Descrição de chapéu Tóquio 2020

'Olimpíada será segura, mas é compreensível a preocupação dos japoneses', diz embaixador do Japão

Akira Yamada afirma à Folha que Japão quer passar mensagem de que é possível superar as dificuldades numa pandemia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tóquio

A poucos dias da abertura dos Jogos de Tóquio, o embaixador do Japão no Brasil, Akira Yamada, afirma que o evento será seguro. Ele reconhece, no entanto, que grande parte da população local está insatisfeita com a sua realização em meio à pandemia da Covid-19.

Segundo ele, uma parcela dos japoneses tem se preocupado com a possível chegada de novas variantes do vírus por meio de atletas, jornalistas e credenciados durante a Olimpíada. “É compreensível”, diz o embaixador, em entrevista à Folha, na embaixada, em Brasília, na véspera do embarque da reportagem para Tóquio.

“O governo está fazendo todos os esforços para proteger não só os atletas, mas também o povo japonês. Vamos ter um protocolo muito severo para atletas, jornalistas e qualquer pessoa envolvida, como os voluntários”, afirma.

O embaixador lamenta a ausência de torcedores estrangeiros nos Jogos, quebrando, segundo ele, uma essência do evento, a troca de cultura entre o anfitrião e os espectadores internacionais.

Homem de terno atrás de bandeira do Japão, com bandeira do Brasil ao fundo
O embaixador do Japão no Brasil, Akira Yamada, durante entrevista à Folha - Raul Spinassé/Folhapress

"A essência dos Jogos Olímpicos não muda, com os atletas dando o melhor de si e inspirando o público com seus desempenhos excepcionais", afirma.

A Olimpíada será realizada entre 23 de julho de 8 de agosto, depois de ter sido adiada no ano passado em razão da pandemia. De 24 de agosto a 5 de setembro, a capital japonesa receberá a Paraolimpíada.

Pesquisa recente apontou uma rejeição grande por parte dos japoneses aos Jogos —cerca de 80% estariam contrários à realização do maior evento esportivo do planeta em Tóquio por causa da pandemia.

Até agora, o Japão registrou pouco mais de 800 mil casos e cerca de 15 mil mortos pela Covid-19. O processo de vacinação anda a passos lentos. Apenas 15,1% da população tomou as duas doses de vacina e 26,4% completou a primeira etapa.

Conforme a Folha mostrou diretamente de Tóquio, a cidade busca concretizar a promessa de realização segura do evento e, por outro lado, tem a missão de tentar impedir que os Jogos aumentem os números de Covid-19 na cidade.

A cerimônia de boas-vindas aos visitantes estrangeiros que trabalharão na competição já indica de cara que o clima de preocupação na chegada tomou o lugar da euforia comum em edições anteriores.

Sob pressão, a organização anunciou na quinta (8) o veto de público nas competições em Tóquio. "É lamentável, mas entendo que é inevitável para a segurança dos atletas e do povo japonês", diz o embaixador.

Pesquisas das últimas semanas mostraram uma resistência da população local à realização dos Jogos Olímpicos. Isso preocupa o governo? Não é um sinal de que os japoneses poderiam ter sido ouvidos? Sim, certa parte da população está contra a realização dos Jogos, ainda que o número de mortes por Covid-19 no Japão seja bastante baixo em relação a outros países. Mesmo assim, o povo japonês está bastante preocupado com o risco de que novas variantes do vírus sejam introduzidas no país através dos Jogos. É uma preocupação que entendemos.

Por isso o governo nacional e o local (de Tóquio) e o comitê organizador da Olimpíada estão fazendo todos os esforços para proteger não só somente os atletas, mas também o povo japonês. Vamos ter um protocolo muito severo para atletas, jornalistas e qualquer pessoa envolvida, como os voluntários.

É possível afirmar que a principal preocupação é o contato dos atletas e demais credenciados com a população local? O principal objetivo é evitar esse contato? Muitos japoneses estão preocupados. O contato dos atletas com o povo local será muito limitado. Vale lembrar que os atletas estão ainda mais seguros, porque precisam se cuidar. Se estiverem infectados, não poderão participar do evento. Haverá teste de Covid antes de ir aos Jogos e durante —em princípio, todos os dias.

O governo japonês decidiu vetar a presença de espectadores nas competições e estado de emergência foi decretado em Tóquio. Como o senhor avalia essa decisão? Francamente, para mim, a decisão de não ter espectadores nos Jogos Olímpicos é lamentável. Mas entendo que é inevitável para a segurança dos atletas e do povo japonês. De qualquer modo, acredito que os atletas irão nos emocionar executando a melhor performance de suas habilidades. Estou ansioso para assistir o desempenho deles.

Havia possibilidade de adiar a Olimpíada novamente? Por que o governo insistiu? Eu pessoalmente não cancelaria.

O que o adiamento de 2020 para 2021 representou para o governo japonês, além de perdas econômicas? O governo japonês e o comitê organizador tiveram que mudar várias condições, e uma delas, naturalmente, é não receber espectadores de países de fora. Lamentamos porque, seguramente, uma das atrações dos Jogos é receber não somente atletas mas espectadores de diversos países, com intercâmbio entre pessoas, de amizade, de cultura. As pessoas podem conhecer a culinária do anfitrião. Desta vez, não poderemos, mas queremos dar condições para que os atletas deem seu melhor. Queremos oferecer o entusiasmo.

O senhor diz que o número de mortes é baixo no Japão, mas a vacinação tem sido lenta. Dizem que há uma cultura do japonês de resistir à vacinação. Por que essa demora? Começamos a vacinar um pouco tarde. Há várias razões. Iniciamos profissionais de saúde em fevereiro e idosos em abril. Desde o fim de maio está aumentando o número de vacinados. No Japão, o povo faz muita preparação antes de começar algo para buscar uma perfeição. Então, prepara, prepara, prepara e quando começa a situação vai ficando mais rápida. Espero que a vacinação tenha bastante efeito em relação à Covid-19 e para a psicologia e a mentalidade dos japoneses.

Há uma resistência cultural sobre vacina? Não é cultura, mas tem certas pessoas que dão muita importância a efeito colateral de vacinas, não só Covid-19. Mas agora a maioria dos japoneses quer se vacinar. É certo que certa parte das pessoas não querem, isso ocorre em qualquer país, não só no Japão.

Após o adiamento do ano passado, como está a expectativa do governo japonês para receber os Jogos a partir do dia 23? O governo japonês, o comitê organizador e o governo de Tóquio estão se preparando para fazer um evento seguro e tranquilo, sobretudo para atletas. Naturalmente, serão Jogos diferentes dos que vimos antes da pandemia. Penso que a essência dos Jogos Olímpicos não muda, com os atletas dando o melhor de si e inspirando o público com seus desempenhos excepcionais.

O mundo está enfrentando um grande desafio e o Japão quer transmitir a todos que o mundo está unido através dos Jogos e que podemos superar as dificuldades com esforços e sabedoria da humanidade.

É possível garantir que os Jogos serão seguros para a população? Creio que não terá muito risco, mas temos que considerar, admito, que muitas pessoas estão preocupadas com a organização, é compreensível, tanto que o governo e o comitê local estão fazendo todos os esforços. Todos terão que obedecer regras e protocolos.

Como o senhor compararia a Olimpíada de 1964 em Tóquio, tão marcante para o povo japonês, com a de agora? Em 1964, eu tinha 6 anos, estava no primeiro ano de ensino primário. Até então, o Japão estava progredindo, com um desenvolvimento econômico milagroso e cada vez mais aberto para países estrangeiros. O Japão era um país bastante jovem e o povo estava muito animado por receber atletas internacionais e ver esporte da mais alta qualidade pelos atletas japoneses e estrangeiros. Agora, a sociedade japonesa e o mundo mudaram muito. Naturalmente, a diferença maior é a existência da Covid-19. Eu mesmo estive envolvido com essa organização, participando da assembleia do COI (Comitê Olímpico Internacional) na escolha em 2013, em Buenos Aires, pela Olimpíada em Tóquio (vencendo Madri e Istambul). Agora queremos deixar um legado para melhorar o mundo, não só o de esporte, mas em vários sentidos. Naturalmente a organização dos Jogos durante a pandemia vai deixar muitas lições e experiência para futuros eventos esportivos.

O Brasil recebeu uma Copa América de última hora sem nenhuma preparação e houve vários casos de Covid em hotéis, com jogadores e funcionários. É possível comparar com a Olimpíada? Sou bastante fã de futebol e segui a Copa América, sobretudo as atividades da seleção brasileira. Mas não podemos comparar. Copa América são 10 países apenas, só futebol. Eu torço muito para a seleção brasileira, mas aqui no Brasil poucos estão interessados. Em Brasília ocorreram vários jogos, incluindo do Brasil, mas nenhum brasiliense parece saber que está tendo.

É que a situação aqui está muito ruim em relação à pandemia. Para muitos brasileiros não era a hora de receber um evento como esse. Como embaixador, como o senhor vê a situação no Brasil, com mais de 500 mil mortos? Como avalia a atuação do governo Bolsonaro, com vacinação lenta, assim como no Japão? O que o senhor relata ao governo japonês? Obviamente, como embaixada, observamos cuidadosamente o que está ocorrendo e como está a situação, as medidas do governo e como são as reações da população. Mas muito cuidadosamente porque, como embaixador de um país estrangeiro, não faço avaliação. Primeiro porque ninguém conhece a solução correta sobre a Covid-19. Houve país que teve sucesso no combate e depois aumentou número de infectados. E cada país tem condições socioeconômicas diferentes, e espero que os brasileiros possam superar essas dificuldades. O Japão está colaborando com o Brasil e vamos continuar na luta contra o vírus.

Qual legado o Japão quer deixar com os Jogos? Queremos mostrar que com os esforços e a unidade dos japoneses e do mundo podemos superar dificuldades, apesar das adversidades.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.