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Thabata Castelo Branco Telles

O que é lutar, afinal? Questões de vida, morte e Jogos Olímpicos

Tentamos conceituar diferenças e semelhanças entre arte marcial e esporte de combate

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Thabata Castelo Branco Telles

pesquisadora pós-doc (EEFERP-USP), doutora em ciências e atual presidente da Abrapesp; integra o Grupo de Estudos Olímpicos da EEFE-USP

Na serra da Capivara, Piauí, pinturas rupestres sinalizam atividades de combate no período pré-histórico. Em Olímpia, Grécia, artefatos no museu olímpico evidenciam lutas corporais desde cerca de 700 anos A.C. A lista facilmente continua e somos levados a pensar que lutamos desde que existimos.

Lutar nos é tão caro que tentamos conceituar diferenças e semelhanças entre arte marcial, esporte de combate e luta tradicional. Podemos ainda adentrar o terreno das transições psicológicas —tema caro ao pesquisador Cristiano Barreira—, que envolve distinções entre luta, briga, duelo, brincadeira, defesa pessoal etc.

Lutamos não somente para matar ou não morrer, mas também para brincar, participar de rituais, defender a integridade ou machucar alguém intencionalmente. A pesquisadora Mariana Gomes caracteriza, dentre outros, a condição de oposição e de imprevisibilidade pelo contato com o outro (que é alvo da ação) como fundamentais para que uma luta aconteça.

Lutamos ainda a partir do imaginário, tema caro ao Grupo de Estudos Olímpicos, especialmente aos pesquisadores Katia Rubio e Rafael Veloso. Imaginamos as coisas a partir de um mundo que percebemos: lemos histórias de guerra, assistimos a filmes de artes marciais ou abrimos um vídeo de briga de rua pelo Whatsapp.

Nas Olimpíadas, vemos proteções, regras em demasiado e uma luta que parece descontínua: se interrompe para marcar ponto, ajeitar um capacete, verificar equipamento e por vezes o vencedor parece nem convencer que ganhou. Alguns golpes parecem sequer fazer cócegas ao adversário e os mais aficionados pelo tema questionam se aquilo poderia ser considerado como luta.

Judô e taekwondo se estruturaram para fazer parte do programa olímpico. Boxe e luta reviram suas tradições para incluir as mulheres. A esgrima ressignificou o uso das lâminas para o contexto esportivo. O caratê segue modificando regras e se reorganizou para emplacar nos Jogos. Há quem fale ainda do jiu-jitsu brasileiro e do MMA, bastante praticados no momento, como aspirantes às modalidades olímpicas. Mesmo que isso não aconteça, ambos têm passado também por processos de esportivização.

Nessa lógica, onde estão hoje aqueles combates mais reais, sangrentos e que colocam em questão a vida e a morte? Se lutamos desde que existimos, esse há de ser seu objetivo derradeiro. No entanto, essas formas mais intensas de corpo a corpo em luta, que nos parecem tão habituais, estão muito mais no campo do imaginário do que supomos.

Lutamos para viver ou ser vistos? Espetacularização e esportivização parecem caminhar de mãos dadas. Quando tratamos das lutas nos Jogos Olímpicos, vemos corpos que lutam ao simular uma situação real. O corpo se movimenta ali como reminiscência, evocando possibilidades, mas sem concretizá-las em última instância. O corpo parece lutar para nos lembrar do que pode ser feito e do que poderia ter sido efetivado.

Se lutar é tão prenhe de sentidos e possui difícil definição, podemos pelo menos precisar que, no caso das modalidades olímpicas, o corpo a corpo em luta não cessa de fazer menção. Assim, tangencia o combate real em nome de um fair play, mas não se descola de sua razão de ser. No esporte, o corpo em combate faz arte ao insinuar: a vida em risco, a iminência da morte e a história de Hermes, deus das lutas e da virilidade, filho de Zeus, a quem se honrava nos primeiros Jogos Olímpicos da Antiguidade.

Acompanhe o Grupo de Estudos Olímpicos nas redes sociais: facebook.com/estudosolimpicos e twitter.com/geofeusp

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