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Tóquio 2020 ginástica artística

Rebeca tem tudo para voltar a brilhar em Tóquio, mas futuro pede estrutura e reconhecimento

Lágrimas de Daiane, Daniele e Jade não surpreendem, e feito de medalhista de prata pedirá mais que emoção

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São Paulo

Rebeca Andrade conseguiu algo inimaginável na ginástica artística feminina do Brasil.

Primeiro, por ir às Olimpíadas pandêmicas. Segundo, pela forma como chegou à final, após três cirurgias, sem favoritismo e com a colega Flavia Saraiva lesionada. Terceiro, pela medalha de prata, inédita, sob status não previsto após a saída de Simone Biles e na disputa mais difícil. Difícil porque se uma série envolve um ano e meio de treinos, dias e noites repassando a execução, que dirão quatro aparelhos?

Agora, será que o momento mais difícil passou?

Em 2001, ao obter o primeiro pódio do país no Mundial —prata na Bélgica—, Daniele Hypólito, então com 17 anos, tinha salários atrasados e treinava no Flamengo num tablado rasgado e com pregos à mostra.

“Rezo para surgir um patrocinador, seja ele qual for. Minha família não tem dinheiro, meu pai é manobrista, minha mãe faz colchões para o Flamengo, é uma vida dura. Não passo fome, mas tenho problemas.”

Pediu, ao voltar ao país, o básico: salário em dia e aparelhos para treinar.

 Daniele Hypólito participa de reality show
Daniele Hypólito participa de reality show - Divulgação/Record TV

Em 2003, Daiane dos Santos, aos 20 anos, conquistou o ouro no Mundial de Anaheim (EUA), com seu duplo twist carpado. Mas tinha preocupações que iam da cartilagem do joelho à manutenção do técnico Oleg Ostapenko —o país lhe devia salários. Mais: sofria racismo dentro e fora do esporte. E pediu melhores condições para a ginástica do país, para tirar outras crianças de praças e ruas.

O técnico ucraniano Oleg Ostapenko e a ginasta Daiane dos Santos no Centro de Treinamento da seleção brasileira de Ginástica Artística, em Curitiba
O técnico ucraniano Oleg Ostapenko e a ginasta Daiane dos Santos no Centro de Treinamento da seleção brasileira de Ginástica Artística, em Curitiba - Guilherme Pupo - 15.set.03/Folhapress

Em 2005, foi a vez de Diego Hypólito, com 19 anos, obter o primeiro ouro masculino no Mundial, em Melbourne. Depois, desabafou: “Eu não recebo nada do Flamengo. Antes, não cobrava. Ou melhor, nunca cobrei nada, mas agora tenho que pensar no futuro e no meu pé-de-meia”.

Em 2007, Lais Souza, com 17 anos, brilhou no Mundial de Aarhus e ajudou o país a consolidar o projeto de classificar a equipe pela primeira vez aos Jogos, mas levou o corpo ao limite.

“Todas elas têm dores. A Daiane já teve dor no joelho. A Daniele, no ombro. A Lais também, e não sei de onde ela tirou forças para suportar os treinos”, disse Eliane Martins, então supervisora da seleção.

“Sou pequena, mas tenho 16 anos de profissão e posso passar muita experiência de vida para vocês”, disse Lais, em 2008, já com 19, quando também virou palestrante por mais verbas.

Em meio aos problemas de estrutura, as ginastas ainda têm de suportar todo tipo de privação e dores.

Em Pequim-2008, Jade Barbosa, com 17 anos, pediu, pasme, que pudesse beber água. “Não podíamos tomar água. Era uma proibição dos técnicos", que diziam acreditar que as atletas ganhariam peso caso ingerissem muitos líquidos. "Podíamos no máximo dar borrifadas de uma garrafinha com spray na boca, tentar refrescar o corpo, mas, ainda assim, isso era feito escondido.”

Já em Londres-2012, Arthur Zanetti conquistou o tão desejado ouro olímpico. À época, relatou as dificuldades para treinar em aparelhos, episódios de preconceito (“ginástica também é esporte para meninos”) e foi cirúrgico: “Minha medalha pode abrir portas. Mas, além de estar ajudando o esporte de alto rendimento, é preciso ajudar a base. Tem que equipar os clubes, equipar outros ginásios. Isso seria de grande importância para que a ginástica não acabe”.

E imagine que Zanetti, prata no Rio-2016 e no Japão em busca de um terceiro pódio histórico nas argolas, teve o salário cortado neste ano. Pediu respeito. “Está ridículo em questão de investimento, porque não tem como aceitar uma situação dessa”, disse ao GloboEsporte.

Então, não surpreendem as lágrimas de Daiane, Daniele e Jade Barbosa com o feito de Rebeca. Ser ginasta é sofrido, e atletas não são pidões. São humanos expostos a cargas brutais de pressão.

Esporte é investimento, com ou sem pódios. Simone Biles mostrou que ele envolve dor e saúde mental.

Já Rebeca, a primeira ginasta do país a obter um pódio olímpico, tem tudo para voltar a brilhar em Tóquio. Ao mesmo tempo, mostrará que o futuro pede estrutura e reconhecimento.

Será que o momento mais difícil já passou?

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