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Otavio Valle

Depoimento: Verei com mamãe, santista, meu Verdão na final da Libertadores

Nunca assistimos a uma partida decisiva entre Palmeiras e Santos juntos

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São Paulo

Minha mãe é santista, e meu pai, corintiano. Mas, graças a um irmão de minha mãe, o saudoso Tio Gegê, saí palmeirense e jornalista.

Além de me contaminar com o “sentimento verde”, Gegê, que labutou nas fileiras do Notícias Populares durante as décadas de 1960 e 1970, deixou ainda em mim, o vírus do jornalismo —para o qual nunca inventaram uma vacina ou algo parecido.

Em 1978, me sentia em dúvida entre o Verdão ou o Peixe de mamãe. O Santos tinha os “Meninos da Vila”. Timaço que encantou todo o mundo. Pita, Juary, Nilton Batata e João Paulo. Eram os tempos do “Futebol Cards”, figurinhas em cartões do chiclete Ping Pong, febre entre a molecada e alegria dos dentistas. Eu ostentava orgulhoso o time completo de cards do Santos.

Àquela altura, meu coração estava pendendo para os lados praianos. A paixão de minha mãe pelo Santos era contagiante. Nos divertimos na noite em que ela quebrou um lustre da sala de casa, ao comemorar um gol do Santos, pelas finais do Paulista de 1978. Após Juary anotar uns dos gols peixeiros, mamãe chutou a sandália, que foi direto ao lustre, espatifando a luminária no chão.

Homem com camisa do Palmeiras ao lado de senhora com camisa do Santos
O editor-adjunto de imagem da Folha, o palmeirense Otavio Valle, 48, com a sua mãe, Marly Valle, 84; pela primeira vez, os dois vão assistir juntos a uma final entre Santos e Palmeiras - Arquivo Pessoal

Mas Murilo, meu irmão mais velho, já convertido ao palmeirismo pelo meu tio, me conduziu de vez para o lado verde da força. A indelével experiência das arquibancadas não deixou dúvidas.

Enfrentei a seca dos anos 1980, o que só aumentou meu amor pelo Verdão. Uma paixão consumada em 12 de junho de 1993, com quatro petelecos sobre o arquirrival Corinthians na final.

Mas a intensa paixão alvinegra de mamãe nunca me permitiu torcer contra o Santos. Exceção à regra são partidas do Peixe contra o Palestra. A exemplo das dramáticas finais da Copa do Brasil de 2015 ou, agora, da decisão da Libertadores de 2020.

Em 2015, trabalhava como editor de fotografia do Agora, jornal publicado pelo Grupo Folha. Na primeira partida da final, o Palmeiras perdia por um gol e não via a cor da bola. Na dezena de monitores ligados na redação, tudo o que se ouvia era: Fernando Prass.

Com o coração saindo pela boca, fui até o meu então editor, Nilson Camargo, e disse que estava prestes a ter um piripaque. Iria esperar até o fim da partida no décimo andar do prédio da Folha. Imaginei que ficaria sossegado no aprazível terraço do jornal, longe dos aparelhos de TV e dos sinais de internet.

Pelos meu cálculos o jogo tinha acabado, quando ouvi uma cascata de rojões e fogos. Morrendo de ansiedade, desci correndo os lances de escada até o quarto andar, onde fica a redação. Para minha felicidade, vi o palmeirense Daniel Mobília comemorando.

Um outro Nilson, este atacante do Santos, perdera um gol sem goleiro. A infelicidade do boleiro manteve o Palmeiras vivo, e na outra semana um épico Fernando Prass garantiu o título do Verdão nesta inesquecível final contra o Peixe.

Neste sábado, assistirei à final da Libertadores com minha mãe. Nunca vimos uma final ou partida decisiva entre Palestra e Santos juntos. Como a mamãe é pé quente, só espero que a paixão pelo filho fale mais alto, e ela torça para eu não ficar triste! Juntos, só vamos torcer para que a vacina chegue logo.

Otavio Valle é editor-adjunto de imagem da Folha

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