Descrição de chapéu Tóquio 2020

Ondas pequenas nos Jogos de Tóquio desafiam surfistas e fabricantes de prancha

Modelos que serão usados no Japão precisam ser mais leves e garantir flutuação

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São Paulo

As atividades de um shaper, profissional que desenvolve pranchas de surfe, carregam semelhanças com aquelas executadas pelos engenheiros e mecânicos de uma equipe de F1.

Ao menos é dessa forma que enxergam os brasileiros Adriano Teco, que há 14 anos cuida em Santos das principais ferramentas de trabalho do campeão mundial Italo Ferreira, e Marcio Zouvi, fundador e dono da Sharp Eye, empresa baseada nos Estados Unidos.

Assim como o ajuste do carro é crucial na performance de um piloto da elite do automobilismo, a fabricação da prancha precisa levar em consideração detalhes técnicos para que se adapte tanto ao estilo e às caraterísticas físicas do surfista quanto às condições das diferentes ondas que pegarão sobre ela.

Ao lado do irmão Sylvio Oliveira, o Tico, Teco comanda a Silver Surf, empresa fundada por eles em 1994. Além da marca própria, a dupla também representa o renomado shaper californiano Timmy Patterson no Brasil.

Dois homens observam prancha com máscaras de proteção
Adriano Teco (à esq.) e Sylvio Tico Oliveira, os irmãos que comandam a Silver Surf em Santos - Arquivo Pessoal

É comum que Italo Ferreira receba pelo menos 14 pranchas modelo IF 15 para as etapas da WSL (World Surf League), com tamanhos variados para se adequar às diferentes condições do mar ao longo dos eventos.

Devido às ondas pequenas que são esperadas em Tsurigasaki, praia onde serão realizadas as disputas do surfe nos Jogos Olímpicos de Tóquio, Tico, Teco e Patterson criaram uma nova prancha pensada para a participação do atleta no megaevento. O surfe fará sua estreia na Olimpíada a partir do dia 25 de julho.

A recomendação dos shapers é que o modelo denominado Synthetic 84 seja usado em torno de duas polegadas menor do que a prancha de costume do surfista. Ela também é mais larga e possui um sistema de construção com bloco de poliestireno expandido (EPS, ou isopor) em alta pressão, laminada com fibra importada e resina epóxi.

Prancha de surfe branca encostada na parede
Uma das pranchas que será usada por Italo Ferreira na Olimpíada de Tóquio - Arquivo pessoal

Se comparadas às pranchas convencionais de bloco de poliuretano, as de EPS/epóxi são ligeiramente mais leves e têm maior flutuação na água por conta do bloco de EPS levar em sua composição maior quantidade de ar. “As pranchas para ondas pequenas devem ser mais largas e mais cheias [com a espessura central maior], para que roubem mais energia da onda e consigam ter um desempenho melhor”, explica Teco.

O bicampeão mundial de longboard Phil Rajzman começou a usar equipamentos de epóxi em 2006. Em 2008, passou a fabricá-los, junto com a empresa Hobie, da Califórnia. “Por ter maior flutuação, essas pranchas têm uma resposta mais sensível em relação à onda. Se o mar estiver bem lisinho, a prancha fluirá muito bem, terá bastante velocidade, inclusive para fazer as manobras aéreas, por exemplo. Essa é a característica positiva do epóxi", afirma.

"Mas, quando o mar está mexido, por essa prancha ter a característica de ficar toda em cima da água, o surfista sente mais as ondulações do que com as de poliuretano, que têm uma flutuação menor e que, digamos assim, metade da prancha fica dentro da água e metade fora”, completa o filho do medalhista olímpico de vôlei Bernard Rajzman.

Corrida tecnológica para as ondas do Japão

O cancelamento do circuito mundial em 2020 por conta da pandemia permitiu que Italo e seus shapers tivessem um tempo inesperado para desenvolver o novo modelo em Baía Formosa (RN), cidade natal do surfista e que possui condições de onda parecidas com as do Japão.

A ideia era guardar segredo até os Jogos, mas recentemente o atleta decidiu usar a prancha em uma das etapas da perna australiana do circuito mundial e despertou interesse.

“Teve uma bateria em que o mar estava pequeno e ele pegou 17 ondas em 35 minutos, dois minutos para pegar uma onda. Chamou muita atenção e todo o mundo quis saber que modelo era aquele. O Italo disse ‘não fala da minha arma não’, mas ele quis usar no campeonato e não teve jeito, o negócio estourou”, conta Teco.

O surfista afirmou recentemente que os testes têm “fluído bastante”. “Em condições pequenas, posso ter um pouco mais de velocidade e conseguir algumas outras manobras que com uma prancha normal tenho um pouco mais de dificuldade, pelo fato de ter pouco volume e o fundo ser diferente. Provavelmente vou usar [em Tóquio].”

Tatiana Weston-Webb relatou que também tem buscado novidades para o evento olímpico. “A gente sabe que as ondas são menores, então está trabalhando muito nos equipamentos. Estou usando mais pranchas de epóxi e agora temos um outro material que deixa a prancha muito rápida.”

Tati e Silvana Lima, outra surfista do país que estará nos Jogos, têm suas pranchas sob responsabilidade de Marcio Zouvi. Atualmente, a Sharp Eye também cuida dos materiais de Filipe Toledo, do japonês Kanoa Igarashi e de mais cinco atletas estrangeiros classificados à Olimpíada.

O material citado por Tati é descrito por Zouvi como um shape de isopor “vestido” com fibra de carbono. “Nada mais é do que você colocar resina de epóxi, molhar todo o carbono ao redor do shape, colocar numa bolsa e aplicar uma pressão negativa, criando um vácuo. A bolsa puxa toda a resina e aperta bem a colagem do carbono contra o shape.”

Esse processo, de acordo com ele, faz a prancha flutuar mais e produzir uma reação positiva ao sofrer a ação do surfista, ideal para as condições de ondas pequenas.

Mas há limites sobre até que ponto o equipamento pode ajudar. “Quando não tem onda nenhuma, não há nada que você possa fazer. Estamos torcendo para que entre alguma ondinha para que o surfe tenha uma boa apresentação”, diz Zouvi.

Relação de confiança

Gabriel Medina mantém a parceria com o shaper que o acompanha desde o começo da carreira, Johnny Cabianca. Potencializado pelo sucesso do atleta, Johnny, que já trabalhava havia décadas nessa área, fundou em 2016 a BCSC, com sede em Zarautz (País Basco, na Espanha), para atender o mercado global.

Medina se mostrou dividido entre aderir a novidades para Tóquio e manter os materiais que até agora lhe proporcionam sua melhor temporada na WSL. “Provavelmente vou usar o que uso sempre. É o que tem funcionado. Ultimamente tenho testado pranchas de epóxi, que andam superbem, mas ainda estão em teste, e quilhas diferentes, mas acredito muito no equipamento que sempre usei. Confio no Johnny, e a gente vai chegar com bons equipamentos no Japão."

A relação de confiança com o shaper é um elemento fundamental para o surfista. No caso de Italo, que não viaja para o circuito com um treinador, o papel de aconselhar e eventualmente cobrar também cabe aos irmãos da Silver Surf.

“Não somos simplesmente os caras que fazem a prancha do Italo. Somos amigos dele, vivemos as coisas legais e as coisas ruins. A gente acreditou naquele garotinho de 14 anos”, afirma Teco. “O Tico é mais pensativo, eu sou do coração. Quando tem que puxar a orelha do Italo. quem liga sou eu para falar: ‘Pô brother, você não viu aquela onda’. Mas é muito prazeroso fazer a prancha desse cara.”

“Nesse nível, equipamento é tudo”, diz Zouvi. “Trabalhar bem perto, acompanhando, é fundamental. A pior coisa que tem para um surfista é ir despreparado, com um equipamento no qual ele não tem confiança.”
​Com os shapers por trás do sucesso obtido no mar, os atletas do país esperam arrebentar mesmo nas ondas pequenas e conquistar as aguardadas medalhas da estreia do surfe nos Jogos Olímpicos. “Não são só os surfistas brasileiros que estão bons, mas os fabricantes também. É uma tempestade brasileira mesmo”, conclui Teco.

Pranchas também serão mais 'limpas' no visual

Além das questões técnicas, as pranchas usadas na Olimpíada serão obrigatoriamente diferentes do ponto de vista estético. Isso porque o Comitê Olímpico Internacional e a Associação Internacional de Surf autorizam adesivos apenas da bandeira nacional e do fabricante sobre o shape. O mesmo vale para as roupas dos atletas. Uma mudança e tanto para imagens que são comuns na WSL, quando os principais surfistas exibem uma miscelânea de marcas dos seus patrocinadores.

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