Descrição de chapéu Tóquio 2020 Legado Rio-2016

Após explosão por Rio-2016, investimento público no esporte cai R$ 350 milhões

Pesquisa da Universidade de Brasília indica queda no aporte para o ciclo da Olimpíada de Tóquio

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São Paulo

No dia 2 de outubro de 2009, em Copenhague, na Dinamarca, quando o então presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional) Jacques Rogge abriu o envelope e anunciou que o Rio de Janeiro havia sido escolhido para sediar os Jogos de 2016, o esporte de alto rendimento no Brasil passou por uma guinada de investimentos do governo federal.

O projeto tinha como objetivo que o país terminasse entre os dez primeiros colocados no quadro geral de medalhas. O Brasil conseguiu fazer a sua melhor campanha em Jogos Olímpicos ao contabilizar 19 (7 de ouro, 6 de prata e 6 de bronze), mas não alcançou a meta de classificação final ao terminar na 13º colocação.

Além do bom desempenho na conquista de medalhas, o Brasil também registrou um recorde no investimento esportivo por parte do Estado brasileiro. Foram R$ 3,2 bilhões gastos no ciclo olímpico (2013 a 2016), sem contar a construção das arenas e obras de infraestrutura.

Os dados são de um levantamento do projeto Transparência no Esporte, da Universidade Federal de Brasília (UnB), que mapeia os gastos estatais esportivos, tanto orçamentários quanto extraorçamentários. Os valores foram extraídos da base de dados da iniciativa pela Folha e atualizados com base no IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).

No entanto, passada a euforia de uma Olimpíada em casa, o investimento público no esporte para o ciclo de Tóquio (de 2017 a 2020 –ano para o qual estava inicialmente previsto o evento no Japão, antes de a pandemia provocar o adiamento) foi de R$ 2,8 bilhões. Uma queda de R$ 350 milhões (11%) em comparação com os Jogos Rio-2016.

O valor ainda é maior que os R$ 2,6 bilhões gastos de 2009 a 2012, ciclo dos Jogos de Londres —que começa no ano em que o Rio é anunciado como sede olímpica e marca a explosão do investimento público em esporte, superando em mais de R$ 1 bilhão o gasto para Pequim-2008.

O recorte feito pela Folha no levantamento da Universidade Federal de Brasília não considera o futebol –patrocínios da Caixa Econômica Federal aos clubes e competições dessa modalidade.

O Transparência no Esporte é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e contou com cinco pesquisadores e professores acadêmicos: Claudia Catarino Pereira, Fernando Mascarenhas, Fernando Henrique Silva Carneiro, Marcelo Resende Teixeira e Wagner Barbosa Matias.

A equipe coletou informações sobre os repasses do governo através do Orçamento, relatórios da Caixa Econômica Federal (repasses da loteria) e também recorreu à lei de acesso à informação para detalhar os patrocínios de estatais para atletas e confederações.

Ao longo desse ciclo, o Brasil viveu intensa crise política, com desdobramentos do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), e profundas recessões econômicas, além da pandemia.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) rebaixou a estrutura do Ministério do Esporte para secretaria subordinada ao Ministério da Cidadania. Um dos primeiros atos do seu governo foi promover mudanças no formato de patrocínios de estatais para atletas e confederações.

Até 2018, sete estatais (Caixa, Petrobras, Banco do Brasil, Correios, Infraero, Furnas e BNDES) detinham 73 contratos esportivos, segundo levantamento da Folha. Logo no primeiro ano de Bolsonaro, 50 foram encerrados.

A Confederação Brasileira de Handebol Handebol, por exemplo, recebeu do Banco do Brasil R$ 2,4 milhões em 2018 e R$ 6,6 milhões em 2017. Tanto esse acordo como também o da Petrobrás foi desfeito.

Atualmente, a Petrobras patrocina 22 atletas (5 paralímpicos e 17 olímpicos) com repasse anual de R$ 1,9 milhão em 2020 e 2021. Em 2018 e 2019, esse montante foi de R$ 3,8 milhões, o dobro.

O Banco do Brasil, parceiro da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) desde 1991, atualmente transfere para o vôlei R$ 62,8 milhões anuais, e também apoia o velejador e bicampeão olímpico Robert Scheidt.

Os anéis olímpicos na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro
Os anéis olímpicos na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro - Diego Padgurschi - 1.ago.2016/Folhapress

Já a Caixa destinou, em 2020, R$ 48,5 milhões para contratos com as confederações de atletismo e ginástica e para o Comitê Paralímpico Brasileiro.

Os acordos do banco com as ligas de basquete masculino (NBB) e feminino (LBF), válidos desde 2016, e que aportaram quase R$ 22 milhões e de R$ 10 milhões, respectivamente, chegaram ao fim em março do ano passado e não foram renovados.

"Com o fim dos Jogos Rio 2016 houve um processo de diminuição dos recursos para o esporte de modo geral, e especificamente, para o esporte olímpico e paralímpico”, afirma Fernando Henrique Silva Carneiro, um dos autores do estudo e que também é professor de educação física no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG). “Além disso, houve o desmantelamento da política esportiva, expressão disso foi a transformação do ministério do Esporte em secretaria especial.”

O ano de 2020 foi considerado como último do ciclo olímpico porque quando a Lei Orçamentária do período foi aprovada –documento elaborado pelo Executivo e pelo Legislativo que determina o destino das verbas públicas–, a Olimpíada ainda não havia sido adiada para 2021.

Ao observar os dados desde 2004, ano dos Jogos de Atenas, o investimento teve um salto brusco após Rio ser confirmado como sede dos Jogos.


Se em 2008 o aporte de verbas no esporte foi de R$ 388,3 milhões, o montante quase dobrou para o ano seguinte: R$ 674,6 milhões.

O investimento então segue uma tendência de crescimento, que vai culminar em um ano de 2014 com mais de R$ 872 milhões destinados ao esporte. O valor caiu para R$ 514,6 milhões em 2017, logo após os Jogos do Rio, o menor desde 2008.

Desde então, os valores investidos oscilaram bastante. Por dois anos seguidos, essa conta subiu e chegou a um recorde histórico de R$ 879 milhões em 2019, impulsionado por número inédito de atletas inscritos para o Bolsa Atleta e também com a explosão das verbas da Lei Agnelo/Piva, o repasse das loterias.

Depois, em 2020, o montante volta a cair, descendo para aproximadamente R$ 757 milhões.

A reportagem não considerou o dinheiro de isenções tributárias para projetos esportivos, apenas aqueles ativamente investidos pelo Estado, por meio do orçamento, leis de repasse ou patrocínios.

Desde que o governo de Jair Bolsonaro transformou o Ministério do Esporte em secretaria, o investimento da pasta despencou: de R$ 70,3 milhões, em 2018, para R$ 19,5 milhões, em 2020.

A queda brusca, por outro lado, não é algo inédito no orçamento do Esporte, que oscilou bastante durante os anos em que a pasta ainda era um ministério.

Movimento inverso acontece com os recursos da Lei Agnelo/Piva, que destina dinheiro das loterias para o esporte brasileiro e tem se tornado uma das principais fontes de renda das confederações, por exemplo.

Em entrevista à Folha, o presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro, Mizael Conrado, afirmou que a entidade perdeu recursos após a Rio-2016. Graças a verba dessa lei, conseguiu não só compensar a perda, como também custear a modernização de seu centro de treinamento.

"Tivemos algumas perdas de recursos e nossos custos aumentaram [...] Mas, felizmente, as loterias tiveram aumento de arrecadação e isso equilibrou nossas contas", contou.

A verba da lei é a única que desde o início do levantamento vem crescendo regularmente e que não teve queda significativa após a Olimpíada do Rio. Em 2016, foram R$ 278 milhões, valor que diminuiu um pouco (menos de 10%) em 2017 e se manteve praticamente no mesmo patamar em 2018 —antes de disparar e chegar a R$ 568 milhões em 2020.

Segundo Carneiro, a lei Agnelo/Piva (como as de incentivo ao esporte por meio de isenção fiscal) ajuda a estancar perdas de recursos ainda maiores.

“Os brasileiros adoram ver seus atletas com medalha, contudo, muitas vezes esse pódio acontece mesmo sem recursos que garantam sua sobrevivência e preparação no ciclo olímpico”, diz o professor. “Muitas vezes interesses econômicos e políticos acabam sendo priorizado no financiamento do esporte.”​

Questionado pela Folha, o Ministério da Cidadania afirmou que o governo federal é "o maior patrocinador do esporte olímpico e paraolímpico no país", que "tem tomado as medidas necessárias parra manter o investimento no esporte de alto rendimento" e de inclusão social, e que investe no esporte anualmente mais de R$ 750 milhões.

Para o ciclo de Tóquio, segundo a pasta, foram gastos R$ 439,6 milhões com o Bolsa Atleta, R$ 4,5 bilhões das loterias e mais R$ 2,5 bihões em outros programas.

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