Após 14 dias confinado, brasileiro tenta levar ilha do Caribe à Copa

Leonardo Neiva já rodou o mundo como técnico e vive situação inédita em São Cristóvão e Névis

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São Paulo

Há quase um mês, Leonardo Neiva pôde enfim sair da quarentena obrigatória. Foram 14 dias de trabalho no computador, confinado no quarto do hotel, planejando a missão de levar sua seleção à Copa do Mundo do Qatar, em 2022.

O carioca de 43 anos é técnico de São Cristóvão e Névis, nação caribenha dividida em duas ilhas que dão nome ao país. Filiada à Concacaf, a federação nacional contratou o brasileiro para tentar a inédita classificação ao Mundial, além da montagem de um plano de desenvolvimento do futebol local.

Destino exótico, não fosse o currículo peculiar de Neiva. Desde que iniciou a carreira de treinador, seu passaporte futebolístico já ganhou carimbos de Jamaica, Tanzânia, África do Sul, Tailândia e Mianmar.

"Fora os países que recusei. Se tivesse aceitado tudo, teria ainda Iraque, Botsuana, Emirados Árabes e China", diz o brasileiro, em entrevista à Folha.

Leonardo Neiva assumiu recentemente o comando de São Cristóvão e Névis, no Caribe
Leonardo Neiva assumiu recentemente o comando de São Cristóvão e Névis, no Caribe - Arquivo Pessoal

"Cada país tem a sua cultura, mas como sou um cara do mundo, já me acostumei a rodar. Eu rodo mais fora porque os melhores convites, com estrutura fora e dentro de campo, são geralmente do exterior. Eu tenho condição de atuar na primeira divisão dos países, em times grandes, com estádios lotados. E o nível é muito bom", afirma o técnico, que vive na capital Basseterre, na ilha de São Cristóvão.

Ex-jogador profissional, Neiva encerrou a carreira aos 24 anos de idade para se dedicar aos estudos. Fez faculdade e se formou em Educação Física com a ideia de seguir ligado ao futebol.

Em 2007, foi auziliar técnico do América-RJ na Série C do Campeonato Brasileiro. Com o encerramento da competição, deu início ao seu périplo pelos quatro cantos do mundo, com alguns retornos breves ao Brasil, onde trabalhou também no Bonsucesso-RJ, no Atlético Itapemirim-ES e na Francana-SP.

A primeira parada no exterior foi na África do Sul para trabalhar com categorias de base, em 2008, às vésperas da Copa do Mundo no país.

Com diploma da Licença Pro da CBF, tem entre seus principais títulos a conquista da primeira divisão da Jamaica, com o Montego Bay United na temporada 2015/2016.

Das situações mais inusitadas que lembra ter vivido nos diferentes países, uma chamou sua atenção: dar treinos às 5h da manhã para jovens em Mianmar. De acordo com a determinação do clube em que trabalhava, os atletas precisavam treinar antes de irem para a escola. Depois de convencer os dirigentes, o brasileiro conseguiu levar as sessões para a parte da tarde.

Agora, o desafio do viajado técnico é levar São Cristóvão e Névis –140ª seleção no ranking Fifa– à primeira Copa do Mundo de sua história.

"Tecnicamente eles [os são-cristovenses] são jogadores interessantes, têm potencial, são habilidosos. Até porque no Caribe, nessa região, são descendentes de africanos. Considero o Caribe como se fosse uma segunda África, até pela questão genética e cultural. Mas com certeza, na questão tática, têm o que melhorar", analisa o treinador, que completou sua quinta semana no país.

O principal destaque da equipe nacional é o meio-campista Romaine Sawyers, 29, que joga no West Bromwich, na Premier League inglesa.

A seleção está no Grupo F da primeira fase das Eliminatórias da Concacaf, ao lado de Bahamas, Guiana, Porto Rico e Trinidad e Tobago. A estreia na competição está marcada para o próximo dia 24, contra os porto-riquenhos.

O líder de cada grupo se classifica à próxima fase, na qual encontram as principais seleções centro-americanas, como Costa Rica, Honduras, México e Estados Unidos.

O técnico na época em que comandou o Young Africans, da Tanzânia
O técnico na época em que comandou o Young Africans, da Tanzânia - Arquivo Pessoal

Durante a pandemia, por determinação do governo de São Cristóvão e Névis, qualquer pessoa que chegue do exterior ao país precisa enfrentar a quarentena obrigatória de 14 dias em um quarto de hotel. Em razão dessa medida, a seleção não poderá receber em casa as equipes adversárias nas Eliminatórias.

Para que não precisem ficar duas semanas parados antes de poderem treinar, os jogadores que atuam no exterior –a maioria deles no futebol inglês ou nos Estados Unidos– viajarão direto para os locais onde a equipe irá jogar.

O que atrapalha a preparação de Leonardo Neiva, já que não poderá contar com o elenco completo nos treinos que irão anteceder os duelos pelas Eliminatórias. Para tentar mitigar os efeitos dessa medida, a federação local entrou em acordo com os clubes do país para ceder os atletas da seleção dois dias por semana (terças e quintas). Assim, o treinador consegue reunir parte de seu grupo por mais tempo.

Ao trabalhar basicamente com os jogadores da liga local, Neiva já pode ir conhecendo melhor a idiossincrasia do futebol são-cristovense e colocar as bases para o projeto de formar e desenvolver os talentos nas duas ilhas.

"Esses treinos servem para conhecer melhor o grupo e fazer avaliações. E começar a embutir os meus conceitos de ideia de jogo", afirma o treinador.

"Fui contratado para desenvolver sobretudo os jogadores locais, porque seria fácil chegar como treinador da seleção e só convocar os caras de fora. Mas quero criar uma seleção nacional dos locais e diminuir a distância entre eles e os internacionais. Hoje, no papel, penso que temos dois jogadores locais que vão ser titulares nas Eliminatórias, o resto é de fora. Minha ideia é equilibrar esses locais que tenham chance real de jogar no time titular", completa.

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