Obra-prima de Mario Filho, 'O Negro no Futebol Brasileiro' ganha 1ª edição em inglês

Livro foi publicado originalmente em 1947 pelo jornalista que dá nome ao Maracanã

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São Paulo

Já se passaram mais de 70 anos e algumas reedições desde sua publicação original, em 1947, mas "O Negro no Futebol Brasileiro", livro do jornalista e escritor Mario Filho, ainda desperta o interesse de leitores e acadêmicos, inclusive no exterior.

No último mês de abril, a University of North Carolina Press, editora que pertence à Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, publicou a primeira edição em língua inglesa da obra-prima de Filho, sob o título "The Black Man in Brazilian Soccer".

Com 368 páginas, o livro é editado por Elaine Maisner e traduzido por Jack Draper.

O jornalista e escritor Mario Filho ao lado de Pelé
O jornalista e escritor Mario Filho ao lado de Pelé - Reprodução

Professor de português e de estudos culturais brasileiros na Universidade do Missouri, Draper conheceu o livro em 2016, quando preparava um curso sobre o futebol e sua importância social na América Latina.

Ao saber que a obra nunca havia sido traduzida para o inglês, lembrou-se que a University of North Carolina Press já tinha publicado "O Mistério do Samba", de Hermano Vianna, no idioma. O professor entrou em contato com Elaine Maisner, editora-executiva da entidade, que gostou da ideia de publicar o trabalho de Mario Filho.

"Ainda que eu não conhecesse Filho ou o livro, sou uma editora. Sei identificar se um livro é importante e como localizar as pessoas que sim conhecem Filho e a história do futebol no Brasil. E rapidamente aprendi que o livro se encaixaria muito bem no catálogo ao combinar os intesses em estudos negros, estudos latino-americanos e também sobre o esporte mais popular do mundo", diz Elaine Maisner, à Folha.

Para viabilizar a publicação do livro, Jack Draper, a partir da sugestão de Maisne, elaborou um projeto para a aplicação de uma bolsa em um programa de traduções acadêmicas realizado em conjunto pela Universidade da Carolina do Norte e a Univerdade Duke.

Julgado por editores e docentes das duas universidades, "O Negro no Futebol Brasileiro" foi o vencedor do programa em 2016. A negociação com os advogados dos herdeiros de Mario Filho para a aquisição dos direitos autorais durou cerca de um ano.

Além de tradutor da edição em língua inglesa, Draper também acabou servindo de intérprete para as conversas entre Elaine Maisner, que não fala português, e os advogados, que não têm domínio do inglês.

"Considero a obra de Mario Filho equivalente a 'O Mistério do Samba', de Hermano Vianna, por tratar da identidade nacional e racial no Brasil através de uma forma de produção e criatividade cultural", afirma o tradutor, que assina o prefácio e também é autor de livros sobre forró e cinema brasileiro.

"Meu prefácio [à edição em inglês de "O Negro no Futebol Brasileiro"] tem o espírito da edição brasileira de 1964, da Editora Civilização, que enfatizou mais a longa luta contra o racismo do que uma 'democracia racial' conquistada. Acho o prefácio de Gilberto Freyre à primeira edição, de 1947, algo que associou o projeto demais com a ideologia da 'democracia racial', apesar de Filho nunca ter escrito essas palavras no livro."

Capa da edição em inglês de "O Negro no Futebol Brasileiro", publicado pela University of North Carolina Press
Capa da edição em inglês de "O Negro no Futebol Brasileiro", publicado pela University of North Carolina Press - Divulgação/UNC Press

Em seu prefácio de 1947, o sociólogo e escritor Gilberto Freyre mostrou uma visão otimista do espaço que o negro ocupava no futebol nacional. "Era natural que o futebol, no Brasil, ao engrandecer-se em instituição nacional, engrandecesse também o negro, o descendente de negro, o mulato, o cafuzo, o mestiço", escreveu Freyre.

Porém, o mito da democracia racial cairia por terra com a Copa do Mundo de 1950, disputada no Brasil. A culpa atribuída ao goleiro Barbosa, um negro, recuperou uma teoria do Estado Novo (1937-1945) da inferioridade do brasileiro como raça.

A derrota no campo, segundo essa corrente, se explicava como um produto da miscigenação, das misturas que caracterizam os brasileiros. Justamente um aspecto celebrado por Freyre com relação à sociedade brasileira em geral.

Em 1964, na segunda edição de "O Negro no Futebol Brasileiro", Mario Filho se viu obrigado a rediscutir o status do jogador negro pós-Maracanazo, ainda que àquela altura o Brasil, bicampeão do mundo, já tivesse como grande símbolo de sua consagração nos gramados um craque de pele negra, Pelé.

Tanto a nota de Filho na edição original, de 1947, quanto a nota da segunda edição, de 1964, foram traduzidas e incluídas na versão publicada em inglês pela University of North Carolina Press.

Pesquisadora e professora de história na Universidade Hofstra, de Nova York, Brenda Elsey assina um pequeno texto na capa de "The Black Man in Brazilian Soccer".

Para ela, que publicará em breve um livro sobre futebol e política na América Latina pela mesma editora, o livro de Mario Filho é importante pois se trata de um jornalista documentando a realidade de seu país, sem o conflito que poderia surgir entre um estrangeiro, com suas idiossincrasias, e o modo de ser do brasileiro.

"Filho não era um acadêmico, seu trabalho não era o de um historiador. Mas a visão dele importa. Seu trabalho é um trabalho jornalístico, e o jornalismo é fonte primária dos pesquisadores. Ele também tinha seus preconceitos, mas seus preconceitos eram o que formavam as instituições da época. Com isso nós entendemos melhor o tema", diz Elsey, cuja impressão encontra concordância nas palavras de Elaine Maisner.

"Um autor como esse tem uma visão especial e pessoal sobre o tema, e irá argumentar de forma apaixonada sobre isso. Os leitores que terão acesso pela primeira vez em inglês irão se beneficiar disso ao expandirem suas perspectivas para além de seus horizontes habituais e modos de entender as coisas", completa a editora.

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