Primeira-dama dos EUA abandona tradições e usa apenas uma roupa nova em Tóquio

Jill Biden está no Japão como chefe da delegação americana nas Olimpíadas

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Vanessa Friedman
The New York Times

O jogo da moda da primeira-dama é disputado 12 meses por ano, em praticamente qualquer horário, assistido por uma massa mundial de espectadores ávidos cujo interesse tem motivos nacionais, pessoais e políticos. As participantes são forçadas a participar desde o momento em que passam a ocupar o posto, quer gostem disso, quer não.

Jill Biden é conhecida como uma jogadora relutante. “Para mim é uma surpresa que comentem tanto sobre o que visto”, ela disse à revista Vogue. A estratégia de moda diplomática dominada por Michelle Obama, a de destacar o trabalho de um estilista que forme uma ponte entre o país de origem da primeira-dama e o país anfitrião, não interessa à nova primeira-dama. E tampouco o recurso de Melania Trump à alta moda, associando a política linha dura à passarela.

Mas Jill Biden provou ainda assim que existem muitas maneiras de fazer sucesso, pelo menos se considerarmos sua primeira viagem solo, como líder da delegação dos Estados Unidos às Olimpíadas de Tóquio.

Primeira-dama dos EUA Jill Biden acompanha prova da natação nos Jogos Olímpicos de Tóquio
Primeira-dama dos EUA Jill Biden acompanha prova da natação nos Jogos Olímpicos de Tóquio - Attila Kisbenedek - 24.jul.21/AFP

Durante seus quatro dias no exterior, ela não só representou a indústria americana, usando peças de uma lista essencial de estilistas de seu país, como, e talvez mais importante, personificou o tema das Olimpíadas, que vem sendo alardeada como a mais ecológica da História, com o lema “ser melhores, juntos – pelo planeta e pelas pessoas”. Jill Biden aparentemente só usou uma roupa nova durante toda sua visita ao Japão – o terninho azul marinho da grife Ralph Lauren que é parte dos uniformes oficiais da equipe olímpica americana e que ela vestiu para seu papel como torcedora chefe dos atletas olímpicos dos Estados Unidos.

Fora isso, suas roupas eram todas peças recicladas que já estavam em seus armários. E não só peças usadas para ocasiões familiares. Algumas das roupas haviam sido usadas em ocasiões públicas repletas de fotógrafos.

O vestido Narciso Rodriguez com uma capa vermelha, que ela usou em sua chegada a Tóquio? Foi o mesmo que ela vestiu em uma visita com o médico Anthony Fauci a um local de vacinação na Flórida, em junho.

O vestido floral Tom Ford usado em um jantar com o primeiro-ministro japonês Yoshihide Suga e sua mulher, Mariko? Já tinha sido usado em uma conferência de cúpula do Grupo dos 7 (G7), este mês no Reino Unido.

O Brandon Maxwell de bolinhas usado na cerimônia de abertura? Idem (naquela ocasião sob a muito discutida jaqueta “Love”). Para não mencionar o vestido Michael Kors branco usado em Tóquio sob um blazer da equipe americana; o vestido tinha feito uma aparição anterior em um evento do G7, sob um blazer azul marinho, quando o presidente Joe Biden e a primeira-dama chegaram ao Reino Unido. Mesmo o vestido lilás que Jill Biden usou ao desembarcar em Honolulu na etapa final da viagem já tinha sido visto.

O guarda-roupa reciclado pode não ter parecido importante, mas era praticamente inédito desde a virada do século 21, no que tange a criação de imagens para celebridades ou seus poderosos equivalentes políticos e empresariais.

Em lugar disso, a demanda constante por conteúdo novo parece ter sido equiparada a vestidos novos – quer seja no tapete vermelho, em uma première ou em ocasiões de Estado. É divertido de assistir, uma interessante distração em forma do jogo de adivinhe-o-estilista. Mas isso teve o efeito, talvez imprevisto, de reforçar a cultura do descartável que cerca a moda, e ajudou a criar o excedente de tranqueiras que agora todo mundo lamenta, e a enviar a mensagem de que cada ocasião requer um modelo próprio.

Que Jill Biden tenha dito não a esse ciclo é um rompimento tão grande com a tradição recente quanto sua decisão de continuar em seu trabalho como professora universitária depois de se mudar para a Casa Branca. E pode ser uma decisão mais importante, e até (se as pessoas prestarem atenção) influente.

Ela não está rejeitando a moda – cada look que usou é parte da história corrente da New York Fashion Week, cada uma das marcas americanas que vestiu, tanto as estabelecidas quanto as ascendentes. Ela está fazendo sua parte para promover os negócios de seu país no mercado mundial.

Em lugar disso, ao escolher repetir roupas, ela está sublinhando o valor que elas têm; a ideia de que quando você encontra uma peça que ama, que faz com que você se sinta efetiva e como uma versão melhor de si mesma, o que importa é mantê-la. Se o efeito da peça foi esse um dia, voltará a sê-lo. E uma roupa como essa é digna de investimento em longo prazo, e serve tanto à mulher que a veste quanto ao público que assiste. Não é uma peça descartável. E outras mulheres podem fazer o mesmo. Isso é algo com que todos temos capacidade de simpatizar, quer estejamos conscientes das questões de sustentabilidade, quer não.

É claro que existe a possibilidade de que o o uso repetido seja coincidência. De que ela estivesse tão ocupada nos dias que antecederam as Olimpíadas (Jill Biden com certeza é ocupada, e, de acordo com a Vogue, ela não tem um estilista pessoal) que não sobrou tempo para pensar no que levaria para a viagem, e ela apanhou qualquer coisa em seu guarda-roupa.

Mas se considerarmos que essa foi sua primeira viagem solo como primeira-dama., o que automaticamente significa mais atenção, e a natureza complicada da situação – a controvérsia e o incômodo quanto à realização dos Jogos –, uma conclusão nesse sentido parece improvável.

Especialmente porque as restrições da pandemia resultaram em escassez de espectadores no estádio, e Jill Biden sabia que se destacaria em meio à não multidão. Ela sabia que o que dissesse talvez não viesse a ser ouvido, mas o que usasse com certeza seria visto.

E embora seu reaproveitamento de roupas já tivesse ficado evidente em eventos durante os 100 primeiros dias de governo de seu marido – e também reflita o foco do governo Biden na mudança do clima -, a prática talvez tenha chegado ao seu apogeu durante a viagem.

Tudo isso sugere que essa postura agora será um dos elementos que definem a passagem de Jill Biden pela Casa Branca; parte da maneira pela qual ela leva adiante o papel de primeira-dama. Se for esse o caso, todos saem ganhando.

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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