Descrição de chapéu Tóquio 2020

Jogos de Tóquio não serão espaço livre para doping, diz presidente da Wada

Polonês Witold Banka reconhece que Covid-19 deu mais oportunidades para trapacear

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São Paulo

Em campanha para a presidência da Wada (Agência Mundial Antidoping) em 2018, o polonês Witold Banka, 36, chegou a dizer em entrevistas ter a pretensão de eliminar o uso de substâncias proibidas do esporte.

Depois de assumir o cargo, em 1º de janeiro de 2020, para um mandato de quatro anos, ele reconheceu que a meta não é viável. Do seu escritório em Varsóvia, em reuniões virtuais, o dirigente aposta em metas mais factíveis.

A principal delas é mostrar que a Olimpíada de Tóquio, em 2021, não será um paraíso para os atletas que planejam trapacear. O mandatário admite que a tentação pode ser grande para quem teve a preparação atrapalhada pela pandemia da Covid-19.

"A pandemia não vai ser um espaço livre para o doping. É uma oportunidade para tentar trapacear, mas não creio que o atleta que nunca se dopou pensará em fazer isso agora. Ninguém se torna um trapaceiro da noite para o dia. E esses são uma minoria, tenho certeza. Estaremos prontos", ele afirma em entrevista à Folha.

Witold Banka durante a 135ª Sessão do COI, em Lausanne, na Suiça, em 10 de janeiro de 2020 - Christophe Moratal/IOC

Banka diz que até outubro deste ano foram coletadas 21 mil amostras de sangue e urina de atletas ao redor do mundo. O número representa 80% do que seria esperado nessa época do ano, mas a ideia é recuperar nos próximos meses o prejuízo com os testes que não puderam ser feitos pelas restrições da pandemia.

O material coletado servirá como banco de dados a ser comparado com os testes durante a Olimpíada.

"Há lacunas em que podem acontecer problemas [de doping] e nosso trabalho é identificá-las antes dos Jogos. Temos monitorado o assunto, junto com as federações nacionais, para garantir que quem tem de ser testado será. Mesmo com a Covid-19 os atletas continuam sujeitos a testes", aponta.

Ele tenta também buscar mais recursos para a entidade, que tem orçamento anual de US$ 14 milhões. É pouco dinheiro, acredita o ex-corredor especialista nos 400 metros rasos (seu melhor resultado foi um bronze na prova de revezamento no Mundial de 2007) e que foi ministro do Esporte e Turismo do seu país de 2015 a 2019.

A entrevista aconteceu antes da decisão da CAS (Corte Arbitral do Esporte) da última quinta-feira (17), que reduziu o banimento da Rússia enquanto nação de competições internacionais, de quatro para dois anos.

A agência antidoping do país, a Rusada, havia recorrido da sanção mais dura imposta pela Wada. A punição se baseia em acusação de que o país teria usado a Rusada para fraudar exames de atletas.

Após a divulgação da CAS, Banka comemorou a vitória da Wada no caso, mas lamentou a diminuição do período de suspensão.

A agência mundial também vive conflito com outra potência do esporte. O presidente dos EUA, Donald Trump, sancionou neste mês a Lei Rodchenkov, que permite às autoridades do país investigar e punir casos de doping mesmo no exterior. A Wada se opõe a essa abrangência.

A lei leva o nome de Grigory Rodchenkov, antigo diretor do laboratório antidoping da Rússia que ajudou a montar o sistema de manipulação de amostras nos Jogos de Inverno de 2014, fugiu do país, tornou-se delator nos EUA e agora vive sob sistema de proteção.

O Congresso americano publicou em junho deste ano um relatório que critica a Wada por, na sua visão, ter sido lenta nas sanções à Rússia.

Há uma questão orçamentária em jogo. Os orçamentos liberados pelo governo americano para a Wada e a agência antidoping americana (Usada) estão sob a mesma rubrica, e as duas entidades disputam uma fatia maior da verba.

"Quero trabalhar de mãos dadas com as autoridades dos Estados Unidos, mas a colaboração precisa ser baseada no respeito mútuo. Há dificuldades no relacionamento. Quase 90% dos atletas americanos não competem sob o código antidoping. São mais de 500 mil esportistas, entre as ligas profissionais e universitárias. Esse é um enorme ponto fraco no controle antidoping deles", defende Banka.

Para tentar amenizar o que considera escassez de dinheiro da organização que comanda, ele tenta emplacar um fundo solidário de combate ao doping. Deseja que empresas privadas com patrocínios em competições e atletas de alto nível contribuam com o orçamento da Wada. Seu argumento é que, assim, ajudariam a tornar o esporte mais limpo.

"Você nunca sabe quando o crime vai acontecer. Nós não podemos eliminar em definitivo o doping do esporte, mas temos o dever de combatê-lo. Convencer o setor privado a colaborar é uma questão de responsabilidade. A ideia é ter um terceiro setor para financiar a Wada, em parcerias com organizações nacionais. Isso vai nos ajudar a aumentar nossa pesquisa científica", afirma.

Atualmente, as contribuições dos governos nacionais formam cerca de 50% do orçamento anual da entidade. A outra metade vem do COI (Comitê Olímpico Internacional), que também se opôs aos EUA na Lei Rodchenkov.

Sede do Comitê Olímpico da Rússia, em Moscou
Sede do Comitê Olímpico da Rússia, em Moscou - Maxim Shemetov - 2.nov.20/Reuters

Segundo a Wada, o Brasil pagou na última semana os US$ 156 mil que faltavam da sua contribuição anual de US$ 396 mil.

A briga por mais verbas é justificada pela expansão dos testes antidoping e uso de novos sistemas. Um deles é o batizado de DBS. Segundo Banka, com a tecnologia será possível obter resultados com amostras menores de sangue ou urina, utilizando equipamentos mais baratos e coletas mais frequentes.

É uma tentativa para colocar mais países debaixo do guarda-chuva da Wada. A entidade estima que, na Olimpíada do Rio-2016, 10% dos atletas que conquistaram medalhas são de nações onde o sistema antidoping foi considerado muito fraco ou inexistente. "A nossa prioridade é mudar isso. É uma lacuna que precisamos corrigir", diz o presidente.

No meio de todas essas questões, Banka tem mais uma para lidar: cada vez é mais forte o apelo para que drogas consideradas recreativas ou sociais sejam liberadas aos atletas. A NBA anunciou recentemente que deixará de fazer testes para maconha em seus jogadores.

A Wada não vai longe o bastante para dizer que substâncias como maconha ou cocaína deixarão de ser consideradas doping, mas o novo código da entidade prevê penas bem menores do que as impostas hoje em dia.

“Cannabis e cocaína, para dar dois exemplos, são substâncias usadas por razões não relacionadas ao esporte. Ninguém as utiliza para ter vantagem em competições. Nosso pensamento é fazer justiça. A suspensão nesses casos não deve ser longa. Acho que isso não cabe mais”, diz Banka.

Pelas novas regras, a partir de janeiro de 2021, se o atleta demonstrar que não houve intenção de trapacear, ganho esportivo, e se a substância tiver sido consumida fora do período de competições, a suspensão poderá cair de dois anos para três meses. Em caso de apelação, com novos exames, a pena poderá ser reduzida para um mês.

"Era o momento de adaptar as regras à realidade", conclui Banka.

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