Descrição de chapéu Tóquio 2020

Revezamento da tocha olímpica começa em Fukushima com emoções conflitantes

Após adiamento dos Jogos pela pandemia, organizadores apostam em discurso de reconstrução

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Fukushima, Tóquio e São Paulo | Reuters

Quando Shusaku Sagi tinha 19 anos viu seu centro de treinamento de futebol J-Village, em Fukushima, ser transformado em acampamento dos trabalhadores encarregados de desativar a usina de energia nuclear que existia nas proximidades, depois que o terremoto de 2011 a destruiu, causou milhares de mortes e forçou pessoas a fugirem da região.

Na manhã desta quinta-feira (25, noite desta quarta no Brasil), o complexo esportivo abrigará a cerimônia inicial do revezamento da tocha olímpica e dará início à contagem regressiva para os Jogos Olímpicos de Tóquio.

Após o adiamento de 2020 para 2021, a cerimônia de abertura está marcada para 23 de julho, mas incertezas ainda pairam sobre a realização do megaevento. Já é certo que haverá veto a público estrangeiro.

“Grandes eventos esportivos como a Olimpíada podem energizar as pessoas e enviar ao mundo a mensagem de que Fukushima não deve ser esquecida”, disse Sagi, 29, que organiza torneios de futebol juvenil no J-Village.

Membros da seleção feminina japonesa de futebol usarão a chama olímpica, levada de avião da Grécia em março de 2020 e preservada no Japão por um ano, para acender a tocha. Mas a cerimônia –planejada originalmente para ser presenciada por milhares de torcedores, como uma celebração da recuperação japonesa– será fechada ao público.

O primeiro trecho do revezamento não terá espectadores e, enquanto cerca de 10 mil corredores carregarão a tocha pelas 47 prefeituras [governos regionais] do Japão em 121 dias, o que inclui as ilhas mais distantes, os observadores deverão usar máscaras e respeitar o distanciamento social.

O evento de quatro meses de duração foi prejudicado pelo cancelamento da participação de diversos corredores conhecidos, já que celebridades optaram por ficar de fora, mencionando que foram chamadas apenas em cima da hora ou preocupações sobre sua presença atrair multidões de espectadores em meio à pandemia.

Hiromi Kawamura, que comanda o revezamento da tocha, disse que os organizadores passaram “por alguns dias loucos”, tentando se adaptar a informações que mudavam rapidamente e à situação mutável da pandemia, e conduzindo negociações com o governo nacional e governos locais.

“Estamos pedindo que as pessoas não assistam posicionadas ao lado de outros espectadores. Se atrairmos espectadores demais, e sentirmos que a situação se tornou perigosa, suspenderemos o revezamento. Ele será reiniciado mais tarde, quando a área for considerada segura”, disse Kawamura.

O Japão se saiu melhor do que a maioria dos países, com menos de 9.000 mortes causadas pelo coronavírus. Mas uma terceira onda de contágios elevou o número de pessoas infectadas a um recorde e resultou na declaração de um estado de emergência em Tóquio e outras áreas, que foi suspenso nesta semana.

A maioria do público japonês se opõe a que a Olimpíada seja realizada na data prevista, mostram pesquisas de opinião pública.

“Ver o parque em que eu brincava na infância transformado em base para o trabalho de desativação da usina –mesmo que o papel desempenhado por ele tenha sido importante– me entristeceu, porque imaginei que jamais voltaria a ser aquilo que um dia foi”, disse Sagi sobre o J-Village.

Nascido em Fukushima, ele treinou futebol lá dos oito anos de idade até concluir o ensino médio.

Com o tempo, os trabalhadores que desativaram a usina nuclear partiram. A reconstrução do J-Village começou em 2014. Dois anos mais tarde, Sagi foi encarregado de medir o nível de radiação no local.

Que o revezamento seja iniciado lá tem por objetivo destacar o tema da “Olimpíada da Reconstrução” – celebrando o esforço do Japão para reanimar a região, que envolveu investimentos de quase US$ 300 bilhões (R$ 1,6 trilhão).

Mas alguns moradores não compartilham do entusiasmo de Sagi e se irritam com os esforços do governo para dar destaque a Fukushima.

Vastas áreas em torno da usina continuam bloqueadas, as preocupações quanto à radiação persistem, e muitas das pessoas que deixaram a área se reassentaram em outros lugares. A desativação completa dos restos da usina pode demorar até um século e custará bilhões de dólares.

Takayuki Yanai, que trabalha em uma cooperativa de pesca em Iwaki, 50 quilômetros ao sul da usina, disse que o conceito de “Olimpíada da Reconstrução” não conquistou grande adesão entre os moradores locais.

“O produto da pesca costeira em Fukushima continua a ser de apenas 20% do que era no passado”, disse Yanai. “Temo que tenhamos sido mais ou menos deixados de lado pela reconstrução."

Ainda assim, membros do comitê organizador da Olimpíada de Tóquio 2020 continuam confiantes em que o evento será um sucesso, a despeito da notícia de que mais um dos participantes do revezamento estava o deixando, nesta quarta-feira.

Homem observa fogo saindo de tocha
Chama olímpica em Fukushima um ano atrás; Japão dará início a revezamento da tocha a quatro meses dos Jogos - Philip Fong - 24.mar.20/AFP

Homare Sawa, capitã da seleção japonesa de futebol feminino na conquista de uma Copa do Mundo poucos meses depois do terremoto de 2011, abandonou o revezamento da tocha olímpica, invocando preocupações de saúde.

A patinadora artística e medalhista olímpica Shoma Uno e duas atrizes conhecidas também se retiraram do revezamento nesta quarta-feira.

Mas os organizadores da Olimpíada declararam que estão bem preparados para realizar o evento.

“Estou certo de que poderemos realizar uma Olimpíada segura e protegida, tanto para os participantes quanto para o público”, disse Toshiro Muto, CEO do comitê organizador de Tóquio-2020 em uma entrevista coletiva nesta quarta.

Norio Sasaki, treinador da seleção feminina de futebol que ganhou a copa do Mundo de 2011, compartilha do sentimento de Muto.

“O fato é que é nossa responsabilidade como país organizador demonstrar o poder do esporte neste momento”, disse.

Tradução Paulo Migliacci

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