Novas regras sobre protestos na Olimpíada já causam discórdia

Dirigentes norte-americanos cobram liberdade para manifestações e se desentendem com cartolas do COI

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Matthew Futterman
The New York Times

Gwen Berry, lançadora de martelo norte-americana que deve disputar medalha na Olimpíada de Tóquio, já ergueu o punho em um pódio na cerimônia de premiação de uma competição. Na seletiva da equipe de atletismo olímpica dos Estados Unidos, ela deu as costas enquanto o hino nacional era executado, atraindo atenção mundial e causando debate.

Os dirigentes olímpicos dos Estados Unidos, diante de uma onda de ativismo da parte dos atletas, aceitaram suas manifestações. Já o Comitê Olímpico Internacional (COI) discorda.

Com a abertura da Olimpíada de Tóquio, em 23 de julho, cada vez mais próxima, os dirigentes olímpicos norte-americanos e internacionais estão em disputa sobre os limites do protesto, em um momento no qual atletas de todo o planeta estão determinados a usar seu poder e influência a fim de promover causas políticas e sociais.

Gwen Berry ergue o punho na celebração de seu resultado na seletiva do atletismo norte-americano para os Jogos Olímpicos - Steph Chambers - 26.jun.20/AFP

Diversos atletas estão sinalizando a possibilidade de testar os limites com algum gesto durante os Jogos. Entre eles está Berry, que classifica a letra do hino dos Estados Unidos como desrespeitosa com os norte-americanos negros.

“Quando chegar lá, descobrirei o que fazer”, disse ela, depois de conquistar a vaga final da equipe em sua modalidade. “O que preciso fazer é falar por minha comunidade, representar minha comunidade e ajudar minha comunidade, porque ela é muito mais importante do que este esporte.”

As ações de Berry na seletiva dos Estados Unidos fizeram dela alvo de críticas de políticos conservadores, alguns dos quais apelaram para que fosse excluída da equipe olímpica. Isso não vai ocorrer. Ela não violou as regras do comitê olímpico americano sobre a liberdade de expressão.

Os líderes do Comitê Olímpico e Paralímpico dos Estados Unidos (USOPC, na sigla em inglês) anunciaram em dezembro que não puniriam atletas norte-americanos que exerçam seu direito à liberdade de expressão durante a Olimpíada, desde que não expressem ódio a, ou ataquem, qualquer pessoa ou grupo.

Mas o COI, ao anunciar na sexta-feira (2) novas regras que permitem mais liberdade de expressão aos atletas nos locais olímpicos, afirmou que todas as manifestações estavam proibidas nos pódios de premiação, nos campos de competição e nas cerimônias de abertura e encerramento.

As novas regras toleram, por exemplo, que um atleta use uma camiseta com um slogan, ou que ele se ajoelhe ou erga o punho antes do início de uma competição, o que inclui as apresentações de atletas.

Os atletas há muito estão livres para expressar opiniões políticas durante entrevistas coletivas, na mídia social ou na área em que conversam com a mídia depois das provas.

Mas o pódio, onde as bandeiras nacionais são erguidas e os hinos nacionais são executados, veio a ser visto como uma linha vermelha. Não se sabe quais serão as penalidades pela violação das novas regras; o COI tem o poder de retirar medalhas e excluir atletas dos Jogos, mas não quis revelar com antecedência o que faria e acrescentou que cada caso será avaliado individualmente.

Os Estados Unidos assumiram a posição de que, não importa o que decida o COI, seus atletas que fizerem declarações políticas não receberão punições ou reprimendas. Os comitês olímpicos nacionais e as federações internacionais de esportes podem suspender atletas de competições e, como signatários da Carta Olímpica, teoricamente têm a obrigação de aplicar as punições exigidas pelo COI.

“Eles têm autoridade, jurisdição e um conjunto único de sanções”, disse Sarah Hirshland, presidente do USOPC na semana passada, sobre os líderes olímpicos. “Nós ocupamos um assento diferente”.

Os líderes olímpicos internacionais não gostaram da declaração. Hirshland disse que teve conversas “respeitosas, mas francas” com líderes do COI desde que anunciou que sua organização não seguiria o protocolo olímpico.

Outros executivos do COI e do esporte norte-americano informados sobre as discussões as descreveram como conflituosas e ásperas, com os dirigentes do COI afirmando que consideravam que seus colegas dos Estados Unidos estavam violando a Carta Olímpica.

Kirsty Coventry, nadadora e campeã olímpica zimbabuense que preside a Comissão de Atletas do COI e é aliada firme de Thomas Bach, o presidente do comitê, declarou que todos os atletas olímpicos devem ser tratados da mesma forma, independentemente de sua nacionalidade.

“Lembro minha primeira Olimpíada. Apesar de ser de um pequeno país africano, eu me senti tão importante quanto o atleta que estava ao meu lado”, disse Coventry, que disputou cinco Olimpíadas.

Da maneira que os líderes do COI veem, eles precisam atender aos interesses de atletas de mais de 200 países, muitos dos quais com pontos de vista políticos diferentes. E precisam impedir que qualquer pessoa desvie a atenção da rara oportunidade que é subir a um pódio de premiação olímpico.

Eles argumentam que a manifestação de um atleta em favor da igualdade e dos direitos humanos pode ofender outro participante. Por exemplo, atletas israelenses podem perceber um gesto que exija a criação de um Estado palestino como apoio a entidades que pedem a destruição de Israel.

O desentendimento entre os dirigentes esportivos norte-americanos e os do COI se desenvolveu depois de um período de convivência pacífica entre as duas organizações, que passaram anos em confronto. Em 2017, depois de mais de uma década de acrimônia causada basicamente por disputas sobre dinheiro, o COI chegou a alterar suas regras para permitir que a concessão da Olimpíada de 2028 a Los Angeles ocorresse antes do prazo regulamentar.

O líder dos jogos de Los Angeles, Casey Wasserman, começou a fazer lobby junto a Bach mais de um ano atrás para que ele abandonasse as restrições ao que o comitê descreve como discurso político. Em junho de 2020, Wasserman escreveu a Bach lhe dizendo que a regra era obsoleta.

Ele declarou que os norte-americanos queriam evitar a hipocrisia de ver atletas potencialmente punidos por exercer seu direito à liberdade de expressão em solo americano, durante os Jogos de 2028, e também encorajar o COI a mudar, a se adaptar aos novos tempos.

“Parto da posição de que ser antirracista não é político”, disse Wasserman na semana passada. “Também acredito que, dado o papel desempenhado pelos atletas hoje, e a voz que eles têm, isso é algo que os atletas continuarão a expressar.”

Para David Wallechinsky, um conhecido historiador das Olimpíada, o COI estava menos preocupado com o que ocorreria nos Jogos de Tóquio do que com o que poderia transcorrer na Olimpíada de Inverno de Pequim, que começa em fevereiro de 2022, em um país conhecido por reprimir a liberdade de expressão.

“Não é algo que afete apenas os atletas dos Estados Unidos”, disse Wallechinsky. “Há atletas de outros países com suas preocupações, e equipes inteiras que enfrentam questões de direitos humanos.”

Tradução de Paulo Migliacci

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