Descrição de chapéu São Paulo

Rogério Ceni teve ajuda de historiador para marcar seu 100º gol há 10 anos

Michael Serra insistiu para que o clube do Morumbi contabilizasse gols em amistosos

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São Paulo

Fernandinho recebeu no bico da grande área e cortou para o meio. Depois que driblou Chicão, passou também por Ralf e foi derrubado pelo volante corintiano, à esquerda da meia-lua. Assim que soou o apito de Guilherme Ceretta de Lima para marcar a infração, o camisa 01 iniciou o trote da sua meta até a marca sinalizada pelo spray do árbitro.

Havia mais alvoroço nas arquibancadas da Arena Barueri do que de costume. Afinal o lance, em posição tão favorável a um bom cobrador de faltas, marcava a possibilidade de o maior ídolo da história do São Paulo anotar seu 100º gol na carreira, e diante do rival.

Após trocar algumas palavras com Carlinhos Paraíba, Rogério Ceni cobrou. E todo são-paulino já conhece o desfecho: a bola passou pela barreira e entrou no ângulo do goleiro corintiano Julio Cesar.

Desde então, o dia 27 de março é celebrado como uma espécie de feriado informal pelo torcedor tricolor.

A história, contudo, poderia ter sido outra, caso o clube do Morumbi não tivesse reconsiderado a tempo, em sua contagem oficial, dois gols de Ceni registrados em amistosos. Um dos responsáveis pela validação do momento histórico não estava em campo naquele dia, em Barueri, mas foi fundamental para ajudar o camisa 01 a confirmar a marca centenária contra o Corinthians.

"Por causa do Guinness, que só seguia o critério de gols oficiais e jogos chamados oficiais, o São Paulo aceitou uma redução de dois gols do Rogério Ceni e passou a divulgar os números dele com esses dois gols a menos", conta o historiador do São Paulo, Michael Serra, à Folha.

"Eu chegava na minha chefia, no meu departamento, e falava: 'Pessoal, o Rogério vai chegar a 100 gols na carreira e vai dar confusão.'"

A discussão sobre os números de Rogério Ceni remonta ao recorde estabelecido em 2006, que fez dele o maior goleiro-artilheiro da história do futebol.

Com o primeiro dos dois gols que marcou diante do Cruzeiro, no empate em 2 a 2 pelo Campeonato Brasileiro daquele ano, o são-paulino ultrapassou o paraguaio Chilavert. Na época, contudo, o São Paulo seguia a contagem da Fifa, cuja base estatística era a utilizada para que fosse homologado o recorde no Guinness Book.

De acordo com os critérios da entidade, o gol de falta marcado no Mineirão foi o 63º da carreira de Ceni. Na concepção de Michael Serra, e do próprio clube até meses antes do processo de homologação, eram na verdade 65.

Contra o Cruzeiro, em 2006, Ceni marcou dois e ultrapassou Chilavert como maior goleiro-artilheiro
Contra o Cruzeiro, em 2006, Ceni marcou dois e ultrapassou Chilavert como maior goleiro-artilheiro - Paulo Fonseca - 20.ago.2006/Folhapress

Os dois suprimidos da lista foram anotados em amistosos. Um deles, em janeiro de 1998, contra um combinado formado por Santos e Flamengo. O outro, em um torneio amistoso, a Copa Constantino Cury, diante do Uralan Elista, da Rússia, em janeiro de 2000.

A questão sobre a validade dos gols rendeu já na época do recorde, há 15 anos, um debate similar ao visto recentemente na comparação de gols oficiais de Pelé, Lionel Messi e Cristiano Ronaldo.

Contratado no início de 2010 para assumir o Arquivo Histórico tricolor, Michael Serra alertou a comunicação do clube para a proximidade do feito histórico do goleiro e explicou aos dirigentes os critérios para que fossem reconsiderados os dois registros descartados no pedido de oficialização do recorde junto ao Guinness.

"Aquele não era o padrão histórico brasileiro, o padrão histórico do São Paulo. Expliquei todo o lance que amistosos são oficiais, porque nenhum clube joga amistoso sem autorização de suas federações, senão seriam amistosos piratas. É muito simples e não sei porque existe essa lenga-lenga [sobre o que é oficial]", diz Serra.

Em 19 janeiro de 2011, três dias depois de o goleiro marcar de pênalti contra o Mogi Mirim, o São Paulo publicou um comunicado institucional no qual unificou a marca de Rogério Ceni, incluindo os dois gols anotados nos amistosos. Àquela altura, com a recontagem, o ídolo são-paulino tinha 96 gols na carreira.

"Todos os outros jogadores do São Paulo continuavam com seus gols em amistosos valendo normalmente. E o Rogério sendo a única exceção. Minha chefia na época compreendeu [a recontagem], outros diretores compreenderam também, mas faltava uma ocasião para oficializar. Aconteceu em janeiro de 2011. A gente nem imaginava o que ia acontecer depois, mas era a hora de avisar", afirma o historiador.

Linense (falta), Portuguesa (falta) e Paulista (pênalti) foram as vítimas seguintes de Ceni, com o 99º gol marcado justamente no jogo anterior ao clássico com o Corinthians.

Gol contra a Portuguesa, no Paulista de 2011, foi o 98º da carreira do goleiro são-paulino
Gol contra a Portuguesa, no Paulista de 2011, foi o 98º da carreira do goleiro são-paulino - Rubens Cavallari - 13.fev.2011/Folhapress

Por isso tamanho alvoroço no momento em que Guilherme Ceretta de Lima apitou carga de Ralf em Fernandinho. Rogério Ceni cobrou e marcou o segundo gol do São Paulo (que venceria por 2 a 1), tirou a camisa comemorativa que celebrava a proximidade do 100º e correu para celebrar com a torcida.

No texto da partida publicado em seu site oficial, o Corinthians relatou o gol do goleiro-artilheiro, mas como o 98º de sua carreira, e justificava o uso do número em concordância com a base de dados da Fifa.

A entidade, entretanto, registrou no próprio dia do Majestoso o gol de Ceni como o centésimo do camisa 01, levando em consideração a contagem utilizada pelo clube do Morumbi.

"O futebol às vezes escolhe alguns roteiros para contar uma história que parecem até exagerados, de tão perfeitos. Se o torcedor do São Paulo pudesse descrever uma ocasião específica para o dia em que Rogério Ceni chegasse ao 100º gol de sua carreira, provavelmente não chegaria a algo tão emocionante como o que aconteceu neste domingo", disse o texto da Fifa publicado no dia 27 de março de 2011.

Para Michael Serra, a glória. Pessoal, ao celebrar como qualquer são-paulino a marca alcançada pelo ídolo. E profissional, ao contribuir, mesmo que indiretamente, para a escrita de episódio tão especial na vida do clube, de Ceni e do torcedor tricolor.

"O grande lance do Rogério foi a atuação metodológica, histórica, que culminou nessa marca. Graças a essa mudança que o gol 100 foi contra o Corinthians. Da forma que foi, enfim, entrou para a história", completa o historiador, protagonista invisível do feito.

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