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Marjorie Enya

Atletas ativistas têm vozes que vão além dos gestos

No ano em que o esporte parou, vimos mais do que nunca atletas tateando outras arenas

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Marjorie Enya

mestranda na Academia Olímpica Internacional, integra o Grupo de Estudos Olímpicos da USP

Quase cinco anos atrás, no que parece ter sido outra vida, vimos na cerimônia de encerramento da Rio-2016 o então premiê do Japão, Shinzo Abe, aparecer fantasiado de personagem de videogame. Extasiados, soubemos naquele momento que os Jogos Olímpicos de Tóquio seriam diferentes de tudo que já se viu. Não podíamos imaginar, porém, que "diferente de tudo que já se viu" teria outro significado, não necessariamente positivo, cinco anos mais tarde.

Os Jogos Olímpicos deste ano são atípicos por diversos motivos, e encontraram os brasileiros à flor da pele e exaustos com a sucessão de crises que temos vivido. Não é surpresa, portanto, que haja tanta resistência em aceitar que o esporte é, também, político.

Há mesmo quem acredite que os Jogos Olímpicos são um terreno imaculado alheio à política, fechando os olhos para os incontáveis episódios em que isso se provou falso: de manifestações no pódio ao uso da imagem de Jesse Owens como símbolo das falácias do discurso de superioridade nazista, o que não faltam são exemplos de como esporte e política inevitavelmente se entrelaçam.

No ano em que o esporte parou, vimos mais do que nunca atletas tateando outras arenas: além da onipresença dos efeitos da pandemia, tivemos uma presença maior de atletas se posicionando publicamente com relação a causas que defendem e a injustiças que combatem.

Se os primeiros exemplos que vêm à mente podem dar a impressão de que isso é uma tendência de gringo (Colin Kaepernick, Naomi Osaka, Megan Rapinoe, LeBron James...), basta olhar com mais atenção os nossos Diogo Silva, Joanna Maranhão, Damiris Dantas, Marta Silva.

A quem crê que um atleta se manifestar é uma modinha passageira que estamos copiando dos americanos, recomenda-se conhecer histórias como a de Soraia André ---ou mesmo, para quem gosta de clássicos, de Sócrates. A política e o esporte sempre estiveram de mãos dadas; a diferença é que agora quem controla o palco não consegue mais silenciar os megafones espalhados por toda parte.

Difícil saber se esses atletas expoentes de diversos ativismos são catalisadores de mudanças, ou sintomas de que essas mudanças estão acontecendo, mas isso não importa; o que importa é que oxalá esse despertar de atletas multidimensionais veio mesmo pra ficar.

É cedo pra dizer se e o quanto isso irá reverberar em Tóquio, mas que estejamos atentos para ouvir, e ver, e não apenas para consumir o espetáculo esportivo que nos vai ser servido através de telas. Cabe aqui reforçar, aliás, que esse espetáculo só é possível graças a avanços da ciência que chegam como ares de milagre: seja pela tecnologia que permitirá que o mundo seja espectador em home office, seja pelas vacinas desenvolvidas em tempo recorde.

Em um ano que nos lembrou a todo momento de nossas tantas vulnerabilidades, é ainda mais urgente que vejamos atletas pelo que são: humanos, portanto complexos e afiliados a múltiplas facetas de identidades que não cabem em um sobrenome e um número atrás da camisa. E que aceitemos a inevitabilidade de se misturar política e esporte. O Brasil que vivemos, afinal, transformou em ato político até mesmo a vontade de sobreviver.

Mais de 20 anos atrás, Nelson Mandela declarava categoricamente que o esporte tem o poder de mudar o mundo. Quando foi que passamos a olhar torto para os atletas dispostos a usar suas plataformas para fazê-lo?

Acompanhe o Grupo de Estudos Olímpicos nas redes sociais: facebook.com/estudosolimpicos e twitter.com/geofeusp

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