Faixa de torcedor inspirou Lupicínio Rodrigues no hino do Grêmio

História de Salim Nigri, cuja família fugiu de perseguição antissemita, é contada em livro

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Porto Alegre

Tricolores sabem na ponta da língua os versos “com o Grêmio onde o Grêmio estiver”, do hino escrito em 1953 por Lupcínio Rodrigues, compositor negro e ícone da cultura gremista. A inspiração de Lupicínio veio de uma faixa que passou a acompanhar a torcida organizada cerca de uma década antes.

A faixa dizia, porém, “Com o Grêmio onde estiver o Grêmio”, na ordem inversa. “Ele só mudou a ordem para acertar a rima”, disse Salim Negri, o jovem torcedor judeu que levou a faixa para o estádio pela primeira vez. Negri morreu em 2010, aos 82 anos.

Agora, sua história é contada no livro “A Fonte” (AGE, 2020), do jornalista Léo Gerchmann. O autor já escreveu outras obras sobre a história do time, como “Coligay: Tricolor e de todas as cores” (Libretos, 2014), sobre a torcida gay do time, e “Somos Azuis, Pretos e Brancos” (L&PM, 2015), sobre a presença negra na equipe.

Faixa da torcida gremista levada ao estádio por Salim Nigri, em 1946, com os dizeres 'Com o Grêmio onde estiver o Grêmio',
Faixa da torcida gremista levada ao estádio por Salim Nigri, em 1946, com os dizeres 'Com o Grêmio onde estiver o Grêmio', - Reprodução do livro 'A Fonte'

A explicação para o título, segundo o autor, é óbvia. “Salim é a fonte de todo um sentimento de perseverança. Alguém que ficou cego muito jovem e tocou a vida adiante, fez coisas grandiosas e se comunicou muito”, diz Gerchmann.

A faixa não fez sua primeira aparição no estádio gremista, mas na casa de um adversário. Era 26 de maio de 1946. O tricolor enfrentou o Renner, no estádio Tiradentes, que não existe mais. O último jogo que o Grêmio disputou no Tiradentes foi em 1960.

Apesar da expectativa dos torcedores para incentivar o time na largada do campeonato, eles ficaram frustrados com o placar favorável ao Renner: 4 a 2. Os gols tricolores foram marcados pelo uruguaio Esteban Sanguinetti Vasquez e o argentino Moisés Beresi.

“Foi uma ducha fria. Mas felizmente a coisa engrenou, e conquistamos o título. A torcida vibrou como jamais havia vibrado", disse Nigri em depoimento reproduzido na biografia.

Judeu sefardita, seus pais tinham antepassados no Marrocos e Líbano. O pai, Alberto, foi um dos fundadores da sinagoga Centro Hebraico Riograndense, em 1922.

“Ele veio de uma família de imigrantes que fugiu da perseguição, como aqueles que chegaram ao país na época. O futebol dava a oportunidade de pertencimento, essa possibilidade de identificação com o clube, não necessariamente só com o Grêmio. Muita gente acabou se voltando ao futebol porque era uma forma de pertencer a alguma coisa e ter uma identificação”, afirma Gerchmann.

Quando era criança, Nigri chegou a sofrer com o antissemitistimo. O preconceito partiu de um professor do garoto, no Colégio Rosário, tradicional na capital gaúcha. “Um professor dizia na sala de aula que judeus tinham rabo. Aquilo o deixava confuso. Salim saía da aula intrigado. Entrava no banheiro e procurava o tal rabo, evidentemente sem nunca tê-lo encontrado. Foram anos de sofrimento”, escreveu o biógrafo.

O cantor e compositor Lupicínio Rodrigues segura o pedestal do microfone enquanto canta
O cantor e compositor Lupicínio Rodrigues - Acervo UH - 1959/Folhapress

O episódio colaborou para que seus pais o transferissem para um colégio público, o então renomado Colégio Júlio de Castilhos, próximo do Parque Farroupilha, conhecido pelos gaúchos como Redenção.

Foi ali que ele desenvolveu sua liderança e organizou as primeiras torcidas para empolgar as disputas esportivas estudantis. Aos 18 anos, se tornou bibliotecário do Grêmio e ajudou a criar o Departamento do Torcedor Gremista (DTG) durante a gestão do presidente José Gerbase.

O responsável pelo DTG seria Francisco Maineri, que incentivou o chargista Pompeo, da Folha da Tarde, a criar o Mosqueteiro, também um símbolo gremista. O Mosqueteiro nasceu em 1946, mesmo ano da faixa de Nigri.

“Se vocês olharem o Mosqueteiro da época, ele é barrigudão, tal qual o Francisco Maineri. Durante muitos anos eu guardei segredo disso, porque o Maineri era um homem sério”, relembra Nigri no depoimento resgatado pelo biógrafo.

O jovem torcedor judeu, que mais tarde ficaria cego por uma doença genética, estava satisfeito com o trabalho no clube. “Quando a torcida engrenou, comecei a arrecadar dinheiro para comprar foguetes. Tinha uma turma que colaborava comigo, que me ajudava a fazer as faixas”, recordou.

O esforço parecia dar resultado: “Esse foi meu grande ano no Grêmio; fui muito feliz, porque consegui fazer aquilo que eu queria, e o time ganhou o campeonato”.

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