Descrição de chapéu Tóquio 2020

Garantido na estreia olímpica do skate, Luizinho concretiza previsão da mãe

Antes receosa com a segurança do filho, ela passou a projetar entrada do esporte nos Jogos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Por pouco o primeiro skate de Luiz Francisco Mariano, dado pela avó no seu aniversário de seis anos, não teve um destino diferente e mais preocupante do que os pés do futuro atleta profissional.

“Minha vontade era tacar na cabeça dela”, conta a mãe de Luizinho.

Enilda, conhecida pelo apelido Bidu, definitivamente não era uma entusiasta da ideia de o filho passar a andar sobre rodinhas por Lorena, cidade a cerca de 190 km de São Paulo.

“Hoje eu amo minha sogra, mas na época a gente não se dava bem. O que ela pudesse fazer para me cutucar ela fazia. Como o primo dele, meu afilhado, andava de skate e eu critiquei, disse que não ia correr com ninguém para o hospital, minha sogra comprou. Você paga a língua”, relembra Bidu, 47.

Não demorou para que ela percebesse que era o caminho inevitável a ser percorrido por Luizinho. Aos 20 anos, ele se tornou na última semana o primeiro skatista brasileiro oficialmente classificado para a Olimpíada de Tóquio.

O país poderá levar ao Japão até 12 atletas, no máximo três de cada gênero nas categorias street e park. Luizinho começou na primeira, mas atualmente compete na segunda, que reúne rampas de diversos tamanhos e raios, além de extensões e bowls (pista com formato de piscina).

Apesar da resistência inicial, Bidu percebeu o gosto e o talento do filho no esporte e o acompanhou em competições por vários anos.

“Quando eu era nova andei de skate também, mas no meu tempo mulher só remava, no máximo dropava uma rampinha pequena. Eu sempre gostei, mas a gente nunca quer para o filho, né, pelo medo de se quebrar. Quando vi que ele tinha talento e que ia ficar bem em cima do skate, abracei a ideia”, afirma.

A desconfiança transformada em incentivo não se repetiu com o futebol, outra das paixões de infância do menino —e motivo de desgosto para a mãe—, que fugia para casa dos primos para jogar bola.

“Numa colônia de férias no interior tinham uns olheiros. Eu nem fazia ideia, só ia lá jogar escondido da minha mãe, mas despertei interesse. Um olheiro foi conversar com a minha mãe e ela simplesmente disse: ‘ele não joga futebol, ele anda de skate’. Então eu nem tive escolha, mas hoje em dia penso que bom que ela não deixou”, diz Luizinho.

Skatista faz uma manobra no ar em competição com arquibancada cheia
Luiz Francisco, skatista brasileiro classificado para a Olimpíada de Tóquio, compete no Mundial de park realizado em São Paulo em 2019 - Julio Detefon/Divulgação

Bidu também se mostrou competente em previsões, já que dizia ter a certeza de que o skate entraria para o programa olímpico bem antes de isso se concretizar. O anúncio oficial foi feito às vésperas da Rio-2016, com a estreia prevista para a edição seguinte dos Jogos.

Mais ou menos na mesma época, Luizinho havia deixado Lorena e se mudado para São Paulo. Profissionalizar-se e ganhar a vida no esporte deixava de ser um sonho de criança e começava a virar realidade.

A mãe se emociona ao lembrar das dificuldades enfrentadas, principalmente nos primeiros anos de vida do garoto, quando um empréstimo levara a família à ruína financeira.

Não era fácil conseguir oportunidades para um talento raro, mas que nas palavras dela morava “na roça”, longe dos principais mercados do esporte. Viajar para competições só foi possível com muito esforço e a ajuda de quem apostou no talento de Luiz Francisco e Andre, o irmão três anos mais novo que segue os mesmos passos.

Bruno Mello, dono de um skateshop em Lorena, foi o primeiro apoiador. Mais tarde, Douglas Lopes, empresário que trabalha no ramo de papelão, também abriu caminhos e aproximou a família de Leandro Miranda, dono da Cavepool (pista em São Paulo) e hoje agente de Luizinho no Brasil.

A entrada do skate no mundo olímpico foi um divisor de águas para jovens promissores. Além do acesso a novos patrocinadores e competições que ganharam espaço no calendário, a CBSk (confederação brasileira) passou a apoiar uma seleção brasileira profissional e outra sub-15.

“Antes eu ainda tinha um pé atrás com a Olimpíada, pensava na essência do skate. Quando vi que podia ajudar a minha família, não pensei duas vezes. Foi quando entrei de cabeça. Vivenciei todo o aperto da minha família e a correria que eles fizeram”, afirma Luizinho. “É uma mudança extraordinária. Eu sei porque venho do Vale do Paraíba, onde não temos muitas oportunidades. Agora com a Olimpíada isso está mudando.”

Quando o sonho olímpico do filho virou realidade, Bidu não se aguentou. Mandou uma mensagem nas redes sociais para Diego Hypolito, campeão mundial e medalhista olímpico na ginástica artística, contando o que acabara de acontecer.

Ela, ex-ginasta que chegou a defender Lorena em competições regionais, é fã de Diego, de sua irmã, Daniele, e da mãe de ambos, Geni, com quem se identifica. Ao ver que ele havia respondido e passado a seguir os perfis dela e de Luizinho, quase não aguentou a emoção.

Em casa, Bidu é comparada a Dona Hermínia, personagem mais famosa do ator Paulo Gustavo (1978 - 2021), que virou um ícone na sequência de filmes “Minha Mãe É Uma Peça” por seu jeito expansivo e sem muito filtro.

Seis pessoas abraçadas em uma região de área verde; atrás um carro está estacionado
Andre (à esq), Bidu e Luizinho com os empresários Leandro, Douglas e Bruno (da esq. para a dir.), em 2016 - Arquivo pessoal

Ela reivindica a comparação com orgulho enquanto já se mobiliza para que a população de Lorena acompanhe a prova do filho em Tóquio por um telão que deseja ver montado pela prefeitura na cidade.

O público estrangeiro não poderá entrar no Japão para a Olimpíada, mas provavelmente Bidu já não estaria por lá de qualquer maneira. Com os anos, Luizinho percebeu que fica nervoso com o nervosismo da mãe nas competições e acaba não tendo o mesmo rendimento. Algo em que eles pretendem trabalhar para o futuro, assim quem sabe ela poderá comparecer aos Jogos de Paris-2024.

Após se refugiar na casa dos pais e se submeter a uma adiada cirurgia no ombro durante o ano passado, quando as competições de skate foram suspensas pela pandemia, Luizinho está nos Estados Unidos para correr em Des Moines (Iowa) no próximo fim de semana. O Dew Tour será o último campeonato internacional de park antes dos Jogos.

Treinando no país, ele e a delegação brasileira conseguiram ser vacinados contra a Covid-19.

O atleta agora conta os dias para que chegue 5 de agosto, data da prova masculina de park em Tóquio. “A tensão deixa a gente louco. Por um lado foi bom a pausa pra descansar e se recuperar, porém queria que acabasse logo isso para conseguir dar uma relaxada.”

COMO FUNCIONA A CLASSIFICAÇÃO PARA TÓQUIO-2020

Número de competidores
20 na categoria street feminino
20 na categoria street masculino
20 na categoria park feminino
20 na categoria park masculino

A classificação é definida pelas posições no ranking da World Skate. Em cada evento há o limite de três representantes por país e o mínimo de um skatista por continente. O Japão tem vaga garantida em cada um deles

Ranking
A lista final dos classificados no park será conhecida no próximo fim de semana, após o Dew Tour, nos EUA. Os classificados no street serão definidos depois do Mundial em Roma, de 31 de maio a 6 de junho

Park
Reúne vários elementos construídos para a prática do skate, como rampas de diversos tamanhos e raios, além de extensões e bowls (pista com formato de piscina)

Street
Simula a paisagem urbana, com bancos, escadas, corrimões e calçamento como espaços de manobras

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.