Descrição de chapéu The New York Times

Australian Open testa ansiedade de tenistas e moradores do país na pandemia

Torneio tem início previsto para esta segunda (8) após dúvidas sobre sua realização

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Karen Crouse
The New York Times

Das margens do rio Yarra às vindimas da península de Mornington, as notícias que surgiram do escaldante Melbourne Park causaram arrepios em todo o estado australiano de Victoria.

Um trabalhador de um dos hotéis em que tenistas estiveram de quarentena antes do Australian Open foi identificado como portador do coronavírus.

O anúncio, feito na noite de quarta-feira (3), despertou lembranças incômodas para os moradores de Melbourne, que já tiveram de suportar três lockdowns, entre os quais um que durou 111 dias, a fim de controlar com sucesso o coronavírus.

“Não existe motivo para que as pessoas entrem em pânico”, disse Daniel Andrews, o primeiro-ministro do estado de Victoria, na quinta-feira.

Mas em muitos círculos da cidade, o botão de pânico já havia sido acionado. O primeiro dos grandes torneios anuais de tênis é a joia na coroa do calendário esportivo australiano, mas mesmo antes que o resultado positivo do exame do trabalhador pusesse fim aos 28 dias sem qualquer contágio comunitário registrado no estado, os australianos já pareciam relutantes em levar adiante o torneio.

Ian Hickie, professor de psicologia na Universidade de Sydney, disse que a Austrália fechou o acesso ao país no ano passado –a um custo tremendo para sua economia e para a saúde mental de sua população– “para que fôssemos poupados do desastre de saúde física que a América do Norte, a Europa e a América do Sul tiveram de enfrentar”.

Correr o risco de comprometer os resultados obtidos com tamanho sacrifício “simplesmente não faz sentido, a não ser para alguns interesses empresariais muito restritos”, ele disse, acrescentando que “creio que seria justo afirmar que a maior parte das pessoas está furiosa por o torneio ter ido em frente”.

As seções de cartas dos jornais australianos nas últimas semanas se tornaram um coro grego de leitores se queixando da hipocrisia de acolher visitantes internacionais enquanto cidadãos australianos que estão fora do país continuam impedidos de retornar, e da dissonância entre pregar saúde pública e segurança mas ao mesmo tempo decidir priorizar um evento internacional importante.

Os organizadores do torneio planejaram admitir até 30 mil torcedores pagantes por dia, no local do torneio, mas o resultado positivo do exame do funcionário do hotel levou alguns dos espectadores a pedir a restituição de seu dinheiro, via Twitter.

Seis eventos preparatórios para tenistas que aconteceriam no Melbourne Park foram suspensos na quinta-feira, com as partidas transferidas para a sexta. Eles terminaram neste domingo (7).

O sorteio das chaves do Australian Open também foi adiado por um dia, para a sexta-feira. Craig Tiley, presidente-executivo da Tennis Australia, a federação australiana do esporte, continuou determinado a manter o início do torneio para a data marcada, esta segunda-feira (8).

“O que está em questão não é o risco”, disse Tiley. “Não existe risco zero. Sempre haverá risco. O objetivo é minimizá-lo o máximo que pudermos."

As restrições a viagens para um país cercado de água ajudaram a Austrália a impor controle sobre o vírus, em termos gerais, e em mantê-lo controlado.

Havia 52 casos ativos de coronavírus no país, na quinta-feira, e nove pessoas hospitalizadas. Com uma população de 25,8 milhões de habitantes –quatro milhões mais alta que a da Flórida—, a Austrália registrou até agora 28.838 casos de contágio e 909 mortes relacionadas ao vírus.

Que mais de 1,2 mil visitantes associados ao Australian Open, entre os quais diversos vindos de países nos quais as variantes do vírus provaram ser mais transmissíveis, tenham sido autorizados a ingressar na Austrália é causa de irritação para Hickie.

“Nossa coesão social e cooperação não é algo que possa ser comprado, e o senso de que algumas pessoas são mais importantes do que outras não é um conceito muito australiano”, ele disse.

Na metade de janeiro, os jogadores se acomodaram para suas quarentenas compulsórias de 14 dias —alguns com mais satisfação do que outros.

Os australianos pareciam divididos. Alguns apoiam o tênis e as autoridades do governo que consideram o evento no estado de Victoria como algo libertador, que resgatará o esporte internacional da tirania da pandemia.

Outros acreditam que a posição da Austrália como um dos países de maior sucesso no combate ao vírus acarreta mais prestígio do que servir como um dos quatro países sede de torneios de Grand Slam do tênis.

Jogo de tênis com poucos espectadores nas arquibancadas
O Melbourne Park recebeu seis torneios simultâneos na última semana, como preparação para o Slam - Kelly Defina - 6.fev.21/Reuters

No domingo, Perth, na Austrália Ocidental, deu início a cinco dias de lockdown depois que o trabalhador de um hotel usado para quarentena foi identificado como portador do vírus. Três dias mais tarde, o australiano Nick Kyrgios, 47º colocado no ranking masculino, que ficou sem jogar em 2020, depois de fevereiro, foi questionado sobre estar preocupado com a possibilidade de que coisa semelhante acontecesse em Melbourne.

“Sim. Melhor acrescentar que não quero que aconteça em lugar algum”, disse Kyrgios, dizendo que “existe muito risco em tudo isso. Não compreendo o que é tão difícil de entender, para os tenistas. Afinal, você é só um jogador de tênis, sabe? Não é uma questão de vida e morte, como a pandemia é."

Poucas horas depois do pronunciamento de Kyrgios, Andrews anunciou restrições mais severas em Victoria, mas não chegou a ordenar um lockdown.

Ele estabeleceu um limite de no máximo 15 pessoas para reuniões sociais em casa, tornou obrigatório o uso de máscaras em ambientes fechados e adiou a expansão nos limites de ocupação dos escritórios, que originalmente estava marcada para a semana que vem.

“Estamos falando de um caso apenas. Não existe motivo para que as pessoas se sintam alarmadas”, ele disse.

Em uma entrevista por vídeo durante a quarentena, Tiley afirmou que os momentos sombrios de isolamento em breve seriam seguidos por um evento que entreteria os torcedores, e o faria de maneira segura.

“No fim, as pessoas dirão que nem acreditam que conseguimos fazer isso, e esse é o momento para o qual estamos trabalhando”, disse Tiley. “Se tivermos interrupções graves que nos impeçam de chegar a esse ponto, será um infortúnio. Mas não creio que isso vá acontecer”.

Tradução de Paulo Migliacci

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