu os seguros. Foi muito difícil. Perdi o campeonato porque não tinha dinheiro", completa.

Mansilla se mudou para correr nos Estados Unidos em 1984. Todas as vezes que havia uma corrida da F1 no país, encontrava-se com Senna, o britânico Martin Brundle e outros pilotos do seu tempo de Fórmula Ford.

"A última vez que estive com Ayrton foi no GP de Phoenix, em 1989. Depois disso conversamos apenas por telefone, no meu aniversário ou no dele."

A Guerra das Malvinas não foi a única vez em que assuntos militares e guerras apareceram na vida de Mansilla.

Antes de entrar no curso de piloto, ele era soldado em um batalhão de depósitos de arsenais. Em dezembro de 1975, guerrilheiros invadiram o local.

"Houve um massacre. Morreram soldados e subversivos. Eu estava de guarda naquela noite e foram três ou quatro dias de combates, com disparos incessantes", afirma ele, citando o cenário de uma Argentina já convulsionada politicamente e que passaria por um golpe de estado no ano seguinte, com o início de regimes militares.

Na década seguinte, cansado das dificuldades econômicas, ele parou de correr em 1986 e se empregou em uma concessionária da BMW em San Francisco. Havia um cliente que era sócio de uma empresa de exploração de ouro e diamantes na Libéria e o convidou para trabalhar no país africano. Mansilla aceitou.

"Era uma oportunidade melhor. Uma aventura. Fiquei lá até 1993, quando me passou de tudo."

A Libéria vivia o período de sua primeira guerra civil. Diversos grupos armados disputavam o poder depois da morte do ditador Samuel Kanyon Doe. Mansilla e outros funcionários da empresa, que viviam em um hotel cinco estrelas, foram sequestrados por uma das facções e ficaram reféns por seis meses.

"Éramos seis estrangeiros. Americanos, belgas, alemães e eu. Só que eu entrei na África como americano, não como argentino. Eu dizia para eles 'Maradona!'. Eles sorriam e respondiam 'Maradona!'. Mas não resolvia nada. Era um sequestro político. Várias vezes pensei que ia morrer, mas o governo dos Estados Unidos interveio e [os guerrilheiros] nos soltaram. Não houve violência, nos trataram bem", conta.

Nem assim Quique deixou a Libéria. Continuou a trabalhar e alugou uma casa. Ter uma antena de rádio no teto o tornou alvo para grupos armados. Aquele era um equipamento valioso. Depois de receber informações de que sua vida estava em risco mais uma vez, resolveu voltar à Argentina.

Hoje, vive novamente do automobilismo. "Viajei ao Brasil em 2016 para entender como funciona a Copa Porsche. Em 2018 me tornei presidente desta categoria na Argentina. Estamos a consolidando, mas em 2020 se tornou impossível por causa da pandemia."

Sua maior aposta no esporte é o filho Dorian Mansilla, 19, que pilota na Porsche Super Cup. Para o pai, o importante é ele consolidar seu nome nas categorias de turismo, sem pensar em F1. Se conseguir isso e não passar por crises financeiras ou guerras, já será uma vitória.

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