Descrição de chapéu Maradona (1960-2020)

Último ato de Maradona no futebol foi marcado por mistério em La Plata

Astro comandou o Gimnasia ao completar 60 anos, mas quase ninguém pôde falar com ele

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La Plata

Os funcionários do Gimnasia y Esgrima La Plata receberam um aviso de última hora naquela sexta-feira, 30 de outubro: evitem falar com Diego Maradona.

Eles consideraram o pedido estranho porque o técnico, mesmo nos dias de pior humor, sempre fazia uma brincadeira e tratava os empregados do clube como se fossem jogadores da equipe que dirigia.

Alguns minutos depois, escoltado por policiais e em uma caravana de carros, o técnico chegou ao estádio Juan Carmelo Zerillo antes da partida com o Patronato. O confronto era válido pela Copa da Liga Profissional, agora rebatizada como Copa Diego Maradona.

No veículo utilitário branco que o levava estavam também o filho Diego Fernando Maradona, 7, e a mãe dele, Veronica Ojeda.

Três funcionários do estádio, ouvidos pela Folha na última terça-feira (1º), disseram que logo perceberam haver algo errado. Maradona precisou do amparo de um dos seguranças da agremiação, não esboçou reação quando ouviu gritos de torcedores que estavam na avenida 60, vizinha ao campo (ele sempre acenava), e caminhou de forma mais lenta que o habitual.

Os repórteres de TV que estavam no local receberam a mesma ordem. Não conversar com Maradona e muito menos entrevistá-lo. Ele sempre falava antes, no intervalo e após os jogos. Em partidas do Gimnasia, não havia outro entrevistado possível. Ainda mais no dia em que o técnico do time e maior ídolo do país completava 60 anos.

Maradona, amparado por Marcelo Tinelli (à dir.) e segurança do Gimnasia, deixa o campo após homenagem em 30 de outubro, dia do seu aniversário
Maradona, amparado por Marcelo Tinelli (à dir.) e segurança do Gimnasia, deixa o campo após homenagem em 30 de outubro, dia do seu aniversário - Alday Estevez-30.out.20/AFP

O colombiano Johan Carbonero, que faria um dos gols da vitória do Gimnasia por 3 a 0 sobre o Patronato, se aproximou para parabenizá-lo. Outros atletas repetiram o gesto, apesar do pedido para evitarem. Lucas Licht comentou com os roupeiros do clube que Maradona apenas balbuciou algumas palavras, mas que foi impossível entender o que disse.

Os funcionários do estádio que falaram com a reportagem pediram que seus nomes não fossem divulgados. Há uma ordem do presidente Gabriel Pellegrino, para que ninguém comente nada sobre o dia em que Diego Armando Maradona pisou em um campo de futebol pela última vez.

Depois disso ele foi internado para tratar um hematoma na cabeça, recebeu alta em 11 de novembro e morreu no dia 25, de insuficiência cardíaca e edema agudo no pulmão.

Hoje é consenso, mesmo entre os dirigentes do futebol argentino, que a presença de Maradona ali foi um erro.

O grande motivo para a insistência foi porque na ocasião seria feita uma homenagem da AFA (Associação Argentina de Futebol) pelo seu aniversário. Marcelo Tinelli, presidente da liga, apresentador de TV mais conhecido do país e amigo de longa data do ex-jogador, estava presente e lhe entregou uma placa comemorativa. Maradona o abraçou.

A presença dele também se devia a um compromisso publicitário com a YPF, estatal petrolífera argentina. A marca da empresa estava estampada na roupa que usava.

Rocio Oliva, ex-mulher do craque, disse que horas antes ele havia recebido a visita da filha Gianinna, 31, acompanhada do neto de Diego, Benjamín, 11. Gianinna ficou alarmada pelo estado de abatimento do pai e pediu que ele não fosse ao estádio.

Veronica Ojeda e o advogado Matías Morla insistiram, segundo a filha, pela presença de Maradona no estádio para a homenagem. Morla nega e afirma ter sido contra o evento. Veronica não comentou.

Os funcionários do estádio Juan Carmelo Zerillo contam que Diego sempre comentava, na chegada ou na hora de ir embora, quanto era bonita a região do local, apelidado de "El Bosque".

Eles se lembram de sua apresentação, em setembro de 2019, quando o novo treinador entrou pela mesma porta, também em um veículo utilitário (mas de cor preta) e puxou Pellegrino pelo braço para dizer "bonito isso aqui".

Ao entrar no campo naquele dia, com dificuldade de locomoção por causa de problemas crônicos nos joelhos e no tornozelos, Maradona chorou ao ver 24 mil pessoas presentes para recebê-lo. Passeou pelo campo em um carrinho de golfe.

"O amor que os argentinos têm por um ídolo nada supera. Hoje me senti no céu", disse, com o microfone na mão esquerda. Na direita, estava anel que ganhou de presente em Belarus ao ser contratado como presidente de honra do Dinamo Brest, em 2018. A joia estava avaliada em 300 mil euros (cerca de R$ 1,8 milhão).

Em sua aparição antes da partida contra o Patronato, ele não usava o anel.

O estádio fica encravado no Paseo del Bosque (Passeio do Bosque), uma área de 600 mil metros quadrados, o maior parque de La Plata.

No derradeiro jogo de sua vida, Maradona passou 20 minutos sentado à beira do campo e depois pediu para ir embora. Isso surpreendeu os funcionários que o viram sair tão cedo e até os jogadores, no intervalo, ao chegarem ao vestiário. A explicação dada foi apenas de que o técnico "precisava descansar".

Diante da observação de pessoas próximas a Diego sobre ele vir consumindo muito álcool nos últimos tempos, funcionários e um jogador do Gimnasia disseram jamais terem percebido algo anormal em seu comportamento. Ele apenas falava das dores que sentia.

As palavras de incentivo no intervalo e após as partidas eram as maiores contribuições de Maradona ao time. Sua presença como treinador não deixava de ser uma jogada de marketing do Gimnasia.

O ídolo queria estar perto do futebol e assim se despediu, sem saber, das torcidas em vários locais da Argentina em partidas do campeonato local. Foi uma turnê do adeus. O técnico de fato do time era Sebastian Méndez, que pediu demissão no final da semana passada.

Fundado em 1887, o Gimnasia é o clube mais antigo do país e se considera o time do povo de La Plata. Tem apenas um título argentino, em 1929.

Em uma imagem que casa bem com a de Maradona, seus torcedores consideram estar em eterno conflito com a elite do país, que seria representada pelo outro time da cidade, o Estudiantes. Este sim vencedor: seis títulos argentinos, quatro da Libertadores e um Mundial.

"Não tenho um centavo e entro mesmo assim", é o que diz o desenho na parede do Juan Carmelo Zerillo, ao lado da bilheteria, na entrada pela avenida Centenário.

"A vida de Diego foi um ciclo. Ele saiu de Villa Fiorito para conquistar o mundo, voltou para a Argentina e morreu em uma mansão em Tigre, a 20 quilômetros do estádio do Gimnasia, sua última casa no futebol", afirma Guillermo Branco, que conheceu Maradona aos 13 anos e foi seu assessor de imprensa até 1987.

No portão principal do clube, próximo ao que ele usava todas as vezes para entrar, a torcida do Gimnasia colocou na semana passada uma faixa em que Maradona está pintado ao lado da mãe, dona Tota, com a frase: "Maria criou Jesus e Tota criou Deus".

Dos dois lados, há resquícios das velas que foram acesas. Centenas de pessoas com a camisa do time fizeram passeata pelas ruas de La Plata no dia de sua morte.

Passaram em frente à Igreja de São Francisco de Assis, onde em 1946 aconteceu o casamento mais famoso da história da Argentina, entre o presidente Juan Domingo Perón e Evita. Maradona sempre disse ser peronista.

A três quilômetros da igreja está o estádio Juan Carmelo Zerillo, onde Diego viveu seu último momento com o futebol

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