Descrição de chapéu Tóquio 2020

Diário olímpico, Kahena Kunze: Trabalho e relaxamento nas doses certas

Velejadora da classe 49er FX chega a Tóquio para defender medalha de ouro com Martine Grael

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Tóquio e São Paulo

A reta final de uma preparação olímpica é marcada por fortes emoções entre os atletas que aguardam ansiosamente a oportunidade de competir no palco mais almejado do esporte. Desse pacote de sensações sortidas podem sair conquistas, frustrações e um inevitável frio na barriga.

Some-se a isso o fator pandemia, que, além de ter adiado os Jogos de Tóquio de 2020 para 2021, ainda desperta dúvidas e preocupações às vésperas do início das competições na capital japonesa.

Diário Olímpico das brasileiras

Saiba como foram os últimos cem dias de preparação para os Jogos de Tóquio no novo especial da Folha

Desde meados de abril, quando a contagem regressiva para a Olimpíada marcava a casa dos cem dias, três atletas brasileiras passaram a enviar periodicamente para a Folha, a convite do jornal, mensagens de áudio contando os destaques positivos e negativos de suas preparações.

São elas: a velejadora Kahena Kunze, 30, medalhista de ouro na Rio-2016 com Martine Grael na classe 49er FX; a canoísta Ana Sátila, em sua terceira participação olímpica na modalidade slalom aos 25 anos; e a skatista da categoria park Yndiara Asp, 23, estreante nos Jogos, assim como o esporte que pratica.

Conheça pelas palavras das próprias atletas como elas viveram e enxergaram os últimos dias de um exigente ciclo olímpico de cinco anos.

Kahena Kunze, 30

14.abr

  • Em: Portosín (Espanha)

"Faltando cem dias para os Jogos, a gente [ela e sua dupla, Martine Grael] está na Europa. Faz duas semanas mais ou menos que tivemos nossa última competição oficial do ano, em Lanzarote, nas Ilhas Canárias. Conseguimos a primeira colocação, e para mim foi um resultado bem importante, porque a gente não tinha uma competição de alto nível fazia tempo.

Óbvio que ainda falta ajustar muitos detalhes. A questão do equipamento tem sido bem delicada, porque praticamente todo o nosso já está no Japão. Sem poder viajar é um pouco complicado testar o material.

É um pouco difícil segurar a ansiedade de já querer ir para lá. A parte mental está sendo bem importante neste momento, assim como saber desconectar, que é o que basicamente a gente está fazendo agora, com uma semana e meia de férias.

Férias da água, porque a gente tem sempre que se manter ativa, seja uma academia de leve ou algum aeróbico que curta fazer. Eu gosto muito de surfar, de windsurf, e comecei a fazer wingfoil [prancha que utiliza uma asa inflável] agora. Então, nas minhas horas vagas eu tento sempre fazer esses esportes que me acrescentam muito no barco.

Estou aqui na Espanha, na casa do meu namorado, curtindo uns dias antes de voltar para Portugal e começar os treinos em Cascais. Os dias aqui têm sido bem tranquilos, estou lendo o livro do Barack Obama e vi nesta semana um documentário na Netflix, 'Seaspiracy'. Chamou muito a atenção como a pesca é um grande vilão na poluição dos oceanos. Para aqueles que se interessarem pelo mar, eu acho que vale a pena ver.

Semana que vem vou para Portugal. A gente tem um barco novo lá. E todas as meninas da nossa categoria, de outros países, vão estar em Portugal nas próximas semanas. Pretendemos fazer não um campeonato oficial, que não dá, mas pequenas regatas para ver como está indo."

26.abr

  • Em: Cascais (Portugal)

"A gente teve uma semana bastante intensa. Recebeu um barco novo, porque não esperava ter um ano a mais neste ciclo, e o nosso antigo já estava bem usado, de muitas navegadas. Então, nesta semana foi basicamente muito trabalho de barco e trabalho de força: academia e velejo. A gente está se sentindo um pouco cansada, mas a semana rendeu muito. Conseguimos fazer tudo o que queríamos no barco. E agora a gente está pensando num nome para ele, se não batizar dá azar. Amanhã, provavelmente, vai ser o primeiro dia do barquinho novo."

11.mai

  • Em: Cascais (Portugal)

"Acabamos fazendo uma enquete para o nome do barco e resolvemos escolher um brasileiro e alegre, que tem a ver com a gente. Samba é o nome. A gente teve uma madrinha que também é brasileira e trabalha aqui em Cascais, a Fernanda, e foi super legal. O barco é muito bom, a gente está bem contente. Terminamos em terceiro lugar num campeonato. Tiveram dois dias em que a gente não velejou muito bem. Nós estávamos um pouco lentas e tomamos decisões erradas de táticas, mas foi bom que tiveram seis dias de campeonato, e a gente conseguiu evoluir durante eles.

Também tiveram condições bem extremas de vento, o que favorece tripulações com peso maior que a nossa, mas a gente conseguiu manter o foco até o último dia, e a vantagem dos pontos diminuiu. Então, foi um campeonato bom. Não foi excelente, mas a gente sabe o que melhorar até Tóquio."

24.mai

  • Em: Santander (Espanha)

"Chegamos a Santander na sexta-feira, viemos dirigindo com o nosso barco. O principal objetivo de estar aqui é treinar com os melhores barcos e mudar um pouco o cenário. A gente estava há muito tempo treinando em Portugal e lá às vezes as condições ficam muito parecidas todos os dias. É um lugar maravilhoso, com onda e vento forte, mas às vezes um pouco maçante, porque não tem outros lugares para treinar vento fraco, por exemplo. Está sendo uma oportunidade boa também para testar os balões novos para os Jogos, que a gente usa com a bandeira do Brasil. Conseguimos uma casa ótima aqui perto do clube, então podemos ir de bicicleta, e também trouxemos nossos brinquedos: prancha de surfe, wingfoil, para dar uma escapada quando tem tempo.

Santander é a cidade em que a gente ganhou nosso primeiro Mundial juntas, em 2014, então faz lembrar de coisas muito boas. Lembro de chegar à terra e ter uma multidão nas ruas parabenizando a gente, curiosos e até brasileiros querendo tirar foto."

31.mai

  • Em: Cascais (Portugal)

"Voltamos ontem de Santander, onde realizamos um treinamento de nove dias, junto com espanholas, holandesas, norueguesas, australianas e singapurenses. A gente estava com dúvidas no início se ia valer a pena, e no final valeu super a pena, conseguimos treinar um vento um pouquinho mais fraco e testar os nossos balões. Fomos hospedadas por um espanhol que adora música brasileira, às vezes ele descia, e a gente ficava escutando. Então, foi uma viagem suave, tranquila, sem competição, mas voltamos com gostinho de missão cumprida.

Nosso último campeonato começa no dia 7. Pretendemos levar sem muita pressão, se a gente se sentir cansada algum dia não precisa correr todas as regatas. Não precisa mostrar nada, eu acho que o que a gente sabe já está no sangue. Agora é dosar o treinamento, tem que tomar cuidado em não ultrapassar nosso esforço e nosso limite. Já vi vários atletas super bem preparados, só que chega em cima da hora e eles estão exaustos de tanto treinar."

20.jun

  • Em: Rio de Janeiro

"Cheguei, finalmente, ao Brasil, em casa, depois de três meses fora. O Brasil é calor humano, família, amigo, e isso traz energia para a gente. Pretendemos treinar na próxima semana aqui no Rio, águas territoriais, em casa, acho que vai ser tudo de bom. É sair, dar um velejo, voltar, fazer a preparação física e estar com a cabeça tranquila.

Eu estava com muita saudade dos meus pais, e ter tempo de estar com eles é uma preciosidade. Essa pandemia me fez pensar muito nos momentos que tenho com essas pessoas, às vezes eu passo muito tempo longe. Então, estou aproveitando cada jantar, cada café da manhã com eles e tentando conversar, botar o papo em dia, abraçar. Os dois já estão vacinados. Eu, antes de sair de Portugal, consegui ser vacinada lá pelo Comitê Olímpico Português. Estou me sentindo mais aliviada para ir ao Japão em busca do nosso objetivo.

Neste mês é realmente fazer os ajustes finos e estar bem mentalmente. Tentando não ver muita gente para me precaver e tentar ficar calminha. Ah, e aproveitar as frutas e comidas que eu amo. Estava com tanta saudade do açaí, mamão papaia, manga, banana. Vamos tentar fazer bastante mídia nesta semana e dia 30 já embarco para Portugal e depois para o Japão."

26.jun

  • Em: Rio de Janeiro

"Nesta semana a gente começou nosso último bloco de treinos já se preparando para o Japão. Estava com saudades de velejar nessas águas e tem sido bem tranquilo, só que não pode esquecer de dar manutenção na mão, né? Para não deixar ela lisinha. Tem sido bom sair, fazer um pouco de manobra, mas nada fora do normal. Não queremos overtraining [treinar demais].

Os dias aqui têm sido de inverno praticamente, é estranho estar em casa e já escurecer às cinco e pouquinho da tarde. Estava acostumada a velejar lá fora até as 18h30, 19h. Apesar de ter pouco vento, essa é uma condição que a gente sabe que pode dar no Japão. E estou aproveitando também para fazer algumas funções burocráticas, mas sem esquecer que o importante é evitar aglomerações e lugares fechados. Agora está chegando muito próximo da nossa viagem.

Estou curtindo a comida caseira da minha mãe, que cozinha super bem, e tentando dormir bastante. Eu tenho dormido até que muito, umas nove, dez horas por noite. A gente já teve vários encontros online para saber como vai ser no Japão. Os uniformes estão chegando pouco a pouco, eu já estou com a minha credencial, enfim, esse clima de pré-Olimpíada já começou. Estou com um pouquinho de friozinho na barriga, o que é ótimo."

11.jul

  • Em: Enoshima (Japão)

"Finalmente estamos em terras japonesas! Segundo dia aqui. Fizemos as burocracias de PCR, aplicativo logado, demorou um pouquinho, mas todo mundo estava avisado, não foi nada inesperado. O aeroporto ainda estava vazio, assim como o avião. Aqui amanhece às 4h30 e o pôr do sol é às 18h30. Já foi nosso segundo dia de trabalho no barco, é botar ele em shape [forma] para o dia 15, quando abre a Vila Olímpica da vela em Enoshima. A área está bem restrita. Somos controladas por aplicativo, no qual colocamos nossa temperatura e dizemos se tivemos algum sintoma. Também tem um outro aplicativo para avisar se uma pessoa que está do seu lado teve sintoma. Eu não pretendo passar por isso.

Tem feito bastante calor, a gente está acostumada com o calor do Rio, mas aqui é mais úmido. O ventinho tem ajudado, e a gente tem trabalhado na sombra, então não está tão ruim a situação. Só podemos ir do hotel para o clube e voltar. Não pode andar nem ter muito contato com os japoneses e tem de usar máscara sempre. Ainda lutando com o fuso, às vezes acordo às 3h, às vezes durmo total. Trouxe uns mimos, meu travesseiro do Brasil, alguns livros e comidinhas de casa, tipo bananinhas e granola, que me fazem falta. Aos poucos os times estão chegando, então agora vou estar bem focada."

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