Maradona que jogou com Messi sofreu pelo sobrenome e não vingou

Colega de Lionel na base do Newell's, Sergio atua hoje em ligas amadoras da Argentina

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São Paulo

Aqueles que o viram jogar são unânimes: era um craque. Na base do Newell's Old Boys, driblava os meninos de sua idade e marcava gols com uma facilidade espantosa. Tinha pinta de que jogaria na Europa.

Poderia ser a história de Lionel Messi, que deixou o Newell's ainda criança para cruzar o Atlântico e iniciar a sua trajetória no Barcelona. A linha tênue que separa o sucesso do fracasso está repleta de condicionais. E se Messi tivesse ficado no River Plate quando fez teste no clube? E se o Barcelona não pagasse por seu tratamento hormonal?

Para alguém que atingiu o topo, são fantasmas que já não assombram. Para quem não conseguiu dar o salto, porém, os vários "e se" rondam permanentemente a lembrança. Que o diga um garoto de talento indiscutível que poderia ter tido o mesmo destino do astro argentino.

"Se eu fosse Rodríguez, González, Acuña, teria chegado à Europa, aonde eu quisesse. O sobrenome jogou contra mim", diz Sergio Maradona, hoje com 32 anos, em entrevista à Folha por telefone.

Sergio Maradona no Newell's. Ele é o primeiro agachado, da direita para a esquerda, com a mão apoiada no gramado
Sergio Maradona no Newell's. Ele é o primeiro agachado, da direita para a esquerda, com a mão apoiada no gramado - Sergio Maradona/Arquivo pessoal

Carlos Morales, técnico que trabalhava nas categorias de base do Newell's, pescou o talento do jovem no modesto Union y Progreso, time amador da cidade de Rosario, e o levou para treinar no clube.

"Vê-lo jogar era algo maravilhoso. Um menino dotado de talento natural, similar ou melhor que Messi", afirma o treinador de 68 anos, atualmente aposentado do futebol.

Sergio pertencia à categoria 88 do Newell's. Messi, um ano mais velho, jogava pela categoria 87. Como os principais torneios de base eram divididos por ano de nascimento, eles não atuavam juntos com frequência.

Outras competições menos importantes do país, porém, permitiam a mescla de categorias.

"Disputamos um torneio em Villa Ramallo. Jogamos juntos e, óbvio, saímos campeões. Lionel foi o goleador, melhor jogador. Dei várias assistências para ele", conta Sergio. Apesar do sobrenome famoso, ele é destro e jogava com a 9 –Messi, claro, era o 10.

Fora de campo, mantinham amizade. O craque do Barcelona, eleito seis vezes o melhor do mundo, aparece em uma foto, já amarelada, durante a comemoração de um aniversário de Sergio. Na imagem, Messi olha sorrindo para o bolo, que tem um escudo do Newell's Old Boys no meio.

"Dei um pedaço de bolo a ele, espero que me devolva algum dia", brinca Maradona.

Sergio Maradona (centro) comemora aniversário com os amigos. À direita, Lionel Messi sorri enquanto olha para o bolo
Sergio Maradona (centro) comemora aniversário com os amigos. À direita, Lionel Messi sorri enquanto olha para o bolo - Sergio Maradona/Arquivo pessoal

Serginho, como Carlos Morales se refere ainda hoje ao jogador, começou a chamar a atenção da imprensa muito cedo. Jornalistas que assistiam ao Mundialito de Mar del Plata, em 2000, ouviram falar sobre um certo Maradona e acharam que se tratava de um apelido.

Morales, então, explicou a eles que de fato esse era seu sobrenome paterno. Um repórter do Diário Crónica perguntou ao técnico como jogava o menino. "Eu, do fundo da alma, disse: como Maradona", recorda o treinador.

Na semifinal do torneio, contra o Boca Juniors, a categoria 88 venceu por 4 a 1, com dois gols de Sergio. O bastante para o diário esportivo Olé estampar em sua capa, em 27 de janeiro daquele ano: "Chama-se Maradona". Na decisão contra o Aldosivi, o Newell's foi campeão nos pênaltis.

O que acontece para que a carreira de um adolescente com projeção tão fantástica não siga o curso que todos imaginavam? Para Morales, escolhas erradas pesaram.

O treinador diz que Sergio tinha problema de asma e que chegou a desmaiar durante um campeonato. Levou-o a um médico de Rosario para iniciar um tratamento. Os pais, contudo, não deram sequência.

Além da asma, Morales afirma que o jovem foi muito exposto aos holofotes. "Ele jogava no Newell's, no Union y Progreso, e seu pai o leva a todos os lados para exibi-lo", diz o técnico.

Um ano depois do título no Mundialito de Mar del Plata, o atleta deixou o Newell's para iniciar sua peregrinação pelo futebol.

Maradona passou em um teste no River Plate. Com a obrigação de estudar no clube, deixou Buenos Aires e voltou para casa. Passou também no Union de Santa Fe, mas se cansou "de passar fome" e foi embora.

Sergio chegou a estrear no profissional do Atlético Tucumán, na terceira divisão argentina, aos 18 anos. A expectativa com relação ao sobrenome, porém, era maior do que ele podia entregar, e o atleta admite que não estava inteiramente focado no futebol.

"As pessoas nunca vão entender que você não é Diego [Maradona]. Houve um boom pela questão do sobrenome, mas não estive à altura de tudo isso. Não pude absorver as críticas", conta.

Após o insucesso em Tucumán, o meio-campista tentou a sorte no futebol mexicano. Jogou em divisões inferiores do país, mas também teve problemas. No Alvinegros de Orizaba, brigou com o presidente após iniciar um relacionamento com a filha dele, que engravidou. Com o passe preso ao clube, ficou impedido de se transferir.

Começou a circular por ligas amadoras, onde ganhava algum dinheiro para se manter no México. Jogou pelo Mapaches de Nueva Italia, cujo mandatário, um narcotraficante, fazia parte do cartel de Michoacán. Com documentos falsos, Sergio passou a jogar sem o sobrenome famoso.

A equipe do argentino alcançou a decisão de um torneio regional, mas ele foi substituído e a equipe perdeu para o Michoacán B. Preocupado, achava que seria assassinado por ter falhado com seus chefes. Um dos donos do clube o tranquilizou, disse que não aconteceria nada a ele.

Dias depois, em uma ponte que cruzava a cidade de Nueva Italia, o técnico do Mapaches apareceu queimado dentro de sua caminhonete.

Era o que faltava para Sergio, que não falava com a família havia meses, retornar definitivamente à Argentina. Graças a alguns amigos, conseguiu viajar à Cidade do México e, de lá, voltou para casa.

A experiência mexicana e uma transferência frustrada para um clube da Bolívia convenceram Sergio Maradona de que sonhar com o futebol profissional não era mais viável. De volta a Rosario, onde mora em uma casinha nos fundos do campo do Union y Progreso, perambulou por times amadores de Santa Fé.

Hoje, ele defende o Club Atlético San Genaro, do município homônimo. Curiosamente, Gennaro é o nome do santo padroeiro de Nápoles, onde Diego Armando Maradona alcançou status de divindade.

Maradona em ação pelo Club Atlético San Genaro, time da província de Santa Fe. Ele joga com a 10 e se diz driblador
Maradona em ação pelo Club Atlético San Genaro, time da província de Santa Fe. Ele joga com a 10 e se diz driblador - Club Atletico San Genaro/Facebook

Sergio joga com a camisa 10 e diz que, com o dinheiro que recebe para disputar as ligas regionais, consegue se manter. Das memórias, guarda com carinho o período do Newell's.

"Quando você é criança, você desfruta. Isso muda quando entram os interesses, dinheiro. Vieram me buscar da Europa, mas meu pai não deixou que eu fosse. Poderia ter sido diferente, como aconteceu com Lionel... Hoje, não reclamo de nada. Foi muito lindo viver tudo isso. Mas a longo prazo, o sobrenome me pesou."

"O [fracasso] de Sergio é também um fracasso meu, porque não consegui resgatar esse garoto", lamenta Carlos Morales.

O problema de Sergio foi ser Maradona, mas não ser como ele.

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