Abel repete Jesus no Fla e entra na história do Palmeiras em tempo recorde

Técnico português se sagra campeão da América em pouco menos de três meses

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Rio de Janeiro

Abel Ferreira ainda não sabia disso, mas a vitória de seu PAOK sobre o Benfica de Jorge Jesus, na terceira fase preliminar da Champions League, em setembro do ano passado, foi como um rito de passagem.

Metaforicamente, o sucesso diante do técnico campeão da Libertadores com o Flamengo abriu a porta para que ele seguisse pelo mesmo caminho. Jesus representava um passado recente vitorioso no Brasil, e seu compatriota Abel, a continuação do sucesso lusitano em terra brasilis.

Campeão da América, o Palmeiras determina pelo segundo ano consecutivo que o idioma futebolístico reinante no continente é o português, que mistura as diferentes linguagens do Brasil, presentes em seus jogadores e na sua torcida, com o inconfundível sotaque de Portugal, característica natural de seu treinador.

Pela primeira vez na história da Copa Libertadores, técnicos estrangeiros de um mesmo país são campeões, de forma consecutiva, por dois clubes diferentes. A dobradinha portuguesa ainda não é suficiente para ser chamada de domínio, mas certamente marca uma tendência. Que também, por consequência, dá lugar ao modismo de contratar simplesmente por ser estrangeiro ou falar outro idioma.

Na esteira do sucesso de Jorge Jesus com o Flamengo, outros clubes brasileiros foram atrás de portugueses para comandarem suas equipes.

O Santos foi atrás de Jesualdo Ferreira, que treinou Abel no Braga e é uma referência para o agora técnico palmeirense. Augusto Inácio começou 2020 no Avaí e Ricardo Sá Pinto assumiu o Vasco. Nenhum deles, porém, conseguiu repetir o impacto de Jorge Jesus —foram demitidos com baixo desempenho.

Somente Abel Ferreira continuou, com sucesso, a linha de sucessão estabelecida por Jesus, e em tempo menor que seu compatriota.

Da contratação em novembro ao título da Libertadores, no Maracanã, foram pouco menos de três meses. E ainda há a possibilidade de levantar a taça da Copa do Brasil.

Curioso imaginar que, quando eliminou o Benfica na Champions, o português de 42 anos não era a prioridade do clube alviverde para substituir Vanderlei Luxemburgo. Nem o título do Campeonato Paulista sobre o rival Corinthians manteve o então treinador após uma sequência de resultados ruins no Campeonato Brasileiro.

O principal alvo palmeirense era Miguel Ángel Ramírez, no Independiente Del Valle (EQU). Com o espanhol, a diretoria buscava para o time uma forma de jogar que, além de competitiva, fosse também atraente aos olhos do torcedor.

Mas Ramírez pediu ao Palmeiras algo que o clube não estava disposto a lhe oferecer: tempo. O treinador, que chegou em 2018 ao Del Valle e implementou no jogo dos equatorianos a escola posicional, queria vir ao Brasil só depois que sua equipe encerrasse a participação na Libertadores. Justamente o torneio que os alviverdes, entre dirigentes e torcedores, sonhavam em reconquistar há duas décadas.

A impaciência com as exigências de Miguel Ángel Ramírez renovou a busca por técnicos. Era preciso, entretanto, que fosse estrangeiro.

Com investidas frustradas no mercado sul-americano, a bola da vez passou a ser Abel Ferreira. No entendimento da diretoria, o português reunia características que casavam com o perfil da equipe, especialmente o aproveitamento de jovens atletas formados no clube, e que seria capaz de fazer o time competitivo. Deu casamento.

Sob o comando de Abel, Gabriel Menino, de apenas 20 anos, demonstrou maturidade tática de jogadores com carreira consolidada. Meia de origem, ele cumpriu todas as funções pelo lado direito na temporada, inclusive a de lateral em uma linha de cinco, estratégia usada contra o River Plate (ARG) na semifinal da Libertadores.

Outros jovens como Patrick de Paula, 20, e Danilo, 19, também tiveram momentos de protagonismo com o português, assim como o meia-atacante Raphael Veiga. Contratado em 2017, Veiga só conseguiu manter uma sequência de atuações na atual temporada e viu seu futebol melhorar consideravelmente com a chegada do novo treinador.

Mas quem mais se beneficiou da chegada de Abel Ferreira ao Palestra Itália foi o atacante Rony. O atleta, que custou R$ 28 milhões, foi um dos poucos reforços para a temporada, mas o alto valor investido para tirá-lo do Athletico começou a perseguir o desempenho do jogador.

Em nove meses de Palmeiras, e utilizado basicamente como um ponta pelo lado direito do campo, Rony não marcou nenhum gol. A seca terminou somente na goleada por 5 a 0 sobre o Bolívar (BOL), no Allianz, pela fase de grupos da Libertadores, ainda com Luxemburgo no comando.

A partir do trabalho do português, porém, o atacante confirmou a aposta em sua contratação. Abel o tirou do lado para colocá-lo mais centralizado, e a mudança potencializou o jogo do paraense. Na arrancada até a final do torneio continental, Rony se tornou o artilheiro alviverde e o melhor assistente da equipe na competição.

Mesmo o contestado zagueiro Luan atingiu maior regularidade com o técnico e passou a ser peça importante na construção, com passes verticais capazes de achar os companheiros de ataque de forma mais direta.

Quando alguns jogadores mostram evolução significativa no rendimento e atletas que não vinham rendendo passam a apresentar bom futebol, não pode ser só coincidência. Se viável diante do que se tem à disposição, além de assimilada pelo grupo, uma ideia coletiva de jogar futebol acaba por desenvolver as qualidades individuais dos jogadores.

"Tem coisas que não podemos controlar. Com e sem bola, minha função e missão é ensinar o jogo, fazer com que eles interpretem o que está passando no campo. E que desfrutem de maneira consciente. Que saibam o que estão fazendo", disse Abel Ferreira, após a vitória por 3 a 0 sobre o River Plate na semifinal, em Avellaneda.

Inevitável pensar que o sucesso do português na América do Sul, assim como ocorreu com Jorge Jesus, chame a atenção de clubes do exterior interessados em contar com o técnico. Afinal, depois de trabalhos com as equipes profissionais de Braga e PAOK, o Palmeiras foi certamente a instituição de maior envergadura na carreira do jovem treinador.

Em setembro, mesmo sem saber, Abel Ferreira era o futuro do Palmeiras. A partir de agora, está na história.

Abel Ferreira comemora conquista da Libertadores da América
Abel Ferreira comemora conquista da Libertadores da América - Ricardo Moraes/Pool/AFP
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