Descrição de chapéu The New York Times

Americana quer inspirar e fazer história no snowboard após perder um braço

Kiana Clay tenta acelerar caminho para sua modalidade nos Jogos Paraolímpicos de Inverno

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Shauna Farnell
The New York Times

Quando Kiana Clay usa o teleférico que leva os atletas ao topo da encosta, em provas de snowboard, ela se acomoda na parte esquerda do assento, para que possa usar seu único braço que funciona para descer no final do percurso. No momento de desembarcar, ela pisa em sua prancha, a aponta montanha abaixo e ganha velocidade.

Muita velocidade.

Clay conquistou muitas posições elevadas em provas de classificação, como parte de seu esforço para participar dos Jogos Paralímpicos de Inverno em Pequim, em 2022, e recente se tornou a primeira “snowboarder” da categoria paralímpica a ser contratada pela Burton Team, uma das melhores equipes de snowboard do esporte, cujos integrantes já incluíram atletas olímpicos como Kelly Clark, Chloe Kim e Shaun White.

A atleta de snowboard Kiana Clay na pista da Montanha Copper, no Colorado (EUA)
A atleta de snowboard Kiana Clay na pista da Montanha Copper, no Colorado (EUA) - James Stukenberg - 20.jan.21/The New York Times

“O que me impressionou de imediato em Kiana é que ela percebe de que maneira seu trabalho pode beneficiar os outros”, disse Donna Carpenter, a proprietária da Burton, fabricante de snowboards, que patrocina a equipe. “Ela tem aquela determinação persistente, sempre de olho no objetivo, que aprendemos a reconhecer nos bons atletas."

Carpenter descobriu a existência de Clay quando esta fez uma palestra em uma conferência nacional de mulheres esportistas nos Estados Unidos, e ficou impressionada.

“A fala dela foi muito poderosa, vinda de um pacote tão pequeno”, disse Carpenter. “Quando ela falou sobre redescobrir seu propósito no snowboard, e da sensação de liberdade que isso lhe havia propiciado, decidi que tinha de entrar em contato com Clay."

A presença da atleta nos próximos Jogos Paraolímpicos de Inverno está longe de garantida, mas não por conta de seu desempenho. A categoria em que ela compete, o snowboard feminino para atletas com deficiências nos membros superiores, só deve se tornar parte dos Jogos Paralímpicos em 2026, no norte da Itália, porque no momento o número de atletas é insuficiente.

Mas Clay, 26, lidera uma campanha que está circulando uma petição pela inclusão da modalidade nos jogos de Pequim, em 2022.

“Realmente precisamos da presença da categoria na próxima Olimpíada”, ela disse. “Se existir uma menininha que não tenha um membro superior, que se sinta restringida, que se sinta incapaz de fazer alguma coisa, precisamos encorajar a próxima geração, tornar o futuro possível para ela."

As disputas organizadas pela World Para Snowboarding, a organização internacional do esporte, incluem essa categoria, para mulheres, e Clay é uma das poucas americanas que compete na modalidade em nível internacional. Numerosas outras nações, entre as quais a China, têm diversas snowboarders na categoria de atletas desprovidas do uso de membros superiores.

A atleta Kiana Klay treina na pista da Montanha Copper, no Colorado Estados Unidos
A atleta Kiana Klay treina na pista da Montanha Copper, no Colorado Estados Unidos - James Stukenberg - 21.jan.21/The New York Times

“É a maior categoria do lado masculino do esporte, e está crescendo do lado feminino”, disse Daniel Gale, diretor executivo da Adaptive Action Sports, uma organização sediada no Colorado que estimula pessoas que tenham deficiências físicas a praticar esportes de ação, e ajudou a incluir o snowboard nos Jogos Paralímpicos de 2014, na Rússia.

“Se a Covid-19 não tivesse interrompido nossa temporada no ano passado, teríamos tido a oportunidade demonstrar que existe um número suficiente de mulheres para que a competição seja realizada."

No final de 2020, Clay foi a nona colocada no ranking mundial de sua categoria, e a atleta americana mais bem classificada, embora seja nova na modalidade e tenha participado de poucas competições até agora. Ela ficou perto de uma posição no pódio, terminando em quarto lugar em seu mais recente torneio da Copa do Mundo de snowboard, no ano passado.

Clay cresceu em San Diego, e buscava a velocidade de toda maneira possível –no ciclismo, skate, patins. Ela ganhou sua primeira motocicleta aos sete anos de idade, e quando chegou à adolescência já competia em provas de motocross. Foi uma era de pico para o motocross feminino, e ela disputava provas em todo o território dos Estados Unidos, terminando em terceiro lugar entre as garotas e garotos de sua categoria de idade.

Então, aos 12 anos, competindo no Texas em um dia chuvoso, ela caiu quando sua moto derrapou depois de um salto. A roda da frente de outro concorrente atingiu seu pescoço no final de um salto. Clay acordou em uma maca e descobriu que tinha perdido o uso de seu braço dominante, o direito.

Ela havia sofrido uma lesão no pescoço que afetou o plexo braquial. Poucas semanas mais tarde, Clay estava com o pai no carro e eles foram atingidos por um motorista bêbado; a picape em que viajavam capotou. Qualquer esperança que ela tivesse de recuperar o uso do braço desapareceu, mesmo depois de uma cirurgia de 14 horas de duração para enxerto de nervos.

Ela a aprendeu a escrever com a mão esquerda, a jogar videogames com os pés e a fazer um rabo de cavalo com a ajuda de uma maçaneta. Todos os seus anos de ginásio e segundo grau foram dedicados a tentar todo tipo de esporte e atividade –atletismo, arte, canto, cheerleading–, em um esforço para se redefinir e vislumbrar um futuro diferente daquele que ela havia antevisto como piloto profissional de motocross.

Foi só no curso superior, na Universidade Batista de Dallas, que Clay voltou a usar uma motocicleta.

“Eu me apanhei voltando muitas vezes à pista de motocross”, ela disse. “Um amigo sugeriu que preparássemos uma moto especial que eu pudesse guiar com uma mão só. Montei naquela moto e só desci oito ou nove horas mais tarde. Gastamos três tanques de gasolina. A pista ainda me dava a mesma sensação, um sentimento louco de paz. Eu defino como terapia da aceleração. Se eu não tivesse voltado à moto, não teria decidido experimentar o snowboard."

Logo começaram a circular notícias sobre a mulher de 1,58 meto de altura que pilotava uma moto em provas de cross com apenas um braço.

Seguindo as orientações de Clay, designers criaram botas especiais que ela pode amarrar sem precisar de laços, e jaquetas com zíperes diagonais que podem ser administradas facilmente com uma mão só e tendo apenas a manga esquerda, porque Clay pilota com o braço direito amarrado firmemente ao corpo, sob a jaqueta.

Se o seu braço não for amarrado, “ele oscila para todo lado como uma bandeira”, disse Clay, o que prejudica seu equilíbrio enquanto ela salta e participa de corridas. O braço inativo também gera outros perigos. Depois de uma queda recente em uma pista de cross, que a arremessou por sobre o guidão, Clay percebeu que sua mão direita estava azulada, quase preta, dois dias mais tarde. Quando foi ao médico, descobriu que seu pulso tinha uma fratura.

Durante o ano, ela pretende passar por uma cirurgia que amputará seu braço abaixo do cotovelo.

“A marca que eu gostaria de deixar é não só em favor das pessoas com deficiências físicas, mas a de ajudar para que cada ser humano compreenda que a única limitação que eles têm está neles mesmos”, disse Clay. “Quero ajudar as pessoas a verem mais longe, a perceberem seu potencial e do que seriam capazes se estiverem dispostas a se esforçar."

Tradução de Paulo Migliacci

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