Descrição de chapéu Tóquio 2020

Pandemia prejudica controle antidoping antes de Jogos Olímpicos

Restrições impostas pela Covid-19 ampliam dificuldades na testagem dos atletas

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Matthew Futterman
The New York Times

Os esforços para prevenir o uso de substâncias que melhoram o rendimento atlético antes da Olimpíada de 2016 não poderiam ter ido muito pior.

Nos meses que antecederam os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, mais de 1.900 atletas em dez categorias importantes –entre as quais atletismo, levantamento de peso e ciclismo– ficaram sem exames antidoping, uma falha que as autoridades antidoping prometeram que não se repetiria no ciclo olímpico seguinte.

Mas, passados cinco anos, as organizações antidoping do planeta estão enfrentando dificuldades para cumprir essa promessa antes da Olimpíada de Tóquio, que começa em julho, em parte porque a pandemia do coronavírus tornou impossível resolver um problema que persiste há décadas: não há um padrão coerente de exames antidoping entre os países.

Técnico carrega amostras de urina no laboratório nacional antidoping da França, em Chatenay-Malabry; Covid-19 tornou logística complexa - Franck Fife - 15.dez.15AFP

“O sistema antidoping é muito desequilibrado”, disse Benjamin Cohen, diretor geral da Agência Internacional de Teste, uma organização independente e sem fins lucrativos que o Comitê Olímpico Internacional (COI) estabeleceu a fim de administrar o programa olímpico de exames antidoping. “Algumas das organizações são muito fortes, e outras não têm tantos recursos."

De acordo com a Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês), que cria orientações para as agências antidoping e acompanha suas práticas de exame, o número de exames antidoping aplicados em todo o mundo cresceu substancialmente nos últimos meses, especialmente em comparação ao segundo trimestre do ano passado, quando os exames foram essencialmente interrompidos por conta da crise de saúde pública.

Não está claro, no entanto, como os exames antidoping conduzidos desde o início de 2020 se dividem por país, porque a organização não divulga de imediato outros números que não o total geral de exames. A Wada, que apresentou em dezembro de 2020 seu relatório sobre os exames antidoping conduzidos em 2019, afirma necessitar de prazo de alguns meses para analisar os dados dos exames e avaliar o que significam.

O desequilíbrio em termos de política de controle de doping é uma queixa constante entre os atletas dos poucos países em que o regime antidoping é rigoroso, como Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Noruega. “Eu pessoalmente passei por 18 exames antidoping de fevereiro de 2020 para cá”, disse Lilly King, nadadora norte-americana que conquistou duas medalhas de ouro no Rio. “Obviamente, não sabemos qual é o regime de exames em outros países."

Nos primeiros três meses deste ano, 2.416 exames foram realizados, 23% a menos do que os 68.291 exames realizados nos três primeiros meses de 2019, o último ano cujo calendário regular de eventos esportivos foi mantido sem grandes cancelamentos.

Um número menor de competições significa um número menor de exames associados a esse tipo de evento. No primeiro trimestre de 2021, o número de exames conduzidos fora de situações de competição –nos quais agentes das autoridades antidoping visitam atletas sem anúncio prévio– acompanhou o ritmo registrado em 2019. Mas, como o número de atletas que estão viajando para torneios caiu, fica mais difícil encontrá-los para a realização de exames.

“Não estamos de volta à plena capacidade em que estávamos operando, mas chegamos perto”, disse Jeremy Luke, diretor sênior de integridade esportiva no Centro Canadense para a Ética no Esporte, que administra os esforços antidoping no Canadá.

Luke afirmou que, nos últimos meses, os dirigentes se concentraram fortemente nos atletas que se qualificaram para equipes olímpicas e naqueles que ainda estão batalhando por uma vaga. “O sistema não está operando da mesma maneira que no passado, mas está operando”, explicou.

A tcheca Anezka Drahotova foi pega em exame antidoping depois de levar medalha de prata no Europeu de 2018 - Andrej Isakovic - 11.ago.18/AFP

Um programa de exames robusto e abrangente não basta de maneira alguma para garantir competições livres de doping. Lance Armstrong, ciclista aposentado que admitiu ter usado doping ao longo de toda a sua carreira, venceu o Tour de France sete vezes sem ser desqualificado em exames antidoping. Mas os exames ao menos mostram aos atletas que eles estão sendo monitorados e dificultam o uso impune de substâncias para melhora de desempenho.

Quase todos os países e organizações esportivas internacionais mantêm em segredo os nomes dos examinados e as datas exatas de exames. Os Estados Unidos representam uma rara exceção.

Foram os atletas norte-americanos que pressionaram por transparência, no começo da década de 2000, quando uma série de escândalos colocou em questão a credibilidade do sucesso esportivo dos Estados Unidos.

Os que apoiam a revelação pública dos nomes dos atletas submetidos a exame e os resultados dos testes afirmam que essa é a única maneira de garantir prestação de contas e oferecer informações aos atletas sobre a frequência de exames de seus oponentes. Algumas pessoas que argumentam contra a revelação pública desse tipo de informação afirmam que isso ajuda os trapaceiros a detectar padrões de teste e manipular o sistema.

“Se você colocar cinco especialistas em uma sala para discutir o assunto, obterá seis opiniões diferentes”, disse Cohen.

Além disso, as leis de defesa da privacidade variam de país a país.

“Nós temos considerado a ideia, mas é complicado, porque precisamos obter aprovação específica das autoridades de proteção de dados em Mônaco para agir dessa maneira”, disse Aditya Kumar, dirigente da Unidade de Integridade Atlética, que administra o programa de exames antidoping da World Athletics, a organização que comanda o atletismo mundial.

Como parte do esforço para não repetir os erros cometidos antes da Olimpíada do Rio, a Agência Internacional de Teste convocou um grupo de especialistas em combate ao doping em dezembro para estudar que exames precisariam ser realizados nos meses cruciais de preparação para a Olimpíada de Tóquio, que começam no final de julho. Em 2016, esse trabalho começou menos de três meses antes da abertura dos Jogos.

O período curto de revisão foi um dos diversos erros que fizeram da Olimpíada do Rio um ponto baixo na campanha contra o doping. Detalhes do escândalo de doping na Rússia foram divulgados pouco antes dos Jogos, e algumas semanas antes da cerimônia de abertura a Wada fechou o laboratório que cuidaria dos exames antidoping no Rio porque ele não atendia aos padrões internacionais. O laboratório foi reaberto pouco antes da Olimpíada.

Um período mais longo de planejamento é crucial porque será tarde demais para examinar os atletas se os exames ocorrerem apenas depois de eles chegarem para os Jogos. A essa altura, qualquer atleta que usar substâncias para melhorar o desempenho terá tido tempo de fazê-lo e de se beneficiar disso em seu treinamento. Os benefícios dessas substâncias perduram por muito tempo, mesmo depois de traços da presença das drogas terem sido eliminados do organismo.

Emiko Hara é uma das responsáveis pelo controle antidoping em Tóquio - Takashi Aoyama - 10.abr.21/Reuters

A Agência Internacional de Teste recomendou a realização de 25 mil exames em atletas específicos –em certos casos, até seis exames em um mesmo atleta– no período de janeiro ao início dos jogos de Tóquio.

A organização se reúne a cada duas semanas e revisa relatórios sobre exames antidoping em 150 países, encaminhados por organizações antidoping e federações esportivas internacionais. A organização identifica lacunas e orienta os responsáveis pela aplicação de exames.

Cohen disse que existe uma tendência: as agências antidoping nacionais, cuja força é maior nos países grandes e nos países que dispõem de recursos para estabelecer esse tipo de organização, em geral vêm cumprindo lealmente as recomendações. As agências regionais, que em muitos casos respondem por exames em múltiplos países, continuam a enfrentar dificuldades.

Outras organizações, como as federações que comandam esportes internacionais, tentam cobrir as lacunas, mas sua capacidade de ação é limitada.

A questão agora, disse Cohen, é uma combinação de dinheiro e de problemas logísticos relacionados à pandemia, como as fronteiras fechadas e temores de infecção durante o processo de coleta de amostras de sangue ou urina.

A Agência Internacional de Teste vinha sendo impotente para fazer mais do que apontar os problemas e instar as organizações antidoping a reforçar seu regime de exames nesse período crucial. Mas isso mudará em breve.

A partir desta quinta (13), pouco mais de dois meses antes do início da Olimpíada, a agência receberá poderes para conduzir exames antidoping em qualquer lugar do planeta. No passado, os organizadores da Olimpíada só podiam conduzir exames antidoping em atletas depois que eles chegassem à sede dos Jogos.

A Agência Internacional de Teste afirma que revelará quantos exames conduziu em atletas de cada país, depois dos Jogos, sem revelar os nomes dos indivíduos testados.

“Não poderemos resolver todos os problemas do mundo, mas preencheremos algumas das lacunas”, disse Cohen.

O resultado que busca o diretor geral da Agência Internacional de Teste é não ter quase 2.000 atletas desfilando sem exame antidoping no momento da abertura dos Jogos, como ocorreu no Rio.

Tradução de Paulo Migliacci

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