Descrição de chapéu Tóquio 2020 Entrevista da 2ª

Não há como separar atos políticos dos humanitários, diz presidente da Comissão de Atletas do COI

Ex-nadadora do Zimbábue afirma que novas regras atendem a desejos da maioria dos atletas

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Tóquio

Não há como separar os protestos políticos dos humanitários, como aqueles antihomofobia e antirracismo, diz a presidente da Comissão de Atletas do COI (Comitê Olímpico Internacional), Kirsty Coventry, 37.

Em entrevista à Folha, ela fala em evolução sobre o tema e diz que eventuais punições a quem descumprir regras sobre posicionamentos politizados devem ser discutidas caso a caso.

"Como dizer a um atleta que alguma questão social dele é mais importante que a de outro? Como podemos permitir uma coisa, e quem escolheria isso? Não seria a maneira justa de fazer", afirma.

Coventry é detentora de sete medalhas olímpicas como nadadora do Zimbábue e participou de cinco edições dos Jogos. Além de presidir a Comissão de Atletas, ela é ministra do Esporte em seu país.

A ex-nadadora afirma ainda que as novas normas do COI que permitem manifestações nas arenas olímpicas, com restrições, atenderam a um anseio da maioria dos atletas consultados.

"Eles querem manter protegidas algumas áreas dos Jogos, mas ao mesmo tempo reportaram o desejo de se expressar mais de alguma maneira. Estamos evoluindo."

Sob pressão, o COI propôs uma revisão de suas diretrizes para ativismo em ambientes olímpicos.

A redação original da Regra 50 da Carta Olímpica afirma que, para preservar a neutralidade dos Jogos, nenhum tipo de manifestação política, religiosa ou racial é permitida nas arenas e em outras áreas.

Fruto de debates que envolveram uma consulta online a cerca de 3.500 atletas, a nova versão inclui os locais de jogo como palcos permitidos para se posicionar, desde que antes do início das competições. Por exemplo, durante a entrada dos times no gramado e quando um atleta é anunciado. Ajoelhar-se ou erguer o punho no pódio permanece vetado.

Chefe da delegação brasileira no Japão, Marco La Porta, 54, defendeu a livre manifestação dos atletas durante os jogos, seja para falar bem ou mal do governo, nos momentos autorizados pelo evento. “Cada um se manifesta da maneira que achar melhor e assume as consequências.”

Novas regras foram estabelecidas sobre manifestações dos atletas. Na sua opinião, os Jogos de Tóquio-2020 serão marcados por protestos? Abrimos consulta com atletas para fazer um relatório, e do relatório saíram as recomendações, que deram mais espaço para os atletas se expressarem durante os Jogos. Até agora, temos visto que eles estão comprometidos com as regras. Com o começo dos Jogos, veremos histórias e mais histórias sendo reveladas, desafios superados, muitos deles relacionadas à Covid. Os destaques vão mudando, os atletas vão mostrando habilidades além do limite. ​

Esses Jogos podem ser uma revolução em termos de protestos para as próximas Olimpíadas? O que vimos nos contínuos diálogos com representantes de atletas pelo mundo é que eles querem manter protegidas algumas áreas dos Jogos, mas ao mesmo tempo reportaram o desejo de se expressar mais de alguma maneira. Eu acredito que, como indivíduos, estamos progredindo constantemente, evoluindo, garantindo aos atletas o que eles querem, que sejam ouvidos, e isso foi representando no guia de orientações.

Por que a maioria dos atletas consultados não querem manifestações no pódio ou em outras cerimônias? O que vimos a partir das consultas foram o amor e a gratidão das pessoas, dos atletas, pelos Jogos, a experiência, o que os Jogos dão a elas. Como vimos na atmosfera do Rio [em 2016], o que podemos fazer pelo país, pelos jovens e pelas crianças.

O sentimento olímpico, de união das pessoas, permitindo solidariedade. Essas mensagens são importantes para os atletas, eles sentem isso. Por isso tivemos esse resultado [das regras]. Os atletas entenderam que eles têm diferentes históricos de vida, o que não é importante para um atleta pode ser para o atleta próximo de você. É preciso respeitar cada um, são todos competidores olímpicos, não importa de onde você seja, quem você é. É esse o sentimento dos atletas.

Presidente da Comissão de Atletas, Kirsty Coventry aplaude desfile da delegação de Zimbábue na cerimônia de abertura dos Jogos. Ela disputou cinco Olimpíadas, conquistando sete medalhas - AFP

Mesmo manifestações consideradas humanitárias, como antirracistas e antihomofóbicas, foram banidas de cerimônias como o pódio. Por quê? É possível separar a manifestação política das humanitárias? Nosso sentimento a partir do processo das consultas é que não era fácil separar. Como dizer a um atleta que alguma questão social dele é mais importante que a de outro? Como podemos permitir uma coisa, e quem escolheria isso? Não seria a maneira justa de fazer. O princípio olímpico é ser justo, buscar ser justo em qualquer decisão que precisa ser tomada, especificamente sobre esses temas.

Não ficou claro quais serão eventuais punições ou julgamento sobre protestos. Por que isso ficou genérico? Acho que para muitas pessoas isso está muito claro, porque você não pode prever o futuro. Nós não temos como saber o que o atleta vai escolher fazer ou não, então temos que lidar caso a caso. Isso tem que ser feito de forma justa, avaliando cada cenário.

Como a senhora vê a situação do assédio sexual no esporte atualmente? Temos trabalhado muito nos últimos anos abordando todas as formas de proteção aos atletas. Há um curso internacional de salvaguarda, que também se transformou em um escritório de salvaguarda. Nos últimos cinco anos, pelo menos, temos trabalhado em um grupo de trabalho. Há também atletas dentro da comissão médica, trabalhando em cima de questões de saúde mental, o que também tem a ver com abordar diferentes formas de desafios e abusos que os atletas passam. É um grande empurrão tudo isso, para o COI e para a Comissão de Atletas.

Há algumas medidas sendo tomadas no Brasil, como proibir que homens treinadores fiquem em sala sozinhos com atletas. A sra. concorda? Acho que cada confederação deve decidir como quer administrar seu próprio time, em reuniões e eventos. Acho que não é uma coisa ruim, definitivamente não é uma má ideia para tentar fazer as pessoas começarem a ter consciência sobre como proteger os atletas e o que isso significa. É uma tema sensível em várias culturas, e é aí que o COI deve ser capaz de promover as melhores práticas, para colocarmos as coisas como queremos que sejam vistas. Isso tem que ser seguido de ações que eduquem as confederações, os atletas e todos em volta desse tema. E depois temos que assegurar que não estão apenas sendo educados, mas estão seguindo com as dicas de proteção. Para nós, o grande enfoque é ter certeza que ações educativas estão sendo feitas e que as confederações estão tomando medidas de prevenção.

Neste ano, as Olimpíadas têm quase metade de mulheres e homens. Como a sra. vê a questão de gênero? Sim, acho totalmente que foi um empurrão de novo, é definitivamente uma evolução nessa parte, mas isso foi pensado e algo que trabalhamos muito para garantir que acontecesse. O que gostaria de ver, e o que boa parte do COI gostaria de ver é, a partir de agora, isso começar a passar para as federações internacionais, as confederações, para o resto de movimentos esportivos, nos quais esses grupos todos ainda precisam trabalhar um pouco mais duro.

A sra. deixará a comissão dos atletas depois de Tóquio. Como vê a evolução da representatividade dos atletas dentro das entidades esportivas nos últimos anos? Bom, definitivamente, a representatividade tem crescido. Deixo o meu mandato no dia 8 de agosto, então é um momento feliz e triste. A gente tem sido capaz de fazer muito nos últimos anos em relação à declaração dos direitos e à responsabilidade dos atletas. Vemos um crescimento das comissões de atletas pelo mundo continentalmente.

Alguns atletas no Brasil estão reclamando das restrições durante os Jogos, como trazer parentes a Tóquio. Dentro da pandemia, são todas necessárias. Todos temos que fazer diversos sacrifícios para garantir a segurança desses Jogos e a continuação deles. O COI sempre trabalhou para garantir que a gente fosse capaz de trazer os atletas para Tóquio, que têm treinado tão duro por cinco anos. Agora merecem o momento deles, mesmo que seja diferente, sem seus amigos e sua família. Sei que é difícil, minha família só pôde ir aos meus últimos dois Jogos Olímpicos. Como atleta, não tive nenhuma família assistindo às minhas primeiras medalhas olímpicas. Em 2004, a gente não tinha tanta tecnologia, não tinha um celular com a gente, precisava esperar voltar até a vila e usar um telefone fixo.

Entendo completamente essa dificuldade para os atletas, mas ao mesmo tempo ouvimos muito das pessoas próximas aos atletas, amigos e família, que vão estar assistindo de casa, mandaram para a gente mensagens só para falar "obrigado". No fim das contas, essa é a razão pela qual nós temos trabalhando tão duro para alcançar.

Tem vários casos de Covid na Vila Olímpica. É possível fazer Jogos seguros? Sim, realmente acho que é possível. Os casos, quando você coloca em perspectiva, são muito poucos. O número [de contaminados], comparado com o total de atletas, é bem pequeno. A razão disso ter acontecido é que os protocolos são muito rígidos. Logo que existe qualquer sinal de um caso positivo, a reação é muito rápida. Os protocolos que estão sendo executados vão permitir que estes sejam Jogos seguros. Nunca vai ser risco zero, nada é risco zero, mas é possível ter Jogos seguros por causa dos protocolos e, contanto que a gente continue seguindo esses protocolos, acredito mesmo que vão ser Jogos seguros para os atletas.

A sra disse em 2016 que não se sentiria confortável em competir com russos por não saber se eles estavam limpos. O que o esporte aprendeu com o caso de doping russos? Acho que muito foi aprendido desde Sochi [Jogos Olímpicos de Inverno de 2014] e andamos para frente. Não só para os russos, mas para todos. Eu não lembro de ter dito isso, talvez eu tenha dito. Os russos eram fortes na natação na época em que eu competia. Às vezes tem coisas que não são positivas de acontecer, mas têm consequências positivas que surgem dessa coisa negativa. Acho que foi o que aconteceu nesse caso.


Kirsty Coventry, 37
Ex-nadadora do Zimbábue e atual ministra do Esporte do país, é presidente da Comissão de Atletas do COI (Comitê Olímpico Internacional). Aposentou-se das piscinas em 2016, após cinco Jogos e sete medalhas.

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